Há tempos li
numa revista uma entrevista a uma pessoa do governo em que
esta falava um pouco da sua vida familiar, do pouco tempo que tinha ficado em
casa depois da sua filha nascer mas de como
tentava chegar sempre cedo, saindo do ministério pelo menos a tempo de jantar
em casa com os seus 4 ou 5 filhos. Não quero fazer aqui julgamentos sobre o
facto desta mulher ser má ou boa mãe, nem acredito que uma mãe se torne pior por
investir na sua carreira. Mas, a verdade, é que como pessoa pública esta
senhora, para mim, tornou-se um símbolo de algo que me incomoda bastante hoje
em dia: da ideia de que é possível ser-se boa mãe e, ao mesmo tempo que se
investe na carreira e se trabalha durante várias horas por dia mesmo com filhos
pequeninos em casa. Não sou contra a ideia das mães trabalharem, antes pelo
contrário, mas sou definitivamente contra a ideia das mães de crianças pequenas
trabalharem várias horas por dia e verem os filhos apenas uma ou duas horinhas por dia no meio dos banhos, dos jantares e da hora de deitar.
Hoje em dia é
muito veiculada a ideia de que é possível ser-se bom pai ou boa mãe desde que
se dedique aos filhos uns minutos de qualidade todos os dias mas a verdade é
que uma criança com menos de dois anos não consegue formar um vínculo seguro e
estável com uma mãe que vê apenas poucas horas por dia. Se não aceitamos que
alguém possa construir uma carreira importante trabalhando em part-time, como é
que podemos acreditar que seremos boas mães se o formos apenas em part-time nos primeiros tempos de vida dos nossos filhos?
Ser mãe de uma
criança pequena implica uma total disponibilidade para estar com essa criança,
para a conhecer, para criar um vínculo com ela e para lhe dar o tempo e a
segurança necessárias para que ela possa criar um vínculo connosco. E isto não
pode fazer-se ao mesmo tempo que nos preocupamos com trabalhos exigentes e que
nos tomam demasiado o tempo e a cabeça. Para que uma criança cresça saudável e
possa tornar-se um adulto seguro, confiante e com todas as bases para se sentir
feliz e realizado com a vida precisa de estabelecer um vínculo seguro com os
seus pais. No primeiro ano de vida normalmente a criança estabelece mais
facilmente esse vínculo com a mãe e, no segundo ano, se tudo correr bem e se
este estiver disponível, passa a estar mais disponível para o estabelecer também
com o pai. Mas, para que esse vínculo se estabeleça a mãe tem de estar
presente, verdadeiramente presente, não basta a presença física mas é essencial
que haja uma presença afectiva uma total disponibilidade emocional para estar
com a criança, para a acolher, para responder às suas necessidades. Hoje em dia
fala-se muito do Ambiente de Adaptabilidade Evolutiva: esta expressão tem
origem nos trabalhos de John Bowlby que defendia que os seres humanos nascem programados
para estabelecer um vínculo com as suas mães –ou com outra figura substituta
que esteja presente durante a maior parte do tempo – e que apresentam um leque
de comportamentos instintivos que têm como finalidade ajudar à formação desse
vínculo que é essencial para o seu bom desenvolvimento e que formará a base de
todas os relacionamentos futuros.(ver artigo) Então para Bowlby - que baseou os seus estudos
na observação do comportamento animal, da interacção entre mães e filhos em
diversas culturas e na observação de crianças institucionalizadas - a presença
da mãe era uma parte integrante do ambiente de adaptação evolutiva da espécie
humana. Isto quer dizer que o ser humano evoluiu num ambiente onde a mãe
estaria presente durante a esmagadora maioria do tempo nos primeiros tempos de
vida das crianças.
Nas sociedade
mais tradicionais – tal como acontecia no ocidente algumas décadas atrás – a
tendência é para que a mãe esteja presente durante a esmagadora maioria do tempo,
pelo menos durante o primeiro ano de vida da criança, sendo que esta presença
pode começar a diminuir gradualmente ao longo dos primeiros anos. Então isto
quer dizer que este é o Ambiente de Adaptação Evolutiva óptimo para a espécie
humana, é com este ambiente que estamos preparados para lidar e é para este
ambiente que fomos programados: o bebé humano, quando nasce está preparado para
esperar uma presença quase constante da mãe nos seus primeiros tempos de
vida.
Só muito recentemente, nas sociedades ocidentais, é que a mulher começou a passar mais tempo no local de trabalho do que em casa - quer por questões de realização pessoal quer por questões financeiras - o que é certo é que isto é muito recente na história da humanidade e o que também é certo é que nunca conhecemos tantos casos de depressão, de ansiedade e de inúmeras outras perturbações psicológicas que não param de aumentar nos nossos dias. O número de crianças com perturbações mentais como autismo, hiperactividade, perturbações de ansiedade, depressão e outros problemas é maior do que alguma vez foi na nossa história. Estes números preocupantes mostram-nos que alguma coisa não está a correr bem.
Só muito recentemente, nas sociedades ocidentais, é que a mulher começou a passar mais tempo no local de trabalho do que em casa - quer por questões de realização pessoal quer por questões financeiras - o que é certo é que isto é muito recente na história da humanidade e o que também é certo é que nunca conhecemos tantos casos de depressão, de ansiedade e de inúmeras outras perturbações psicológicas que não param de aumentar nos nossos dias. O número de crianças com perturbações mentais como autismo, hiperactividade, perturbações de ansiedade, depressão e outros problemas é maior do que alguma vez foi na nossa história. Estes números preocupantes mostram-nos que alguma coisa não está a correr bem.
Isto não quer
dizer que as mulheres precisam de abdicar da carreira para ficarem em casa com
os filhos. Não defendo a volta a um tempo em que as mulheres simplesmente não
tinham escolha. Mas, enquanto sociedade, precisamos urgentemente de tomar
consciência de que os bebés precisam das mães e as mães precisam dos bebés.
Todas as mães sofrem quando têm que se separar várias horas por dia de um filho
de meses porque o seu instinto também lhes diz que esse comportamento não é
adequado. Algumas mães darão mais ouvidos a esse instinto outras tentam
ignorá-lo e acreditar que essa ausência não causará danos mas, o que é certo, é
que nenhuma mãe se sente feliz quando precisa de passar o dia inteiro longe de
um bebé pequeno. Então precisamos urgentemente de criar condições para que as
mães possam dar ouvidos ao seu instinto e ficar em casa algum tempo, que nunca
deveria ser menos de um ano e idealmente seriam dois ou três, como acontece nos
países nórdicos, para poderem estar disponíveis para os filhos. Mas criar condições também para que estas mães não tenham que abdicar definitivamente das suas carreiras. Se a sociedade vir como essencial esta presença da mãe durante os primeiros anos, mais facilmente criará as condições necessárias para que a mãe possa ficar em casa com os filhos e voltar ao trabalho quando quiser fazê-lo. Ou, em alguns, casos poderá ser possível trabalhar apenas poucas horas por dia, o importante é estabelecermos prioridades e sabermos que, quando os filhos são pequenos deverão ser eles a nossa prioridade. A vida é muito longa e teremos muito tempo para a carreira e trabalho depois dos filhos crescerem mas a infância deles nunca mais volta. Os primeiros
dois anos de vida de uma criança são essenciais para moldar a sua
personalidade, a sua forma de estar no mundo e durante esses anos a presença da
mãe – pelo menos no primeiro ano, já que no segundo poderia ser o pai a estar
mais presente – é essencial para que possa desenvolver-se com todas as
condições necessárias para crescer de forma saudável e capaz de fazer uso de
todo o seu potencial.
De
igual modo precisamos também de valorizar o papel das mães que podem e querem
optar por ficar em casa com os seus filhos, precisamos de compreender a
importância da decisão que tomaram e de não menosprezar as suas escolhas.
Porque me parece que, muitas vezes, ainda valorizamos demais a imagem da mulher
activa que se empenha na sua carreira e chega a casa todos os dias às oito o
nove da noite, esquecendo-nos que, na casa dessa mulher provavelmente há um ou
mais filhos que sofrem com a ausência da mãe e que crescem sem o mínimo de
condições necessárias para uma infância feliz que lhes proporcione as bases
para uma vida verdadeiramente preenchedora. Ouvi há alguns anos uma notícia
sobre o primeiro país do mundo (não tenho a certeza se seria o Canadá) que dava
uma reforma às donas de casa porque reconhecia que estas davam um contributo
importantíssimo para o PIB do país ao cuidarem dos seus filhos para que se
tornassem adultos produtivos e dos maridos para que pudessem trabalhar
descansados e acredito que mais países deveriam seguir esse exemplo. Não defendo que uma mulher tem de ficar em casa quando não sente
vocação para fazê-lo mas acredito que precisamos de valorizar quem faz essa
escolha.
Hoje em dia
está um pouco em voga o conceito de resiliência e queremos acreditar que as
crianças são muito resilientes e conseguem crescer e adaptar-se a qualquer
ambiente em que sejam criadas. È verdade que muitas crianças crescem em
condições adversas e conseguem, apesar de tudo, construir uma vida feliz mas
aquilo de que precisamos ter consciência é que de isso só é possível se essas
crianças tiverem a sorte de ter, pelo menos um adulto nas suas vidas com quem
possam estabelecer uma relação significativa, alguém que as faça sentir
importantes e especiais. Esse alguém pode por vezes não ser a mãe ou o pai mas
terá que existir e estar presente desde cedo e de uma forma permanente na vida
da criança. Porque o que se sabe é que, quando as crianças não têm a possibilidade
de estabelecer laços desde cedo (como aconteceu com algumas crianças
institucionalizadas) muito dificilmente o conseguirão fazer em adultas.
Um estudo com
ratinhos, por exemplo, mostra que aqueles ratinhos que eram mais lambidos pelas
suas mães depois de nascerem e durante as suas primeiras semanas de vida eram
aqueles que tinham uma maior resistência ao stress e, quando cresciam, estes
ratinhos, por sua vez, tinham também uma maior tendência para lamber mais as
suas crias. Então, cuidarmos dos nossos filhos dá-lhes a base para serem mais
capazes de lidar com os desafios mas também para serem eles próprios melhores
pais e mais capazes de se sentirem realizados e felizes com as suas relações.
Uma das
dificuldades que muitas mulheres sentem quando ficam em casa com os filhos é o
isolamento. Antigamente, nas sociedades tradicionais, as pessoas viviam mais em
conjunto, as jovens mães tinham sempre o apoio da família e de todos os membros
da aldeia ou tribo que nunca estavam muito afastados. Hoje em dia,
especialmente nas cidades, vivemos muito mais sozinhos e o trabalho é, muitas
vezes, a única forma de nos sentirmos em contacto com alguém durante o dia.
Então é preciso também tomarmos consciência de que há formas de combater isso,
criandos grupos de apoio, por exemplo para mães que estão em casa. Aumentar o
tempo que cada mãe pode ficar em casa também ajudaria a combater este
isolamento porque, se todas ficássemos mais tempo em casa, seria sempre mais
fácil conhecer alguém que estaria na mesma situação e com quem nos poderíamos
encontrar regularmente.
E quando não temos opção?
Se realmente precisamos de trabalhar por razões económicas que, infelizmente, são as mais frequentes, não quer dizer que estaremos a privar os nossos filhos de uma relação connosco mas, nestes casos, é importante sabermos que existem algumas formas de ajudarmos a restabelecer esse laço. Com os bebés, o contacto físico é muito importante para o estabelecimento do vínculo por isso, umas das coisas que podemos fazer é dormir com os nossos filhos ou usá-los num pano ou outro porta-bebés durante todo o tempo que estivermos em casa com eles. A amamentação também é uma excelente forma de restabelecer essa ligação. Com crianças um pouco maiores o contacto físico continua a ser muito importante mas precisamos também de encontrar outras formas de restabelecer o laço que se fragiliza um pouco com as ausências diárias. Para isto o essencial é estarmos atentos aos seus sinais e necessidades para encontrarmos formas criativas de os fazer sentir que são de facto a parte mais importante das nossas vidas. Muitas vezes isto implica deixar de lado todas as outras tarefas para nos dedicarmos exclusivamente à criança quando estamos em casa. A disciplina positiva também é muito importante nestes casos porque nos lembra que, se uma criança se porta mal não é porque está a ser mal educada mas sim porque já não se sente tão incluída na nossa vida e precisa de ser lembrada que continua a ser a parte mais importante desta. Então, nestes casos mais do que castigar, educar bem é termos consciência de que o mau comportamento é sempre a expressão de uma necessidade da criança que não está a ser preenchida.
Gordon Neufeld lembra-nos de que é essencial restabelecer a ligação após cada separação. Isto quer dizer que a primeira coisa que devemos fazer ao chegar a casa é saudar os nossos filhos e passar algum tempo com eles, como que a reparar o vínculo. Por vezes queremos descansar um pouco, ou mudar de roupa ou preparar alguma coisa antes de estarmos com eles e as crianças ficam impacientes mas, se lhes dermos primeiro alguns minutos de atenção, poderemos mais facilmente fazer o que quer que precise de ser feito a seguir. Isto ajuda a criança a sentir que de facto é uma prioridade nas nossas vidas.
Sabermos que é muito importante encontrar formas de compensar os nossos filhos pelas nossas ausências diárias é fundamental e pode fazer toda diferença na possibilidade desse vínculo se estabelecer de forma segura, mesmo quando precisamos de trabalhar todos os dias o dia inteiro.
Maravilhoso texto!
ResponderEliminarobrigada :-)
EliminarTão isso, grata e feliz por estar a fazer o melhor pelo nosso filho. Despedir me foi a melhor solução :)
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