Quando o meu
filho nasceu muitas pessoas nos perguntaram se íamos impor as nossas
escolhas alimentares à criança, com uma certa entoação de crítica, como se
estivéssemos a forçá-lo a entrar em alguma seita maluca, estranha e vagamente
suspeita ainda que não saibam bem de quê. A essas pessoas respondi sempre que,
todas elas sem excepção, impuseram as suas escolhas aos filhos, tal como os
meus pais me impuseram a mim e tal como é suposto fazermos normalmente com
todas as nossas opções e valores que, naturalmente, vamos procurando transmitir
à descendência. Ao que estas pessoas me respondiam que era uma situação
muito diferente porque as nossas opções, como pais, estariam a condenar o meu
filho – pobre criança inocente – a uma vida inteira de diferença e exclusão que
dificultariam muito o
seu convívio com as demais crianças. Ao que poderia
responder que, nesse caso, o erro estava do lado da sociedade ou de quem o
rejeitasse e não em nós ou nele. Mas, a verdade, é que este é um dos receios
que toma conta de muitos pais de crianças vegetarianas ou vegans,
principalmente quando chega a altura de irem para a escola. Em relação a este
receio que, devo confessar, também me surgiu algumas vezes, aquilo que tenho a
descobrir com o meu filho é que não tem grande razão de ser. Porque, como em
tantas outras coisas, o mais importante é a base de confiança que criamos com
os nossos filhos e que eles criam connosco. E, quando essa confiança existe, as
crianças sentem-se seguras de si e das suas escolhas, mesmo quando sabem que
são diferentes das dos outros. Já em diversas ocasiões, como festas de
aniversário, por exemplo, o meu filho me mostrou que sabe que o que nós comemos
é diferente daquilo que a maioria das pessoas come e isto para ele é tão
tranquilo como saber que algumas pessoas gostam mais azul e outras de cor de
rosa. Porque ainda o achamos pequeno para explicar aquilo que está por trás
destas escolhas, por enquanto, limitamos-nos a dizer que algumas coisas não são
vegans e que só comemos as que são e isto para ele é tão pacífico como explicar
que os adultos bebem vinho e café, por exemplo, e as crianças não. Quando as
crianças confiam nos pais e se sentem seguras do amor destes não precisam tanto
de se sentir iguais ás outras, porque a identificação mais importante que
precisam de criar, nestes primeiros anos de vida, é com os pais mesmo e não com
as outras crianças. E, na verdade, sermos vegans até ajuda a criar uma
identidade distinta, uma atmosfera de pertença e contribui para construção
dessa identidade de família que é importante e essencial na construção da
identidade individual. Claro que chegará a altura em que essa identidade de
família não será suficiente, chegará a altura em que haverá uma necessidade do
meu filho, como acontece com todos os outros, criar a sua identidade própria
mas, antes de o fazer, ao explorar novas possibilidades é natural que tenha
alguma tendência para se afastar dessa identidade da família, principalmente na
adolescência. E, nessa altura, não me surpreende nada que tenha necessidade de
se aventurar noutros mundos e quem sabe até de experimentar comer coisas que
nunca tinha comido. Quando essa altura chegar a única coisa que poderemos fazer
é continuar a dar-lhe a nossa aceitação incondicional e perceber que, todos os
adolescentes passam por fases em que é natural questionarem as escolhas da
família. Mesmo assim, espero que sejamos capazes de lhe transmitir que, mais do
que uma escolha alimentar, o veganismo é uma forma de encarar a vida que passa
por um valor fundamental: o respeito por todas as formas de vida e a crença
fundamental de que os animais têm de ser tratados com o mesmo respeito que
tratamos as pessoas, nem mais nem memos, o mesmo respeito com que tratamos as
pessoas, sim.
É por isto que
quero que o meu filho cresça como vegan, porque quero que, para ele, esse
respeito seja uma realidade e não apenas um conceito vago, confuso e
contraditório como foi na minha cabeça durante tantos anos. Porque todos os
pais ensinam os filhos a gostar dos animais, porque todos os pais gostam que os
filhos tratem bem os animais, porque todos os pais têm dificuldade em explicar
aos filhos que o que têm nos pratos já foi um animal, um ser com sentimentos,
emoções e tão merecedor da vida como qualquer um de nós. Porque todas as
crianças têm uma altura em que percebem essa contradição e a única forma de
viverem com ela é fecharem uma parte de si, fecharem a parte de si que sabe que
todos os seres são dignos de amor e respeito, fecharem a parte de si que sabe
que não é certo causar dor e sofrimento apenas para a nossa conveniência.
Porque qualquer criança sofre quando vê um animal a ser mal tratado, todos
conhecemos histórias de crianças que se recusaram a comer um coelho ou uma
galinha que viram ser morta por algúem. Porque as crianças nascem com essa
capacidade de sentir empatia, com essa vontade de não causar sofrimento. Mas,
com o tempo e com a nossa ajuda e os nossos argumentos vão percebendo que não
podem dar-se ao luxo de manter essa empatia, porque senão não poderiam comer
animais todos os dias. Vão começando a perceber que não podem ouvir essa parte
de si, porque nós as convencemos que ela não está certa, que não é de fiar, que
não podem dar-lhe ouvidos. Como alguém disse num vídeo que vi no youtube, todos
gostamos de crianças que gostam dos animais e ficamos muito comovidos quando
elas os defendem - como no vídeo do menimo brasileiro que não queria comer
polvo, que correu o mundo, foi visto por mais de três milhões de pessoas e até
acabou por ser entrevistado no programa da Helen Degeneres (ver aqui o vídeo) - mas achamos todos
um bocado suspeito um adulto que tenha a mesma atitude. Porque, nós adultos, a
maior parte das vezes, já silenciámos esse nosso lado sensível, preocupado,
empático.
Então, eu não
quero que o meu filho seja obrigado a perder esse lado criança, não quero que
ele passe a encarar uma vaca como menos digna que um cão, ou um porco como
menos sensível que um gato. Não quero que ele perca essa sua natureza
fundamental, que é a de todos nós, de respeitar, admirar e proteger a vida, em
todas as suas formas. Porque quando essas partes de nós se fecham não sabemos
que mais é que seremos obrigados a fechar. Porque acredito que o respeito pela vida é o
caminho para vivermos em paz com os animais mas também com os humanos, com a
natureza, com o planeta. Porque uma criança que cresce a respeitar os animais
também respeitará as pessoas. Porque uma criança que cresce sentindo valorizado
o seu respeito pelos animais também se aprende a respeitar a si mesma.
E, sim tenho
noção de que ser diferente nem sempre é fácil. Mas também tenho noção de que
não sermos fieis a nós mesmos e à nossa natureza é ainda mais difícil. E também
tenho noção de que a aceitação mais importante ele encontra primeiro em casa,
com o pai e com a mãe e depois consigo mesmo, crescendo num ambiente de
aceitação, de acolhimento e de respeito. Respeito que, muita gente nos
pergunta, não implica deixá-lo comer carne um dia quando quiser? Implica
deixá-lo comer o que quiser, sim, quando quiser. Mas apenas quando tiver
maturidade suficiente para saber o que isso implica. Porque o nosso caminho não
tem a ver com proibições ou imposições, como tanta gente julga, mas tem tudo
a ver com consciência e respeito. E, para podermos respeitar as escolhas dos outros,
temos que saber que, antes de mais nada, eles as fazem com consciência e não
porque apenas decidiram fazer o que toda a gente faz. Não posso respeitar uma
escolha que é fruto do conformismo e de queremos apenas fazer o que todos fazem
porque essa não é uma verdadeira escolha. Uma verdadeira escolha implica ter
noção das consequências dos nossos actos, consequências que uma criança de 2, 3
ou 4 anos ainda não tem noção para compreender. E não sei quando terá. Depende
de cada criança e depende de cada pai ou mãe, só o tempo o dirá. Também não
deixamos os nossos filhos beber alcoól antes de termos a certeza que
compreendem o que isso implica, porque é que isto haverá de ser assim tão
diferente? Só porque mexe com as tais partes de nós, que todos temos, que sabem
que, no fundo a nossa escolha nunca existiu, limitámos- nos a fazer o que todos
os outros faziam e a silenciar o nosso lado empático e capaz de ver o
sofrimento que as nossas não escolhas provocam.
Porque, como disse Paul
McCartney, se os matadouros tivessem paredes de vidro, todos seríamos
vegetarianos.
E, para quem
duvida desta frase fica um desafio: deixo aqui o link de um documentário que pode ajudar a mudar consciências, o Earthlings, veja-o até ao final. Só conhecendo tudo
aquilo que está envolvido nas nossas escolhas e as suas consequências é que
podemos afirmar que realmente escolhemos em liberdade. Ver aqui o filme
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