Já falámos neste artigo de como lidar com a zanga quando ela surge nos nossos filhos mas é importante sabermos lidar com ela também quando surge em nós.
Todos os pais
se zangam com os filhos de vem em quando. A zanga é uma emoção natural e que pode até ter um papel importante desde que saibamos lidar com ela. O que acontece muitas vezes é que escolhemos uma de duas atitudes: ou nos zangamos de forma descontrolada e deixamos que esta zanga acabe por prejudicar a nossa relação com os nossos filhos e com aqueles que nos são mais queridos; ou temos tanto medo de nos zangar que acabamos por engolir tudo e acabamos por causar prejuízos a nós mesmos mas também aos nossos filhos porque não somos capazes de lhes transmitir a melhor forma de lidar com esta emoção.
A zanga é uma
resposta natural que acontece quando sentimos que algum comportamento ou
atitude de outra pessoa pôs, de algum modo, em causa o nosso bem-estar. A zanga é muitas vezes alimentada pela
percepção de ameaças ou pela crença de que, determinadas coisas, não deveriam
acontecer. A zanga em si mesma não é algo negativo, é uma resposta natural que,
em certas situações, pode até ser útil na medida em que nos dá o impulso para
agir e tomar atitudes em relação ao que acreditamos que precisa de mudar. Tich
Nhat Hahn, monge budista e professor de meditação que - de entre os vários
livros que já escreveu- tem um dedicado à zanga, diz que devemos olhar para
esta como se olhássemos para um bebé: quando um bebé chora paramos o que
estamos a fazer para tentar perceber o que se passa com ele. Com a zanga é a
mesma coisa: se estamos zangados devemos tentar parar para perceber o que se
passa connosco e o que nos fez zangar mas, é importante que o façamos com uma
atitude de compaixão. Assim como acolhemos um bebé que chora, também devemos acolher a nossa zanga para
percebermos o que se passa connosco, de onde é que ela veio, o que a fez
começar e, sobretudo, de que é que precisamos para que ela possa passar. E isto
deve ser feito sem culpas e sem receios porque é a única forma de lidarmos verdadeiramente
com esta emoção em vez de nos refugiarmos em comportamentos de fuga que servem
apenas para desviar a nossa atenção do essencial: as nossas emoções e aquilo
que precisamos de fazer. Marshall Rosenberg, pai da comunicação Não Violenta,
afirma que a zanga é sempre a expressão trágica de uma necessidade que não foi
satisfeita. Então, em primeiro lugar, precisamos de ser capazes de olhar para a
nossa zanga para perceber que necessidade é essa e de que forma poderemos
arranjar maneira de a preencher.
Assumir a responsabilidade
E
uma coisa que é fundamental percebermos quando se trata de lidar com os nossos
filhos (e não só) é que não nos zangamos por causa deles, zangamos-nos por
causa de nós, mesmo. Isto pode parecer estranho mas é importante termos noção de
que não é o comportamento dos nossos filhos que nos faz ficar zangados mas sim
as crenças que temos em relação a esse comportamento. Alguns comportamentos dos
nossos filhos despertam em nós determinados pensamentos, ou sentimentos, ou
emoções com as quais é difícil lidarmos. Temos uma relação de grande
proximidade com os nossos filhos por isso é muito natural que eles nos afectem
de uma forma muito profunda com as suas atitudes. O problema é que muitas vezes
não temos noção disto. Então é importante percebermos que há determinados
comportamentos que nos fazem zangar não por causa do comportamento em si mas
por aquilo que despertam em nós.
Cada um de nós terá os seus próprios gatilhos e é importante que os fiquemos a conhecer para sabermos lidar com eles.
Por exemplo, um dos meus gatilhos é a sensação de que estou a perder o controlo da situação. Isto está relacionado com a minha necessidade
de manter uma certa ordem e programação na minha vida e, quando sinto que isso
está a ser posto em causa e que não tenho qualquer forma de o impedir torna-se
difícil não me zangar. Mais concretamente: gosto de me deitar cedo e
gosto de ter algum tempo para mim antes de me deitar, por isso gosto que o meu
filho adormeça cedo. Este hábito tem vindo a ser reforçado pelo
facto de, a maior parte das vezes, o meu filho até colaborar com esta minha
necessidade mas, como todas as crianças, tem fases de maior agitação, em que acaba por
ter um pouco mais de dificuldade em adormecer à hora que eu gostava que ele
adormecesse. E, quando isto acontece, dou comigo a zangar-me com ele, mesmo
sabendo que ele não tem culpa de não ser capaz de adormecer. Na verdade, para
além desta minha necessidade de dormir cedo e ter ainda algum tempo para mim,
isto também está relacionado com o facto de, outra parte de mim, acreditar que
as crianças deveriam dormir sempre cedo (nunca muito depois das nove da noite)
e que sou uma péssima mãe se não conseguir adormecer o meu filho a essa hora.
Então, só neste exemplo temos dois aspectos importantes desta minha necessidade de controlo: por um lado esta necessidade de sentir que posso controlar os meus dias e decidir a que horas me
deito, por outro lado a necessidade de sentir que consigo controlar o meu filho
e decidir a que horas ele adormece porque, se não for capaz de o fazer, estarei
a falhar em algum aspecto como mãe.
Então, é fácil de ver que o facto
de eu me zangar não tem nada a ver com o facto dele não adormecer mas sim com a
forma como eu interpreto essa incapacidade e como lido com tudo o que isso desperta
em mim. Então, neste caso o que posso eu fazer para preencher essa minha necessidade de controlo? Posso tentar organizar tudo para que ele adormeça cedo mas, nos dias em que isso falha, posso simplesmente, por um lado tomar consciência da minha necessidade de dormir cedo que não está a ser preenchida e, por outro tomar consciência de que o facto dele não dormir tão cedo quando eu gostaria não significa que estarei a falhar em alguma coisa como mãe.
Isto faz toda a diferença na forma como sinto e como expresso a minha zanga, porque não a projecto no meu filho. O simples facto de ser capaz de olhar para mim própria com aceitação e de saber que é natural que me sinta frustrada já faz uma grande diferença na forma como me sinto e como me expresso.
Tenho o direito de me zangar e de me sentir
frustrada porque as coisas não correm como eu previa, mas não tenho o direito
de fazer com que o meu filho se sinta culpado por isso. Então é importante eu ser capaz de lhe
transmitir que ele não tem culpa da minha zanga. É fundamental que as crianças
não se sintam responsáveis pelas emoções dos pais e isto é o que acontece
quando lhes dizemos que nos zangámos porque eles fizeram assim ou assado. Então
se estamos zangados mas sabemos que a culpa não é deles, podemos simplesmente
dizer que estamos cansados ou aborrecidos, ou sem paciência mas que isso não
afecta nada o que sentimos por eles. Nem sempre somos capazes de o fazer na
altura em que estamos tão identificados com a nossa zanga que não conseguimos
separar-nos dela o suficiente para que isto seja possível, mas podemos fazê-lo depois. E nunca é tarde para o fazermos. Podemos e devemos
mostrar aos nossos filhos que não nos zangámos por causa deles.
Principalmente se falámos mais alto do que gostaríamos ou se dissemos algo que
gostávamos de não ter dito é muito importante, tenham eles a idade que tiverem,
que lhe digamos que não sentimos o que dissemos e que continuamos a gostar
muito deles. Porque o que assusta uma criança quando um adulto se zanga com ela
é sentir que pode perder esse amor. Para a criança, quando o pai ou a mãe se
zangam parece que deixaram de gostar dela. E isto assusta e muito. Até a nós
adultos nos assusta quando alguém se zanga a sério e grita connosco e, se
escutarmos lá bem fundo o nosso coração, nessas alturas, o que apetece mesmo
perguntar a essa pessoa é “já não gostas de mim?”. Então podemos simplesmente
dizer aos nossos filhos que, mesmo quando estamos zangados, cansados, sem
paciência continuamos a gostar sempre muito deles, que por trás de toda essa
zanga e falta de paciência o amor continua lá, mesmo que não pareça, mesmo que
fique escondido como o céu atrás das nuvens, mas ele está sempre lá, nunca se
vai embora, nunca desaparece. E, se nos zangamos muitas vezes, é importante
dizermos isto muitas vezes, tantas quantas forem precisas até percebermos que
eles o sabem e sentem de verdade.
Isto dá também aos nossos filhos
a possibilidade de saberem que se podem zangar, que têm o direito de ficar
zangados e que não precisam de fugir dessas emoções, que podem lidar com elas. E
ensina-lhes também outra coisa muito importante: que é possível reparar as
relações. Que, quando alguém se zanga connosco e se afasta temporariamente, não
quer dizer que essa pessoa está perdida e que já não gosta de nós. Ensina-lhes
que podemos e devemos acreditar nas pessoas de quem gostamos e no amor que têm
por nós.
Zanga como educação
A zanga é uma emoção explosiva: tem um pico que acontece muito depressa, mesmo do ponto de vista fisiológico, mas que se extingue rapidamente. O que acontece é que, muitas vezes, nós escolhemos prolongar a nossa zanga porque acreditamos que ela tem alguma utilidade. Pensamos que precisamos da zanga para que os outros percebam o que não podem fazer.
Quando o meu filho começou a andar e a mexer em tudo e fazer todos os disparates característicos
como meter mãos em tomadas – ou a ter ideias brilhantes como a de de enfiar uma palhinha
no buraquinho da tomada para depois meter lá a boca - e a despejar todos os CDs das caixas, por exemplo, eu comecei por pensar que tinha de me zangar
com ele para que percebesse que não poderia fazer estas coisas. E havia aquela parte de mim que tem tendência para repetir o que
conhece, que se sentia na obrigação de se zangar para ele não fazer certas
coisas. Acontece que, muitas vezes, eu não me sentia realmente zangada mas
achava que tinha me forçar a ficar zangada para ele não pôr mais palhinhas em
tomadas. Até que percebi que realmente não precisava de forçar uma zanga que
não existia. E a zanga não existia nestes casos, porque ele não estava a
activar nenhuma das minhas emoções mais primitivas, como no exemplo que dei
acima. Porque eu sabia que ele estava simplesmente a ser criança, a descobrir o
mundo, que não estava a fazer aquelas coisas para me chatear ou porque era
especialmente mau ou mal educado. Então, nestes casos o comportamento dele não
estava a desafiar a minha forma de ver o mundo nem a por em causa as minhas
percepções ou a fazer-me sentir ameaçada. Por isso a zanga não surgia
naturalmente, mas eu achava que tinha de a ir buscar ou inventar a algum lado
para o ensinar. Mas, na verdade, percebi que a zanga não ensina nada e não
precisamos de zanga para educar ninguém. A zanga serve apenas para nos educar a
nós, para nos fazer compreender quais são os nossos gatilhos mas não serve para
educar mais ninguém. Não é por nos zangarmos com os nossos filhos que eles
aprendem a não mexer nas tomadas. Antes pelo contrário até. Se nos zangamos eles
assustam-se, pensam que não gostamos deles. E, quando se assustam, entram num
modo defensivo, nesse modo defensivo ficam muito menos receptivos ao que quer
que seja que lhes tentemos ensinar. Então a zanga não só não funciona como ferramenta
educativa como até atrapalha. No exemplo da palhinha na tomada será muito mais
eficaz mostrar a minha cara de susto e explicar-lhe com firmeza que não pode
repetir aquilo, que é perigoso, que se pode magoar a sério. No exemplo dos Cds, em que não há nenhum perigo envolvido mas não queremos realmente que ele os estrague ou misture todos, podemos simplesmente dizer-lhe com firmeza que não queremos que abra as caixas, que aqueles objectos são importantes para nós e preferimos que não lhes mexa. Isto deve ser feito de modo a que a criança não sinta que houve nada de errado em querer mexer-lhes, mas que é apenas uma preferência nossa. E ajuda se eles sentirem que isto não se repete com demasiadas coisas, ou seja, uma criança que sente que não pode mexer em nada, que está constantemente a ouvir nãos, começa a ficar ansiosa e torna-se difícil não sentir que está a fazer algo de errado. Mas se a criança sabe que até pode mexer em quase tudo, torna-se mais fácil respeitar essas preferências se forem expressas de forma correcta e perceber que há algumas coisas em casa com que é mesmo importante ter cuidado. Com crianças mais velhas podemos mostrar-lhes de que forma podem mexer nesses objectos, como podem fazer para que não os partam ou estraguem, se sentirmos que isto é possível. Com crianças mais pequenas, antes dos dois anos, geralmente resulta melhor
tentar distraí-las com outras coisas em vez de lhes dizer simplesmente que não, porque a criança ainda não tem capacidade para compreender verdadeiramente o que isso significa.
Sempre que dizermos que não aos nossos filhos há duas coisas fundamentais: primeiro fazê-lo de forma a que a criança não se sinta desadequada por ter tido aquele comportamento e segundo, estarmos preparados para aceitar os seus sentimentos de frustração e de zanga, dando-lhes liberdade para os expressar e sendo capazes de os ouvir.
E é importante também termos noção que as crianças não aprendem logo à primeira estas coisas. É importante termos noção das nossas expectativas e sabermos que, o facto de termos de repetir muitas vezes a mesma coisa, não quer dizer que a criança não ouve mas que é natural que se ela volte a tentar algumas vezes, apenas para ter mesmo a certeza ou porque simplesmente não se lembra que não queremos que o faça.
Outro efeito da zanga,
para além de nos fazer questionar o amor do outro, é também o de nos fazer
sentir incapazes, incompetentes, desadequados. E estas são das emoções mais
nocivas que uma criança pode ter e, que se forem sentidas com frequência,
acabam por se tornar suas companheiras constantes ao longo da vida com todas as
dificuldades e sofrimento que provocam. Então o melhor que podemos fazer pelos
nossos filhos é assumir a responsabilidade pelas nossas zangas e arranjar
formas de os fazer saber que, mesmo quando estamos zangados, eles continuam a
ser o melhor das nossas vidas.
Não gosto nada quando me começo a zangar e revejo-me tb na situação de perda de controlo e no adormecer à noite que costuma ser rápido e qd não é acontece começar a zangar-me. Excelente artigo para estar sempre presente em nós.
ResponderEliminarPois é Carolina, não é fácil mas já importante que tenha consciência disso.
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