Na tradição Budista há uma
prática de meditação que se chama Metta Bhavana a que, em português, podemos
chamar Meditação da Bondade Amorosa.
Bhavana, em
pali – a língua em que foram registados os textos clássicos da tradição budista
- significa cultivar, desenvolver ou
produzir. Metta costuma ser traduzido como bondade amorosa (lonving-kindness em
inglês), benevolência, boa vontade ou amizade, é por vezes explicado como sendo
uma forma de amor sem que exista apego. Podemos dizer que Metta é um sentimento
de amor incondicional, ou seja, que não depende das circunstâncias para
existir, muito semelhante ao amor dos pais pelos seus filhos. Esta prática consiste então em canalizar os sentimentos de Metta
começando por dirigi-los para nós mesmos, depois para algumas pessoas com quem
seja mais fácil fazê-lo e vamos prosseguindo para pessoas com quem já não será
tão fácil despertar esses sentimentos até às pessoas com quem seria mais
difícil sentirmos alguma boa vontade ou até áquelas por quem nunca nos passaria
pela cabeça sentir nem sequer nada parecido.
Uma das
vantagens desta prática é que nos faz entrar em contacto com sentimentos
positivos que podem ter muitos benefícios para a nossa vida e até para a nossa
saúde. Toda a gente sabe como é bom estarmos apaixonados e, quando tomamos
consciência de que estamos apaixonados por alguém todo o mundo fica mais
colorido, a vida mais agradável, tudo nos parece mais fácil, mais belo, mais
divertido e interessante. Isto acontece porque o estado de paixão desperta
em nós sentimentos de metta, de boa-vontade. Quando estamos neste estado
tornamos-nos mais felizes, mais tolerantes e passamos a apreciar muito mais a
vida e tudo o que a preenche. Porque o corpo não está separado da mente, os
bons sentimentos produzidos podem mesmo
produzir efeitos sobre a nossa saúde como comprovou um estudo de Carson et e
all, em 2005, com 43 pacientes que sofriam de dores lombares crónicas. Este
estudo mostrou que um programa de oito semanas de treino da meditação da
bondade-amorosa podia ser muito eficaz a reduzir a dor e os sentimentos de
zanga nestas pessoas. O estudo concluiu que as pessoas que dedicavam mais tempo
a esta prática tinham um nível de dor mais baixo no próprio dia e menos
sentimentos de zanga no dia seguinte. Esta prática levou também a melhor
ajustamento psicológico destes doentes de dor crónica. Robert Emmons, no seu
livro Obrigado (2009), diz que as
emoções positivas podem servir para corrigir os efeitos das emoções negativas
porque têm a capacidade de restaurar o equilíbrio fisiológico e emocional que
emoções como o stress e a ansiedade nos fazem perder. Este autor diz também que
os estados emocionais positivos, como um estado de metta, podem de facto
diminuir a experiência da dor, tal como este estudo mostra. Os estados desagradáveis,
como o stress e ansiedade têm o efeito oposto e tornam-na mesmo mais intensa. Já há
vários estudos que demonstram também que
o riso tem um efeito analgésico porque provoca a libertação de
endorfinas, hormonas naturais que o nosso corpo produz em situações de prazer e
que são da família dos opiáceos usados muitas vezes para diminuir ou controlar
a dor.
Quem tem
filhos e tenta fazer esta prática quase sempre percebe que estes são as pessoas
com quem é mais fácil despertar estes tais sentimentos de metta. Principalmente
quando os nossos filhos são pequenos é muito fácil tomarmos consciência destes
sentimentos cada vez que olhamos para eles ou que eles, simplesmente, sorriem
para nós. Mas, acontece que, por vezes, deixamos que a tarefa de educar se torne
tão pesada que acabamos por nos esquecer que estes sentimentos estão presentes.
E, quando isto acontece, cuidar dos nossos filhos pode facilmente tornar-se um
peso, algo que nos cansa e desgasta. Muitas vezes vemos pais que acreditam que
precisam de se afastar dos filhos para descansar. É claro que, enquanto pais,
precisamos de encontrar um equílibrio entre cuidar de nós e fazer coisas que
nos dão prazer e estar presentes para os nossos filhos. Acontece é que cada vez
temos menos tempo para estas duas coisas no nosso dia-a-dia porque o trabalho
ocupa a maior parte deste. Então, geram-se desequílibrios e, muitas vezes, para
os corrigir, acreditamos que precisamos de nos afastar dos nossos filhos,
precisamos de estar longe deles para descansar verdadeiramente. Mas, se é
verdade que precisamos de encontrar algum tempo para estar só connosco nos
nossos dias, também é verdade que o tempo que passamos com os nossos filhos
pode ser um tempo de descanso, de relaxamento e até de crescimento pessoal e de
muita satisfação. Se estivermos ligados a estes sentimentos de metta, brincar
com os nossos filhos ou estarmos simplesmente presentes a partilhar alguns
instantes com eles, sem outras distracções, pode ser um momento de profundo
bem-estar. Se nos deixarmos entrar em contacto com esses sentimentos tão
profundos podemos obter toda a satisfação que estes promovem, podemos deixar
que eles nos transformem e podemos deixar que se tornem os nossos momentos de
recarregar baterias, de saborear a vida, o presente, de encontrar tranquilidade,
bem-estar e uma felicidade profunda que estes sentimentos de metta, ou de amor
incondicional podem trazer consigo.
Quando estamos
apaixonados nunca nos passa pela cabeça que, para descansar, precisamos de
estar longe da pessoa por quem nos apaixonámos, antes pelo contrário: quando
nos apaixonamos queremos partilhar tudo, fazer tudo com aquela pessoa especial.
Então porque é que vemos tantos pais que acreditam que precisam de estar longe
dos filhos para descansar ou para encontrarem alguma fonte de prazer nas suas
vidas?
Muitas vezes
na nossa sociedade cultiva-se esta ideia de que os pais precisam de estar longe
dos filhos e de fazer coisas sem eles para se sentirem bem. É verdade que é
muito importante que os pais se sintam bem para que possam cuidar
verdadeiramente dos filhos e, também é verdade, que os pais não podem viver
exclusivamente em função dos filhos. Mas acredito que existe também alguma
confusão quando pensamos que precisamos de passar muito tempo longe dos filhos
para o fazermos. Para encontrarmos
espaço para cuidar de nós enquanto adultos e seres humanos que têm um
projecto de vida independentemente dos filhos não precisamos de passar assim
tanto tempo longe deles. Precisamos sim de encontrar um espaço na
nossa vida para cuidar de nós todos os dias, para nos nutrimos mas, precisamos
também urgentemente de encontrar tempo e espaço para estar com os nossos
filhos. Estar de verdade e estar em quantidade, não apenas com qualidade. Na
verdade, quanto mais tempo passarmos longe dos nossos filhos, mais distante se
torna o relacionamento e maiores serão as probabilidades de que este nos traga
problemas e dissabores. Então se cultivarmos uma relação de proximidade com os
nossos filhos é muito mais fácil que esta relação se torne uma fonte de prazer
e de verdadeiro bem-estar.
Se aprendermos
a focar-nos nos nossos sentimentos de metta quanto estamos com os nossos
filhos podemos tornar estes momentos quase numa espécie de meditação e percebemos rapidamente que não precisamos de nos afastar deles para descansar. E uma das grandes vantagens de percebermos isto é que os nossos
filhos também ganham muito com essa nova consciência: ganham a nossa presença
verdadeira, ganham a consciência que é possível estar presente, saborear a
vida e o momento, aprendem que não precisam de estar sempre a correr e, mais
importante do que tudo o resto, aprendem que são importantes, que são especiais
para nós, aprendem que podem também ser uma fonte de felicidade e bem-estar
para os pais e esta será com certeza uma das aprendizagens mais valiosas que
poderão fazer na vida.
E esta
aprendizagem contribui também para que educar se torne uma tarefa muito mais
fácil, muito menos cansativa. Com a presença genuína dos pais a criança
torna-se muito mais receptiva, muito mais fácil de educar, de ensinar e isto
também faz com que a tarefa dos pais, de impor limites e dar exemplos deixe de
ser apenas uma luta de vontades para se tornar em algo mais harmonioso em que
existe uma sintonia e uma verdadeira escuta daquilo que precisa de ser feito ou ensinado na relação.
E,
tal como nos adultos é possível demonstrar que a prática de Metta Bhavana pode
ter muitos benefícios para a saúde, também as crianças podem colher vários benefícios
do facto dos pais passarem a olhar para elas quase como pequenos guias
espirituais.
Gabor Mate, um
médico canadiano, explica que quando as crianças se sentem mais seguras e
amadas pelos pais produzem naturalmente mais endorfinas que estão associadas
aos sentimentos de bem-estar, de tranquilidade e de segurança. Isto significa
que, entre outras coisas, estas crianças terão, por exemplo, uma maior
resistência à dor. Este médico dá o exemplo daquelas crianças que choram muito
sempre que se magoam um pouco, ou que se assustam facilmente, explicando que
isto acontece porque, provavelmente, estas crianças terão uma quantidade menor
de endorfinas na sua corrente sanguínea o que as torna menos tolerantes à dor
ou ao desconforto. Isto quer dizer que, uma criança segura e confiante do amor dos
pais também será, provavelmente, uma criança que chora menos o que, por sua
vez, também contribui para que se torne mais fácil cuidar dessa criança,
principalmente quando pensamos em bebés ou em crianças pequenas.
A prática de
Metta Bhavana também faz com que nós próprios passemos a ser mais capazes de
produzir endorfinas que nos podem trazer uma sensação de conforto, de
tranquilidade e de bem-estar, melhorando a nossa saúde e a nossa satisfação com
a vida.
Para fazermos
esta prática de uma forma ortodoxa precisamos de estar sozinhos e concentrados
nos sentimentos que vão surgindo com a repetição de algumas frases que traduzem
essa boa vontade. Mas, para a fazermos de uma forma informal, basta que olhemos
para os nossos filhos e tomemos consciência dos sentimentos que despertam em
nós. Pode ser mais fácil fazer isto com filhos bebés, ou crianças pequenas mas,
seja qual for a idade dos nossos filhos, esses sentimentos estarão com certeza
presentes. E, seja qual for a idade dos nossos filhos eles merecem que sejamos
capazes de entrar em contacto com esses sentimentos e de ficarmos simplesmente presentes
perante essa dádiva de vida e de amor que cada filho representa para nós.
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