terça-feira, 5 de novembro de 2013

Co-Sleeping - Bebés em Relação


Quando mais leio sobre o desenvolvimento dos bebés mais me convenço de que estes não foram mesmo feitos para estar sozinhos. As investigações mais recentes acerca dos processos neurofisiológicos têm vindo a demonstrar de forma cada vez mais indiscutivel que os bebés nascem de facto programados para estabelecer relações significativas e que essas relações são tão essenciais à sua sobrevivência e a um bom desenvolvimento como o alimento. Na verdade, podemos até dizer que essas relações são mais importantes do que o alimento como o demonstram as observações feitas em orfanatos da primeira metade do século XX, onde as crianças eram criadas em ambientes assépticos, quase sem contacto com germes ou vírus porque não contactavam umas com as outras e tinham apenas o mínimo de contacto possível com os adultos e onde recebiam todo o alimento de que necessitavam mas que, no entanto, tinham taxas de mortalidade muito superiores ao que seria de esperar e às das crianças que viviam com as famílias, a maior parte das vezes, com ambientes muito mais contaminados e nem sempre com muito alimento. As experiências feitas por Harry Harlow com macacos recém nascidos, nos anos 60 também demontram que o contacto físico parece tão ou mais importante do que alimento. Este investigador, numa série de estudos polémicos em que macaquinhos recém-nascidos eram afastados das suas mães e criados em isolamento, demonstrou claramente que estes primatas estão programados para procurar instintivamente uma fonte de conforto físico tanto ou mais do que uma fonte de alimento. Nestas experiências – em que o bem-estar dos macacos foi claramente ignorado - Harlow, colocava dentro das jaulas dos macaquinhos um cilindro de arame que, em metado dos casos, estava revestido com um material de tecido macio e agradável ao toque. Dentro destes cilindros era sempre colocado um biberão de onde os macaquinhos podiam obter o leite necessário à sua sobrevivência. O que se verificou foi que os macacos bebés passavam sempre muito mais tempo junto dos cilindros de tecido do que junto dos de arame. E, sempre que se assustavam com um barulho ou qualquer outro estímulo, estes macaquinhos recorriam ao cilindro revestido de tecido e nunca ao de arame, mesmo quando este era  a sua única fonte de alimento. Estas experiências demonstraram claramente que a necessidade de contacto físico é tão importante ou até mais ainda do que a necessidade de alimento. Outra coisa que se observou com estas foi que, depois de crescerem nestas condições de isolamento, os macacos quando eram postos em contacto com outros macacos já não sabiam relacionar-se e, se chegavam a ter crias, eram totalmente incapazes e incompetentes como mães.
Outros dados indicam que os bebés nascem com o instinto de estabelecer relações: o facto de serem capazes de reconhecer a voz e o cheiro do leite da mãe apenas algumas horas depois de nascerem, o facto de mostrarem sempre uma preferência por imagens de rostos humanos, o próprio choro que tem como finalidade comunicar que algo não está bem e fazer com um adulto intervenha, os comportamentos de sorrir e balbuciar que rapidamente se começam a manifestar principalmente para com as principais figuras de apego, etc. 
Há também observações que mostram que os bebés começam muito cedo a ser capazes de ler as emoções, como a experiência da cara neutra desenvolvida de Edward Tronick, em que bebés de três meses já mostram reacções de angústia e aflição quando a mãe mantém uma cara que não demonstra nenhum tipo de emoção para com a criança e não responde às suas chamadas de atenção. Bastavam três minutos para estes bebés ficarem bastante aflitos quando viam que os seus esforços para trazer a mãe de volta à interacção não resultavam e estes demoravam ainda alguns minutos até voltarem a interagir normalmente quando a mãe voltar a uma atitude natural. Ver aqui o vídeo desta experiência

James McKenna, um antropólogo dos E.U.A., que desenvolveu e participou já em dezenas de estudos sobre o sono dos bebés, também defende que, nos primeiros tempos de vida, tudo indica que os bebés não estão preparados para passar muito tempo sozinhos. Este autor que observou dezenas ou centenas de pares de mães e bebés no seu laboratório do sono explica que, quando mãe e bebé dormem juntos apresentam padrões cerebrais e respiratórios muito semelhantes. Segundo este investigador, o bebé, que nasce com um sistema respiratório que está em formação durante os primeiros três meses de vida, precisa da presença da mãe para regular a sua respiração. Até aos três meses os bebés, com um sistema respiratório ainda imaturo, ficam mais sujeitos à ocorrência de apneia (paragens respiratórias) que, se o bebé estiver num sono profundo podem ser perigosas ao ponto deste não acordar e podem ser uma das causas para o síndroma de morte súbita (um síndroma em que os bebés morrem, quando estão a dormir, sem nenhuma causa conhecida e sem terem apresentado nenhum tipo de sintomas). Então McKenna explica que, quando os bebés dormem com as mães, têm geralmente um sono mais superficial e acordam mais algumas vezes por noite (adormecendo também mais rapidamente) o que pode representar justamente uma protecção contra o síndroma de morte súbita. As estatísticas da morte súbita em países onde as crianças dormem sozinhas e acompanhadas parecem confirmar esta hipótese: nos E.U.A. o indíce de morte súbita é de 2 por cada 1000 nascimentos, no Japão, onde a regra é os bebés dormirem com os pais, este indíce é de 0,2 por cada 1000 nascimentos e em Honk Kong, onde os bebés também costumam dormir com os pais, e de 0,1, por cada 1000 nascimentos.
Na verdade, na maior parte do mundo e durante grande parte da história humana, os bebés sempre dormiram com os pais. Em todas as sociedades mais tradicionais, como as asiáticas, tal como em todas as espécies de mamíferos, a tendência é para os bebés dormirem com os pais. Só na sociedade ocidental, e só recentemente é que passou a ser mais comum os bebés dormirem sozinhos do que na cama dos pais e a verdade é que, tudo indica, que estes não estão programados para o fazer.

Nas sociedades ocidentais existe, hoje em dia, uma tendência muito grande para que os pais se preocupem com a independência dos filhos. E, desde muito cedo, isso revela-se na preocupação de os porem a dormir sozinhos no quarto, de os deixarem adormecer sozinhos, de não responderem sempre ao seu choro, de não lhes pegarem muito ao colo, de não darem de mamar durante muito tempo, etc. Mas, a verdade é que cada vez mais estudos mostram que esta não é uma forma nada natural de criar um ser humano. Meredith Small, no seu livro Our babies Ourselves, descreve a relação que as várias sociedades humanas têm com as suas crias, e demonstra que, mesmo nas tribos onde a independência tende a ser mais valorizada é comummente aceite que um bebé é um ser totalmente dependente e essa dependência é reconhecida e encarada com toda a naturalidade, pelo menos durante os primeiros anos de vida. Em todas as sociedades, excepto na ocidental, é aceite que o bebé é um ser dependente da mãe e que essa dependência não deve ser desvalorizada mas sim aceite, reconhecida e protegida.


Winnicot um conhecido teórico do desenvolvimento infantil dizia que não existe tal coisa como um bebé isolado, um bebé só existe em relação. Mas, infelizmente, nas sociedades ocidentais, muitas vezes passa-se um tempo precioso da infância dos nossos filhos a tentar negar essa relação.

O co-sleeping é uma forma de reconhecer essa relação, essa dependência, de lhe dar espaço e tempo para existir. Dormir com os nossos filhos é perceber que os laços que nos unem a eles são algo que faz parte da cultura humana desde todos os tempos, é respeitar e honrar essa ligação física e emocional que não acaba quando pomos um bebé no mundo. É compreender que, mais do que o alimento físico, o bebé precisa de ser alimentado emocionalmente, precisa que lhe seja permitido alimentar-se também do corpo da sua mãe, do bater do seu coração, precisa que lhe seja permitido viver nesse estado de semi-fusão pelo menos ainda durante algum tempo, até que o seu sistema psicofisiológico amadureça o suficiente para poder funcionar por si e até que o seu coração se sinta capaz de guardar o amor da mãe e do pai mesmo quando está longe deles. Acredito que, numa cultura onde se passam tantas horas longe dos filhos o contacto físico que se pode ter com um filho enquanto dorme pode mesmo ser essencial para manter a ligação, aquilo que em inglês se chama bond e que podemos traduzir como o laço invísel que une os pais aos seus filhos. Sem um contacto físico quase constante nos primeiros meses e ainda bastante presente durante os primeiros anos, esse laço quebra-se muito facilmente e, quando o laço se quebra é difícil repará-lo.
James McKenna observou também no seu laboratório algo que muitas mães que dormem com os filhos descrevem: que há uma sintonia constante entre mãe e bebé, mesmo quando os dois dormem. Para para além do comportamento de mães que acarinhavam os filhos mesmo a dormir e que pareciam sempre conscientes da presença destes, para além da sincronia psicofisiológica que era possível observar entre ambos, este investigador também observou que havia uma tendência grande para que as mães acordassem exactamente alguns segundos antes dos filhos. Lembro-me de uma mãe que dormia com o filho me descrever isto quando eu estava grávida e de me ter acontecido exactamente o mesmo todas as noites que dormi com o meu filho em que ele acordava para mamar: acordava sempre uns segundos antes dele  e já sabia que ele iria acordar para mamar passado muito pouco tempo. Isto fazia com que lhe desse de mamar assim que ele acordava, o que fazia com que ele não precisasse de chorar nem ficasse agitado, tornando muito mais fácil que voltássemos os dois a dormir rapidamente. Isto só é possível porque esse laço, essa ligação que faz com o nosso organismo entre em sintonia é de facto algo natural e para o qual estamos programados. Mas é preciso que lhe demos espaço e condições para existir. De acordo com McKenna, se mãe e criança não estivessem a dormir juntos esta sincronização já não acontecia e não havia este sincronizar dos ciclos nem dos despertares.

Tal como diz Meredith Small, ao sobrevalorizar a independência dos bebés tudo indica que passamos por cima das suas necessidades e da sua programação biológica. E ao sobrevalorizar a independência na sociedade esquecemo-nos que só somos felizes em relação. Ninguém é feliz sozinho e as pessoas mais felizes são justamente aquelas que sabem reconhecer a sua dependência, são aquelas que mais procuram estabelecer relações e que o fazem com confiança e sem medo de reconhecer que o ser humano é um animal social, que não vive isolado do mundo. Jonathan Haidt, um investigador da área da Psicologia Moral, no seu livro, The Righteous Mind, cita uma série de estudos que demonstram que somos muito mais felizes quando nos permitimos fazer parte de um todo e não viver isoladamente, como este autor diz, o ser humano é parte macaco e parte abelha, um animal que vive em colónias onde todos trabalham para o todo e não em função de si próprios. Então, para criarmos bebés felizes, confiantes e saudáveis precisamos de reconhecer que os nossos filhos precisam de nós tanto quanto nós também precisamos deles. E assumirmos essa dependência mútua é o primeiro passo para um caminho de uma verdadeira autonomia que só é possível se formos capazes de a assumir como um percurso de interacção constante com o meio e com todos aqueles com quem temos uma necessidade vital de estabelecer relações e pontes para os seus mundos. 

5 comentários:

  1. Adorei! Parabéns pelo que escreve! :)

    ResponderEliminar
  2. A minha filha, hoje com 9 anos de idade, preferiria sempredormir comigo se lhe fosse possível. Até que idade se recomenda este co spleeping?
    Quando ela era bebé lia que não deveriam dormir com os pais e habituei-a a dormir na sua cama...

    ResponderEliminar
  3. Eu não coloco limites à idade para o co-sleeping. Acredito que podemos fazê-lo enquanto a criança precisar. Não há nenhum estudo que relacione o dormir com os pais a nenhum tipo de problema ou de reacção negativa na criança. Se ela precisa desse contacto ou dessa segurança acho que será mais prejudicial negar-lha. A partir de uma certa idade a criança passará a ter mais necessidade de sentir autónoma e naturalmente irá preferir dormir sozinha. Mas, para isso é preciso respeitarmos o ritmo dela.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada. Por vezes, ela pede e dorme comigo, umas vezes deixo e outras não, vou tentar estar mais atenta e aceder quando perceber que isso a conforta pois ela é uma criança mais agitada e dormir por vezes não é um processo calmo...mexe-se muito. Obrigada pela sua resposta e por este site que descobri hoje.

      Eliminar