We advocate a precautionary principle regarding caregiving practices. If
we take to heart our evolved caregiving practices and the evidence we have thus
far, then we must reframe some current childrearing practices as “risky”, such
as formula feeding, sleeping in isolation, institutional daycare,
“crying-it-out”, lack of skin-to-skin contact and parenting in isolation.
Darcia Narvaez, Jaak Panksepp, Allan
Schore, Tracy Gleason (2013) - Evolution,
Early Experience and Human Development
Este parágrafo
foi retirado das conclusões de um livro onde, vários autores com diferentes
perspectivas, falam daquilo a que chamam o Ambiente de Adaptabilidade
Evolutiva (AAE). Este ambiente é aquele em que a espécie humana evoluiu e se
desenvolveu ao longo de milhares de anos, é o ambiente que encontramos ainda
nas sociedades tradicionais e existem também algumas semelhanças deste ambiente
com aquele que podemos observar nos mamíferos, principalmente os primatas, que
vivem em liberdade. Este ambiente de adaptabilidade evolutiva é o ambiente para
o qual estamos programados para viver, é o ambiente que esperamos encontrar
quando nascemos e é o ambiente em que mais facilmente um bebé humano se adapta
e onde encontra tudo aquilo de que necessita para viver e crescer de forma
saudável e equilibrada. Os editores deste livro juntaram assim artigos de
vários autores que, com base nos estudos mais recentes do desenvolvimento
infantil, da neurociência e até da antropologia, demonstram que o ambiente em
que hoje - nas sociedades ocidentais - criamos as nossas crianças é muito
diferente deste ambiente de adaptabilidade evolutiva que seria desejável
recriarmos. E, como demonstram cada vez mais estas investigações o facto de nos
estarmos a afastar cada vez mais deste ambiente comporta riscos que podem ter
consequências bastante negativas, como mostram também os números cada vez
maiores de perturbações psicológicas que encontramos tanto nos adultos como nas
crianças hoje em dia.
Uma das bases
para o conteúdo deste livro e destas pesquisas é o facto de todas as crianças
nascerem com uma necessidade fundamental de estabelecerem vínculos, de
estabelecerem uma relação de apego com a(s) pessoa(s) que cuida(m) de si. Já
explorámos aqui a importância deste vínculo.
Estas são as
principais diferenças que encontramos na sociedade de hoje em dia, quando
comparada com as sociedades tradicionais em que estava presente o Ambiente de Adaptabilidade Evolutiva:
· Contacto da criança com a mãe nos primeiros
tempos de vida – o que se observa nas
sociedades tradicionais, tal como
acontece nos primatas, é que – pelo menos durante o primeiro ano de vida – o
contacto do bebé com a mãe é muito frequente. Nestas sociedades os bebés passam a esmagadora maioria do seu
tempo na presença da mãe. Ao longo do segundo ano, em algumas sociedades, a mãe pode começar a afastar-se um pouco mais deixando a criança ao cuidado de outras
pessoas mas ainda continua a ser a presença mais frequente e regular no dia da criança.
A partir do terceiro ano de vida, muitas vezes, esse tempo em que a mãe não
está tão perto pode começar a aumentar um pouco mas nunca de forma a que uma
mãe passe dias inteiros sem ver os filhos, como frequentemente acontece nas
nossas sociedades em que as mães passam facilmente 8, 9, 10 ou até mais horas
do seu dia sem ver os filhos.
- O contacto pele com pele logo após o nascimento - nestas sociedades, geralmente, a criança é posta em contacto com o peito da mãe imediatamente depois do nascimento. Este contacto pele com pele sabe-se que pode ser muito importante para promover a libertação de hormonas que têm um papel fundamental no estabelecimento do vínculo quer da parte da mãe quer da parte da criança e também um papel essencial para o estabelecimento da amamentação por parte de ambos. Muitas das dificuldades que acontecem hoje no campo da amamentação podem ter origem justamente no facto deste contacto ser tantas vezes interrompido por procedimentos desnecessários e que não teriam lugar no AAE. Estas interrupções podem fazer com que o instinto de procurar naturalmente a mama, que todos os bebés têm, seja mais dificilmente despoletado levando ao surgimento de dificuldades que podem persistir sobretudo durante os primeiros tempos da amamentação.
· Esta presença da mãe traduz-se num contacto
físico quase constante durante o primeiro ano de vida, com recurso a
porta-bebés tradicionais e à cama compartilhada. A partir do momento em que a
criança começa a andar este contacto físico pode diminuir um pouco mas os
porta-bebés continuam a ser usados com frequência sempre que a criança precisa
de ser transportada e o sono continua, geralmente, a ser feito na mesma cama ou
no mesmo espaço em que se encontram a mãe e o pai durante os primeiros anos de
vida de cada criança.
· A presença da mãe também se traduz em períodos
de amamentação muito mais prolongados do que aqueles que estamos habituados a
ver hoje em dia, nas sociedades ocidentais. As investigações mostram que, de
acordo com a nossa fisiologia e, a partir do que se conhece
da observação de
sociedades tradicionais e de outros primatas, a idade natural do desmame
deveria ocorrer entre os dois e os sete anos de idade. Alguns autores sugerem
um período um pouco mais limitado entre os dois e meio e os cinco anos de idade
mas, a verdade é que, de acordo com vários aspectos, não há nenhuma
evidência de que um desmame forçado antes dos dois anos de idade possa trazer
algum tipo de vantagem do ponto de vista da adaptação fisiológica ou
psicológica da criança. Na verdade tudo indica o contrário: que as crianças
nascem biologicamente preparadas para mamar, pelo menos, até aos dois anos de
idade e que, por isso mesmo, é um risco para a sua saúde física e mental que não lhes seja
permitido fazê-lo. A amamentação continua ter muita importância na saúde da
criança e a ser um importante veículo para toda uma série de nutrientes que são
essenciais para o crescimento mas também permite à criança receber uma série de
anti-corpos que são também muito importantes visto que o seu sistema imunitário
ainda está em formação até cerca dos seis anos de idade. Do ponto de vista
emocional a amamentação também tem um papel importante de fazer com que a
criança se sinta ligada e próxima da mãe e, quando a privamos dessa ligação
essencial, sem que ela esteja pronta para a deixar por si mesma, é muito
provável que isso tenha implicações negativas do ponto de vista do vínculo entre a mãe e a criança.
Por outro
lado, a amamentação prolongada – ou natural - para além dos benefícios que traz
à criança do ponto de vista da saúde física e emocional traz ainda um benefício
acrescido que é o prolongamento natural do período de
amenorreia na mãe, o que contribui para um maior espaçamento entre os filhos,
garantindo assim que a mãe tem tempo e disponibilidade para tratar das
necessidades de proximidade com um filho antes de vir o próximo.
· A cama partilhada – nestas sociedades, bem como
em todas as espécies de mamíferos, as crias dormem perto dos pais até terem
maturidade suficiente para dormir sozinhas. Nas sociedades ocidentais - com os
novos hábitos de consumo e um certo desafogo económico, bem como a diminuição
do número de filhos - que nos permitem ter um quarto separado para as crianças,
levaram a que nos habituássemos a ver bebés e crianças pequenas a dormirem em
camas e quartos separados dos pais. Mas, ao contrário do que pensamos, isto não
tem nada de natural e alguns autores já questionam se será de facto saudável,
sendo que, já há algumas estatísticas que comprovam que o facto dos bebés
dormirem sozinhos podem aumentar significativamente o risco de morte súbita. A
partilha da cama com o bebé ou criança, para além de ser uma boa forma de
preencher as suas necessidades de contacto físico, também contribui muito para
o sucesso e facilitação da amamentação.
· Presença de múltiplos cuidadores – apesar de a
mãe ter um papel de destaque nas sociedades tradicionais e no AAE, a
verdade é que esta não vivia de forma tão isolada como hoje acontece. Os seres
humanos não estão programados para o tipo de isolamento que acontece hoje nas
nossas sociedades e isso pode ter consequências graves para o estado de
espirito das mães e para a sua capacidade de cuidar dos filhos. Uma mãe que passa
o dia inteiro sozinha com o filho bebé em casa, tendo apenas a companhia do
marido aos fins de semana e ao final do dia, não é um quadro natural e pode
muito facilmente levar a sentimentos de isolamento, de tristeza, de
incapacidade e de grande cansaço. Nas sociedades tradicionais as pessoas vivem
de forma mais comunitária por isso há sempre uma irmã, uma mãe, uma tia, uma
vizinha para cuidar da criança alguns minutos enquanto a mãe descansa ou faz
qualquer outra coisa. Estes pequenos intervalos ao longo do dia que a mãe pode
ir fazendo no seu papel de cuidadora principal são importantes para que possa
descansar sem que, para isso, precise de passar muito tempo longe dos filhos.
Por outro lado, para a criança, esta diversidade de cuidadores também lhe permite
estar muito mais exposta a todo o tipo de estímulos e - visto que a mãe nunca
está longe e funciona como uma base segura e estável de apoio - ela pode ir
criando vínculos com várias pessoas diferentes o que também poderá ser muito
enriquecedor para o seu crescimento.
· Presença de várias crianças de idades diferentes –
nestas sociedades é comum que as crianças brinquem juntas em grupos de crianças de várias idades diferentes o que também pode ter um papel importante
no seu desenvolvimento. Nestes grupos, o facto de estarem presentes crianças
mais velhas também permite que as brincadeiras decorram de forma mais livre e
com menos intervenções dos adultos.
· Resposta rápida ao choro – neste tipo de
contexto o choro das crianças é, geralmente, rapidamente atendido. Porque
nestas sociedades este choro é valorizado, ao contrário do que muitas vezes é
divulgado hoje em dia, nestas sociedades, sabe-se que, se a criança chora é
porque algo não está bem. E, resolver esse algo -principalmente em sociedades onde
a mortalidade infantil é muito mais elevada que na nossa- é importante e pode
mesmo ser vital para a sobrevivência da criança, por isso nunca passaria pela
cabeça de uma mulher tribal deixar o filho a chorar sem que tentasse fazer algo
para perceber e resolver esse choro.
Então que lições devemos retirar
daqui?
O mais
importante disto é percebermos que, hoje em dia, proporcionamos aos nossos
filhos um ambiente que não é muito natural e que isso pode ter consequências.
De acordo com estes estudos e observações e também de acordo com tudo o que se
vai cada vez mais descobrindo no campo das neurociências e da psicologia do
desenvolvimento a verdade é que deixar crianças pequenas e bebés em escolas,
aos cuidados de estranhos durante todo o dia, retirar-lhes a mama quando ainda
são bebés, passeá-los em contentores de plástico e deixá-los a dormir sozinhos,
em quartos separados dos pais e ignorar o seu choro, podem mesmo ser
considerados, tal como diz a citação acima, comportamentos de risco. Isto quer
dizer que podem ter consequências graves. Não significa que terão
necessariamente consequências negativas mas que há uma grande probabilidade de
isso acontecer. Significa também que quanto mais comportamentos destes
adoptarmos maior será o risco que estamos a correr, logo, maiores serão as
probabilidades de que as consequências negativas apareçam. E essas
consequências podem ir desde a criação de uma criança mais insegura que
dará origem a um adulto com uma maior propensão para estados de ansiedade e
depressão e maior dificuldade em lidar com o stress até ao aparecimento de
patologias mais graves. Ou pode simplesmente significar que, como adultos,
teremos de nos esforçar mais para nos conseguirmos sentir bem e para sermos
capazes de auto-regular as nossas emoções. Esta foi a conclusão de um estudo*
inovador, publicado este ano, que acompanhou 54 sujeitos, desde os 18 meses até
aos 22 anos de idade e que demonstrou que um apego inseguro pode ter
consequências vísiveis ao nível neuronal fazendo com que os adultos que cresceram
com uma relação de apego insegura com os seus pais, se tenham tornado em
adultos com uma maior dificuldade em gerir e regular as suas emoções. Este
estudo observou que, nos casos das crianças que cresceram com um apego inseguro
com as suas mães, aos 22 anos, quanto tentavam auto-regular as suas emoções
mostravam uma maior actividade em determinadas zonas do cérebro envolvidas no
controlo cognitivo ao mesmo tempo que mostravam uma actividade reduzida noutras
partes ligadas às emoções. Os autores concluem que, nestes casos, estas pessoas
não tinham desenvolvido uma forma eficaz de regular as suas emoções o que
significava que tinham de se esforçar significativamente mais do que aquelas
que tinham um apego seguro para serem capazes de passar de um estado negativo
para um positivo. Ao mesmo tempo, as pessoas que tinham crescido com esse apego
inseguro, tinham também uma maior dificuldade em sentir afectos positivos e
acabavam por se tornar adultos com maior dificuldade em se sentirem
psicologicamente ajustados. Era como se estas pessoas nunca tivessem tido
oportunidade de criar no seu cérebro uma forma eficaz de lidar com as emoções
negativas, de as transformar e integrar e, ao mesmo tempo, como se também nunca
tivessem aprendido a integrar verdadeiramente as positivas. Hoje sabe-se que a
única forma que as crianças têm de aprender a regular as suas emoções é através
do contacto próximo com a mãe e com o pai. Na verdade é como se o sistema
nervoso da criança, enquanto é ainda muito imaturo, precisasse de aprender com
o sistema nervoso dos pais quais os caminhos certos para lidar com as emoções. Mas
esta aprendizagem só se dá se houver alguma proximidade da criança com os pais
e um apego seguro entre eles. Se os pais deixarem a criança entregue a si mesma
e às suas emoções então o seu sistema nervoso não tem possibilidade de
encontrar o melhor caminho para fazer esta auto-regulação e, ao que tudo
indica, os caminhos que acaba por encontrar não serão os melhores para fazer
esse trabalho.
Qual é a
relevância deste estudo relativamente a estas práticas?
Todas estas alterações ao AAE põem justamente em risco a nossa capacidade de estabelecer um apego seguro com os nossos filhos. E, como demonstram já vários estudos, ao porem em risco essa capacidade de estabelecermos um vínculo seguro que represente uma base estável para o crescimento dos nossos filhos, acabamos por por em risco também as suas probabilidades de crescerem como adultos felizes, capazes de se sentirem bem e de lidarem da melhor forma com todos os desafios e dificuldades da vida.
* Christina Moutsiana, Pasco Fearon, Lynne Murray, Peter Cooper, Ian
Goodyer,
Tom Johnstone, and Sarah Halligan (2014) - Making an effort to feel positive: insecure
attachment in infancy predicts the neural underpinnings of emotion regulation
in adulthood. The Journal of child Psychology and Psychiatry
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