Uma das preocupações frequentes dos pais tem que ver com o facto das crianças, geralmente a partir do primeiro ano, mostrarem muitas vezes tendência para bater quando são contrariadas ou quando se sentem frustradas ou zangadas. Este comportamento é perfeitamente natural a partir de um ano e pouco e geralmente dura pelo menos até aos 4, 5 anos, embora possa diminuir de intensidade ou de frequência. Também pode acontecer que em vez de bater a criança empurre, dê pontapés ou morda quem está ao pé ou a pessoa responsável pela sua frustração.

A zanga como uma resposta fisiológica
Sempre que nos zangamos estamos a despoletar aquilo que se chama a resposta de luta ou fuga que, neste caso, é mais de luta e que significa que o nosso corpo se está a preparar para lidar com uma potencial ameaça. Esta ameaça não precisa de ser real mas o que é certo é que uma parte do nosso cérebro identificou algo como sendo potencialmente perigoso para a nossa sobrevivência ou para a nossa integridade física e, por isso, o corpo prepara-se para lidar com essas ameaças, pondo em marcha uma série de modificações fisiológicas. Isto é uma resposta comum a todos os mamíferos e que está presente desde o nascimento. Acontece que um bebé quando se zanga ainda não tem controlo suficiente para bater por isso só pode chorar e esbracejar ou espernear. Mas, a partir do momento em que a criança começa a ser capaz de exercer algum controlo sobre as suas funções motoras e começa também a perceber que em algum poder sobre o seu meio ambiente, percebe também que é capaz de bater e que, ainda por cima, isso até tem algumas consequências - embora nem sempre as desejadas, mas a criança pequena ainda demora algum tempo até fazer essa ligação. Então, na verdade, bater não é algo pensado ou consciente, no sentido em que a criança não pensa que irá bater para conseguir algo mas é mais um impulso, um instinto que pode ser posto em marcha sempre que ela sente que pode estar a ser posta em causa a sua integridade. E é relativamente fácil para uma criança pequena sentir isso porque esta é uma fase em que ela está a descobrir que tem vontades, gostos e ideias próprias e que tem capacidade de fazer coisas e de agir no mundo. E o seu instinto diz-lhe que deve perseguir essas acções que deve tentar seguir os seus gostos, as suas preferências, afinal esta é uma forma importante de perceber quem é e de se conhecer como pessoa. Mas, ao mesmo tempo, a criança também percebe que há uma vontade mais forte que é a dos pais, ou por vezes, de outras crianças e que essas vontades entram facilmente em choque com as suas. Isto gera uma sensação grande de frustração e de zanga que uma criança ainda não tem grande capacidade de gerir, por isso só lhe resta agir.
O modelo cérebro-mão
Daniel Siegel tem um modelo muito útil que nos ajuda a compreender o funcionamento do cérebro e as diferenças entre o cérebro de um adulto e de uma criança: é o modelo do cérebro-mão. Para o compreender experimente fechar uma das suas mãos com o polegar por dentro dos restantes dedos. Neste modelo o polegar representa o sistema límbico, a zona do cérebro que está ligada ás emoções e que é responsável pelo seu surgimento. Os restantes dedos representam o córtex cerebral, a parte que está ligada ao pensamento mais racional e mais elaborado e que nos pode ajudar a integrar, a estruturar e a processar as emoções. Agora experimente abrir a mão, deixando só o polegar em contacto com a palma. Isto é o que acontece quando nos zangamos: o sistema límbico fica, temporariamente, desligado do córtex cerebral e ficamos a viver as emoções de uma forma muito intensa e, enquanto essa ligação não se restabelecer, torna-se difícil processar as emoções e agir de forma mais controlada. Por isso a expressão que usa muitas vezes - saltou-me a tampa - até é bastante adequada, porque é mesmo o que acontece. Ora as crianças, até aos dois anos, pelo menos, vivem permanentemente sem tampa, porque o seu córtex cerebral ainda não está suficientemente desenvolvido para poderem fazer uso dele e processar racionalmente aquilo que estão a sentir. Este desenvolvimento só começa a partir dos dois anos e, na verdade, sabe-se que só está concluído por volta dos vinte e poucos anos de idade. O que mostra o longo percurso que os nossos filhos ainda têm pela frente para aprenderem a lidar com o que sentem.
O desenvolvimento dos sentimentos mistos

Então como lidar com uma criança que bate?
Primeiro é importante perceber que ela está apenas a ser criança, não quer dizer que seja má, ou que tenha maus instintos ou sequer que esteja a ser mal educada. Está a fazer aquilo que lhe é mais natural, depois podemos até dizer que não gostamos daquele comportamento e mostrar-lhe formas alternativas de expressar a sua zanga mas sempre sem dar muita importância ao que ela fez. É importante que a criança sinta que não fez nada de errado e que não se passa nada de mal consigo pelo facto de não ser capaz de controlar as suas emoções e os seus impulsos, porque ainda não é realmente suposto que o faça.
Depois, se a criança nos bateu a nós, como acontece muitas vezes, é importante também sermos capazes de processar os nossos sentimentos e de não levarmos isso como um ataque pessoal. O mesmo acontece quando a criança diz à mãe ou pai que já não gosta deles e isso, por vezes, deixa os pais muito sentidos. Mas é preciso percebermos que a criança, naquele momento, está mesmo sem tampa e a viver emoções muito intensas, de uma forma muito crua e não tem realmente capacidade para se lembrar que, na verdade, gosta muito de nós. Então é importante não nos mostrarmos muito ofendidos e fazermos com que a criança sinta que estamos presentes, que a relação está intacta e que ela pode explodir e ficar sem tampa à vontade, que nós vamos estar com a nossa tampa no sítio para a ajudar a lidar com as emoções.
Também é importante lembrar que a maior fonte de frustrações e de ansiedade para uma criança é sentir que pode estar em risco a sua ligação com os pais. Por isso se respondemos à sua frustração com demasiada rispidez, ou fazendo com que se sinta mal, estamos só a aumentar a sua tensão e a criar-lhe ainda mais frustração que ela não terá como gerir e que irá precisar de descarregar de alguma forma o que, por sua vez, é muito provável que gere mais agressões. Por isso é fundamental que a criança perceba que a relação está intacta e que o nosso amor é mesmo incondicional. Isto não significa fazer aquilo que ela quer, ou ceder para que não se sinta frustrada, mas significa mostrar que compreendemos a sua zanga e a sua frustração e que, mesmo não gostando que ela bata, percebemos que não é capaz de lidar de outro modo com as suas emoções.
Diz-se muitas vezes que as crianças têm de aprender a regular as emoções, isto é verdade mas, primeiro têm que o fazer de acordo com o seu grau de desenvolvimento e segundo, precisam sempre da ajuda de um adulto para o serem capazes de o fazer. E se nós não formos capazes de gerir a nossa própria frustração, dificilmente poderemos servir de modelo para a criança aprender como o fazer com a sua. Se nós ficamos imediatamente sem tampa quando nos damos conta de que a criança fez algo de que não gostámos, então dificilmente podemos ser um modelo de como ela pode aprender a manter a sua.
Se a criança bateu noutra criança, podemos tentar perceber o que gerou a frustração e dar exemplos à criança de como poderia conseguir o que queria sem precisar de bater. Sem grandes explicações porque as crianças aprendem mais por ver do que com as palavras, podemos encontrar formas de exemplificar o comportamento que ela poderia ter tido nos casos em que isso é possível. Nestes casos também pode ser importante dar atenção à outra criança e ver como se está a sentir. Se percebemos que a outra ficou sentida é importante dar-lhe espaço para expressar isso e para mostrar o que sente mas, ao mesmo tempo, sem que a que bateu se sinta mal por tê-lo feito. Podemos também aproveitar para explicar as consequências mostrando a quem bateu que o outro ficou triste ou sentido mas sempre sem um tom demasiado crítico para o que agrediu, mostrando também ao que ficou mais sentido que a criança que lhe bateu não o fez por não gostar dele mas apenas por não saber lidar com a situação de outro modo. Mas, na verdade, ao mostrarmos preocupação e empatia com o sofrimento da outra criança já estamos a servir de modelo para a forma como gostaríamos que o nosso filho agisse nestas ocasiões, por isso nem serão precisas grandes explicações.
Nos casos em que os pais da outra criança estão presentes e ficam também sentidos com a situação, também pode ser importante falar com eles e mostrar alguma compreensão mas sem deixarmos que isso nos influencie demasiado na forma de lidarmos com os nossos filhos.
Por último é importante percebermos que não é preciso eliminar as frustrações da vida das crianças mas apenas estarmos presentes e termos paciência para as ensinar a lidar com elas da melhor forma. E saber que é fundamental sermos capazes de confiar nos nossos filhos e no seu desenvolvimento, acreditando na sua natureza e sabendo que o nosso papel é orientar mas também dar espaço para que ela possa desenvolver-se com confiança e harmonia.