segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Birras filmadas e como podemos ajudar os nossos filhos a lidar com as emoções

Tem circulado nas redes sociais por estes dias um vídeo de um pai que filmou a filha a ter um episódio de grande descontrolo que, ao que parece, durou cerca de 45 minutos. O vídeo é bem mais curto que isso, mas confesso que não o consegui ver da primeira vez, porque me fez muita impressão. Mas, entretanto, resolvi vê-lo agora até ao final porque senti que era importante falar sobre isto. 

Primeiro, uma das questões que não pode ser ignorada é o facto desta criança ter sido filmada num momento de grande fragilidade e de ter sido exposta desta forma, que foi uma das coisas que me incomodou. Além disso num momento destes os nossos filhos precisam de apoio e da nossa presença e disponibilidade total e não me parece que esse apoio possa considerar-se total quando existe uma câmara a filmar e a preocupação com todos os que irão ver depois essa filmagem. 

Mas, depois de ver tantas pessoas a partilhar este vídeo e de perceber que muitas até apoiavam e louvavam a atitude do pai, fiquei ainda mais incomodada e foi por isso que decidi escrever este texto. 

No vídeo vemos uma criança muito aflita, com grande dificuldade de integrar e regular as suas emoções, como é perfeitamente normal e natural nesta idade. O que já não me parece tão natural assim é a duração deste episódio e o comportamento tão passivo do pai. Na verdade aquilo que vi no vídeo, para além de uma criança em sofrimento, foi também um pai perdido. Sem querer julgar o pai e a forma como educa a filha, sem fazer ideia daquilo que poderá ter levado aquela situação e sem duvidar das suas boas intenções ao tentar estar presente e dar algum espaço à filha para expressar o que estava a sentir, a verdade, é que me pareceu que ele não fazia ideia daquilo que deveria fazer para acalmar a criança. E isso é grave porquê? Porque passa para a criança uma sensação de medo e de insegurança acerca dos seus próprios sentimentos - que são tão intensos que nem os adultos sabem lidar com eles - e acerca da sua relação com o pai - que é tão frágil que ele nem sabe o que pode fazer para a acalmar. E se isso se repetir muitas vezes irá facilmente criar na criança um sentimento mais ou menos permanente de ansiedade e insegurança. 

As crianças não lêem as nossas intenções mas sentem as nossas emoções e observam o nosso comportamento, sem fazerem ideia das razões que estão por trás dele. E, o comportamento do pai, neste caso o que mostrou à filha, foi que não podia fazer nada que a ajudasse a regular as suas emoções e a sair daquele estado. A certa altura a criança aproxima-se dele e agarra-se ao pescoço do pai. O contacto físico é uma forma de ajudar a acalmar uma criança mas, neste caso, nem isso parece ter resultado muito porque foi a criança que precisou de o procurar. É verdade que quando as crianças estão assim nem sempre querem que as abracemos ou peguemos ao colo e, por vezes, temos de lhes dar algum espaço, sim. Mas isso é diferente de esperar que sejam elas a procurar-nos. Porque isso passa uma mensagem de que não sabemos ler as suas emoções, não as conhecemos assim tão bem e não sabemos como ajudá-las. E pior ainda, passa uma mensagem, de que são elas que têm de nos procurar, mesmo nos momentos mais difíceis. São elas que têm de estar no controlo da situação. E isso impede-as de descansar e relaxar. Como é que podemos relaxar e descansar de verdade nos braços de alguém quando sentimos que somos nós que temos sempre de pedir ajuda e de procurar essa pessoa? Quando a pessoa mostra que não nos conhece, que não sabe o que fazer, como lidar connosco? 

Enquanto pais e mães somos nós que temos sempre de assumir a responsabilidade da relação e isso implica também que sejamos  nós, sobretudo nos momentos mais difíceis, a assumir o controlo. Para isso temos de estar atentos e perceber quando é que já podemos aproximar-nos e dar um abraço ou um colo, não apenas ficar à espera que a criança o procure. 

Temos a obrigação de ajudar os nossos filhos a lidar e a regular as suas emoções. E, se isso demora 45 minutos a acontecer então também temos a obrigação de nos questionar sobre o que poderá estar a correr mal e talvez pedir ajuda. 

É verdade que é importante que as crianças chorem e é verdade que é natural que se descontrolem de vez em quando. E também é verdade que precisamos de aceitar e acolher as suas emoções. Mas, nada disto implica ficarmos quietos à espera que tudo passe. Aceitar e acolher emoções não tem nada a ver com passividade. Não significa que não podemos fazer nada para as modificar e, sobretudo, não significa que, enquanto pais, não temos obrigação de ajudar os nossos filhos a sair desses estados intensos que eles simplesmente não têm capacidade para regular sozinhos. E ficar ao lado de um filho que está nesse estado sem fazer nada não ajuda porque uma criança não tem capacidade para perceber que estamos ali por ela se não lho mostramos claramente com gestos, palavras e atitudes. 

Na verdade, mesmo como adultos, nessas situações precisamos que sejam os outros a assumir o controlo e mostrar que são capazes e estão dispostos a ajudar-nos. Nessas alturas não chegam as palavras bem intencionadas, precisamos mesmo de acções, de gestos que mostrem que os outros sabem lidar connosco e que estão dispostos a fazer o que for preciso para nos ajudar. 

Porque nestas alturas são as partes mais primitivas do cérebro que estão no comando, estamos em pleno modo de alerta e, nesse modo de alerta não respondemos às coisas mais subtis, precisamos mesmo de gestos e atitudes concretas e bem visíveis para que tenham algum efeito. 

Aquilo que uma criança precisa numa situação destas, acima de qualquer outra coisa, é de sentir que o adulto assumiu o controlo e sabe o que fazer. E quando não sabemos então precisamos de fingir porque não é possível acalmar uma criança se não nos sentirmos no controlo da situação. E foi isso que me pareceu faltar muito neste vídeo. 

Então o que fazer nestas situações? 

Primeiro acolher os sentimentos e emoções dos nossos filhos significa que somos capazes de nos colocar no lugar deles, de perceber minimamente o que os fez ficar assim. E depois temos de ser capazes de lhes transmitir isso sem uma atitude de julgamento, sem lhes transmitir que aquela emoção é errada. Isto faz-se dizendo que compreendemos que eles se sintam zangados, frustrados, tristes ou que acharmos mais adequado. Mas precisamos de fazer isso com empatia e para isso também não será natural que estejamos completamente calmos e tranquilos. 

É verdade que ajuda muito a controlar o episódio se os pais mantiverem o seu auto-controlo. Mas manter o auto-controlo não é ficar totalmente passivo. Precisamos de entrar em contacto com a emoção da criança, para sermos capazes de lhe mostrar que não faz mal sentir aquilo e que aquela emoção pode ser transformada e integrada. Para isso precisamos de não ter medo de a sentir. Só assim podemos ser verdadeiramente empáticos. Há uma diferença entre sentir a emoção e deixarmos-nos arrastar por ela. A criança é arrastada por ela porque ainda não desenvolveu o seu cortéx-pré-frontal que nos permite reflectir sobre o que estamos a sentir. Por isso ainda ficam completamente à mercê das emoções nestas alturas e por isso é que nós temos obrigação de as ajudar a controlarem-nas. Nós, idealmente, já o teremos desenvolvido e por isso podemos mostrar aos nossos filhos que é possível sentir medo, raiva, tristeza, frustração, etc. e não perder o controlo. 

Quando falamos aos nossos filhos sobre o que estão a sentir também ajudamos a desligar as partes mais primitivas do cérebro e a ligar as mais racionais o que também irá contribuir para a sua auto-regulação e para o desenvolvimento do tal cortéx-pré-frontal. 

Então não precisamos de nos manter completamente calmos quando os nossos filhos estão a perder a cabeça e, na verdade, isso nem sequer é realmente adequado. Porque as nossas emoções também têm que espelhar as deles, um pouco, de preferência com o auto-controlo que eles ainda não têm. Claro que não adianta nada se perdermos a cabeça também, mas é preciso encontrar o equilíbrio entre sentir aquilo que eles sentem (num grau um pouco menor, é claro) mas manter o auto-controlo necessário para perceber e explicar a situação aos nossos filhos e mostrar-lhes como se pode fazer esse caminho para regular e integrar as emoções. 

E precisamos de lhes mostrar que é seguro expressarem essas emoções connosco mas essa segurança só pode existir se nós também sentirmos que conseguimos lidar com a situação, que não precisamos de nos retirar para um lugar de passividade total nem precisamos de reprimir completamente aquela emoção ou a sua manifestação.

Falo também disto com mais pormenor na última parte do meu livro Amar não Basta.