sexta-feira, 24 de maio de 2019

Bullying, competividade e emoções

Hoje acordei a pensar em Bullying, algo que infelizmente parece cada vez mais presente no mundo real mas que se encontra ainda mais facilmente nas redes sociais. É importante falar deste fenómeno e compreender como é que ele acontece e também porque é que as redes sociais o tornam tão fácil, tão comum e tão presente. 

Fazer bullying é tratar mal alguém com o objectivo de nos sentirmos por cima, de nos sentirmos melhor, de nos sentirmos mais espertos mais capazes, mais competentes, etc. Quando alguém faz bullying isso significa que, naquele momento, o seu único foco é conseguir esse sentimento de que é melhor do que o outro, seja em que domínio for. Então isto quer dizer que essa pessoa, pelo menos naquele momento, não está focada em sentimentos nem emoções, mas apenas em ter esse sentimento de conquista, de prazer momentâneo de que foi capaz de vencer o outro. 

Alguém que tem uma necessidade constante de fazer isto é alguém que, provavelmente, ao longo da sua história precisou de se defender muito, precisou de se fechar às emoções, aos sentimentos e precisou muito de se sentir importante e especial. Todas as crianças precisam de sentir-se especiais, sobretudo nos primeiros anos de vida, todas as crianças precisam de se sentir únicas, apreciadas, capazes, competentes e especiais aos olhos das pessoas importantes para si. Quando isso não acontece é muito natural que a criança procure outras formas de se sentir especial e a competitividade excessiva pode ser um reflexo disso mesmo. Quando uma criança precisa repetidamente de ganhar nos jogos, nas corridas ou até mesmo nas notas isso pode querer dizer que aquela criança está à procura desse sentimento de que é boa, capaz, competente, única e especial que, deve vir, em primeiro lugar dos pais e não pode estar dependente das suas conquistas ou da apreciação dos outros. 

Muitas vezes temos medo de fazer os nossos filhos sentirem-se especiais, como se isso estivesse associado a uma incapacidade de lidarem com o mundo e com as frustrações. Por isso é importante explicar que fazer uma criança sentir-se especial não é o mesmo que satisfazer todos os seus desejos ou aceitar passivamente todos os seus comportamentos. Não é o mesmo que fechar os olhos aos seus erros ou fracassos mas é simplesmente mostrar-lhe que a amamos apesar destes. Mostrar que esse amor não depende de nada daquilo que eles fazem mas que está simplesmente presente e não é posto em causa por nada que eles possam fazer. 
Todas as crianças precisam de ver o brilho no olhar dos pais apenas porque estão presentes, apenas porque existem, apenas porque acabaram de entrar na sala. 

Quando esse brilho nunca existiu ou esteve demasiado escondido por todas as outras preocupações que os pais tantas vezes têm então a criança cresce sempre com a sensação de que precisa de preencher esse sentimento de que é especial para alguém e irá procurar formas de o fazer. A menos que essa falta tenha sido tão grande que ela desista simplesmente de si e do mundo e de acreditar ou de esperar alguma coisa dos outros. 

Então alguém que tem um comportamento de bully está simplesmente a tentar preencher essa falha da única forma que conhece: humilhando os outros. Isto acontece sobretudo entre pares, já que, quando todos estamos em igualdade de circunstâncias se torna mais fácil fazer sobressair essa necessidade de competir. Quando crescemos com essa sensação constante de que falta alguma coisa, se estamos rodeados de pessoas iguais a nós, como numa turma em que todos têm a mesma idade, por exemplo, é mais fácil sentirmos que essas pessoas estão a competir connosco por esses mesmos recursos que, inconscientemente, nos habituámos a sentir que são escassos. Então, precisamos desesperadamente de sentir que lhes passamos à frente. 

Se ainda não desligámos completamente as nossas emoções podemos fazê-lo simplesmente tentando ter melhores notas que os outros, ou ser melhores no desporto ou em alguma outra coisa em que nos sintamos capazes de ficar por cima. Mas, se já fomos tão feridos na nossa capacidade de confiar  e gostar dos outros que precisámos de fechar o coração para sobreviver então torna-se muito fácil entrar nesse jogo constante de humilhar e de tentar rebaixar os outros, sem sequer nos preocuparmos com aquilo que estarão a sentir. 
E depois temos as outras pessoas da turma, ou do grupo que, podem facilmente ir atrás desse comportamento apenas porque querem também sentir-se especiais e entrar num grupo dá-nos esse sentimento de pertença e de união de que todos precisamos. E, mais uma vez, se as nossas feridas forem demasiado grandes podemos ficar mais focados nesse prazer temporário de nos sentirmos parte de um grupo, mesmo que para isso tenhamos que seguir um líder que maltrata alguém, do que nos sentimentos da pessoa que está a ser mal tratada. Até porque o sentimento de que somos nós contra alguém é sempre algo que serve para unir as pessoas e criar essa sensação de grupo que dá alguma gratificação temporária e ajuda a preencher essas falhas. 
Sobretudo na adolescência em que uma das tarefas é justamente a de pertencer a um grupo, porque é esse sentimento de pertença a um grupo que também nos ajuda a separar na família, algo que faz parte dos instintos naturais de um adolescente. 

O que fazer quando os nossos filhos são vítimas de bullying 


Não serve de nada tentar falar com um bully e muito menos dizer-lhe que nos magoou. Porque isso só irá alimentar o seu sentimento de vitória, de conquista, de quem conseguiu ficar por cima. 
Então quando sabemos que alguma criança ou jovem, ou mesmo adulto, foi ou está a ser vítima de bullying o mais importante é focarmos a nossa atenção na vítima, primeiro, e não no bully. 
Se for possível, a primeira coisa a fazer é  retirarmos a criança da situação, afastando-a dessa pessoa ou grupo, falando com os adultos responsáveis sempre que isto acontece numa escola, para tentarem intervir e proteger a criança do ataque, afastando-a das situações em que ele acontece. Claro que isto tem que ser feito sem que a criança sinta que está a ser penalizada ou que é ela o problema. 

Depois é fundamental que essa criança tenha uma ligação segura com alguém com quem possa falar sobre isso. Não podemos evitar que os nossos filhos sejam magoados mas podemos dar-lhes um colo para falarem sobre isso e para vivenciarem as suas emoções mais dolorosas sem precisarem de as esconder em alguma parte de si. E isso é a coisa mais importante que podemos fazer por alguém que sofre: dar-lhe um espaço para lidar com essas emoções, dar-lhe um ombro para chorar e um colo onde possa sentir-se seguro e acolhido. Se a criança ou jovem tiver a segurança de saber que existe na sua vida, pelo menos uma pessoa, com quem tenha essa ligação segura, uma pessoa que a aceita, que a acolhe e que a ajuda a lidar com a dor e com os seus sentimentos ela estará preparada para enfrentar essas dificuldades e maus tratos do mundo sem que eles causem estragos demasiado grandes. 
A coisa mais importante que podemos fazer pelos nossos filhos ou jovens com quem trabalhamos é mesmo esta: garantir que essa ligação segura existe com, pelo menos, um adulto. É esta ligação que protege de verdade e que lhes dá espaço para poderem entrar em contacto com os seus sentimentos e serem capazes de aprender a lidar com as emoções. Esta ligação não os impede de serem magoados ou maltratados mas garante que a dor desses maus-tratos não se torne demasiado grande para que possa realmente provocar estragos nas suas vidas. 

Depois precisamos de olhar para o bully como alguém que também foi ferido mas que se fechou de forma a não ter consciência dessa ferida. Então aquilo que precisamos de fazer com esse bully, se nos for possível e quando não fomos nós a vítima, claro, é também sermos capazes de criar com ele uma relação de segurança Uma relação em que ele possa confiar que é seguro voltar a sentir, voltar a entrar em contacto com as suas emoções. Sem este trabalho que só pode ser feito por um adulto seguro, confiante e verdadeiramente disponível, nunca será possível lidar de forma verdadeiramente eficaz com este problema e mudar o comportamento do agressor. 

E sem criarmos condições para que essas ligações existam nas vidas dos nossos filhos nunca iremos acabar com este fenómeno tão presente nos nossos dias. 

Porque é que as redes sociais potenciam os fenómenos de bullying 


Porque é muito fácil chamar nomes a alguém que não estamos a ver. Quando falamos através de um ecrã não vemos o rosto das pessoas, não ouvimos o seu tom de voz, não temos qualquer tipo de pista das que normalmente usamos para perceber como é que as pessoas se estão a sentir. Por isso é que as redes sociais também dão azo a muitos mal entendidos: porque nas redes sociais, através de um ecrã, ficamos todos completamente analfabetos no terreno emocional. Isto porque é a comunicação não verbal que nos mostra como é que os outros se sentem e que influencia a nossa forma de comunicar com eles. Quando falamos com alguém ou quando alguém fala connosco estamos constantemente a avaliar, de forma inconsciente, a sua comunicação não verbal: o tom de voz, a prosódia, as expressões faciais, os gestos, etc. E nas redes sociais isto não acontece, por isso não temos nenhuma pista de como o outro se está a sentir e isso torna-nos praticamente analfabetos do ponto de vista emocional. Os emojis com expressões foram uma forma de colmatar isso mas são muito insuficientes quando comparados com os circuitos mais complexos que temos vindo a  desenvolver ao longo de milhares de anos da nossa história. Por isso é muito fácil surgirem mal entendidos, mesmo quando comunicamos com boas intenções. 
E também se torna muito fácil mal tratar alguém que não estamos a ver como reage. E, mais uma vez, aqui também procuramos sentir-nos parte de um grupo apoiando quem mal trata ou sentir-nos líderes desse grupo rebaixando e criticando outras pessoas. 
Não estamos programados para lidar com ecrãs, mas sim com pessoas. Ainda temos muito a aprender com as novas tecnologias e com a forma como lidamos com elas. E infelizmente, parece que também ainda temos muito que aprender sobre as nossas emoções e sobre como lidar com elas de maneira mais construtiva. 
Por isso e para que isto não aconteça a melhor coisa que podemos fazer pelos nossos filhos é não ter medo de estarmos verdadeiramente presentes nas suas vidas e de os ajudar a lidar com as suas próprias emoções, dores e frustrações sempre que elas acontecem.