Muitos pais falam comigo
preocupados com os comportamentos ansiosos que vêem nos seus filhos. Porque,
infelizmente, são cada vez mais os casos de crianças que sofrem com a tensão em
que vivem quase diariamente e são cada vez mais os comportamentos que o demonstram
como, por exemplo, dores de cabeça constantes como acontece com algumas
crianças que conheço.
E, a maior parte das vezes, estes
pais que chegam até mim que, na maior parte dos casos, são pessoas informadas,
preocupadas e atentas já ouviram dizer que o yoga pode ser uma boa solução e
muitas vezes esta é mesmo a recomendação do médico de família ou do pediatra
que segue a criança. Como, além de psicóloga também sou professora de yoga e
também já dei aulas de yoga a crianças, então muitas vezes estes pais vêm falar
comigo na esperança de encontrarem no yoga uma solução para a ansiedade dos
filhos. Mas verdade é que fico sempre com sentimentos ambivalentes
nestes casos, que vou tentar explicar porque surgem.
Benefícios do Yoga para crianças
É verdade que uma prática de yoga
pode ter vários benefícios para uma criança. Por um lado, do ponto de vista
físico, é importante que as crianças ganhem uma maior consciência do corpo e
que aprendam o que podem fazer para o manterem saudável ao mesmo que podem
também aprender a ter algum prazer com isso. Também é verdade que as crianças
passam cada vez mais tempo sentadas e têm cada vez menos oportunidades de mexer
o corpo e de entrar em contacto com ele e de explorar os seus limites, pelo que
as aulas de yoga podem ser uma boa altura para o fazerem. Uma vantagem do yoga
em relação a outros desportos é o facto de não ter a vertente competitiva que
está presente nos outros e que pode ser uma fonte de tensão e de ansiedade para
as crianças que, cada vez mais, já estão sujeitas a tantas pressões para serem
capazes e para serem as melhores em tantas áreas da sua vida. O yoga pode ser
também uma boa forma da criança entrar mais em contacto com as suas emoções e
de aprender a adquirir algumas estratégias e ferramentas que lhe permitam
geri-las da melhor forma. Através de alguns exercícios de respiração, de
relaxamento e de concentração a criança pode aprender a libertar alguma tensão,
a estar mais em contacto com o seu mundo interno a ser mais capaz de gerir os
seus estados. O yoga pode também ajudar na capacidade de concentração levando a
criança a perceber que é possível direccionar a sua atenção e a não ficar tão à
mercê das distracções. Se o professor for capaz de transmitir à criança uma
atitude de aceitação e de respeito pelo próprio corpo isto pode também ter um
papel importante na auto-estima da criança e na criação de uma auto-imagem
positiva. Todos estes benefícios têm vindo a ser comprovados por algumas
investigações que vão sendo feitas nesta área.
No entanto não acho que o
yoga deva ser encarado como a primeira solução para lidar com a ansiedade e insegurança nas
crianças. Até porque, as crianças mais ansiosas, são justamente aquelas que
terão mais dificuldade em retirar verdadeiros benefícios de uma aula de yoga.
As crianças vivem ainda muito em
relação. Os adultos também mas, nas crianças, isto está ainda mais presente. Na
infância os relacionamentos que formamos com as pessoas significativas são a
fonte mais poderosa de experiências e a que mais contribui para moldar o nosso
cérebro e a nossa forma de lidar com o mundo e connosco próprios. As crianças
nascem totalmente predispostas para estabelecer relações significativas com as
pessoas que cuidam de si. E nascem também com uma tendência inata para confiar
nessas pessoas e para verem o mundo através daquilo que elas lhes mostram.
Assim, as crianças são autênticos espelhos da forma dos seus pais estarem no
mundo. Uma criança procura nos seus pais referências para a forma como se deve
comportar, para a forma como deve agir, para a forma como deve lidar com as
emoções e sentimentos.
Os bebés quando nascem passam os primeiros meses num
estado de fusão emocional com a mãe, isto quer dizer que, para além de
precisarem muito da sua presença e da sua disponibilidade quase constante
também acabam por ser um bom reflexo das suas emoções e daquilo que a mãe vai
sentido. Se a mãe está ansiosa, por exemplo, os bebés demonstram muito
rapidamente essa ansiedade passando a ter um comportamento mais agitado e com
mais choro. Observações feitas com mães deprimidas mostraram que os bebés
dessas mães apresentavam eles próprios um comportamento semelhante ao da
depressão: mostravam muito mais expressões de desconforto de mau-estar do
que expressões positivas, tinham episódios de choro mais frequentes do que os
filhos de mães não deprimidas e tinham uma maior tendência para se tornarem
bebés que mostravam muito pouca vontade de interagir. Isto demonstra que os
bebés aprendem com as mães como devem olhar para o mundo e também como olhar
para si próprios. Também do ponto de vista neurológico há estudos que mostram
que o organismo do bebé tem tendência para se regular através do contacto com o
organismo da mãe. Por exemplo, se o bebé está a chorar é muito mais fácil
acalmá-lo se a mãe estiver com ele no colo e se mantiver ela própria calma. É como se o organismo mais maduro da mãe mostrasse ao bebé como pode passar de um
estado de tensão e mal-estar para um outro estado diferente, de equilíbrio.
Por outro lado, a forma como
respondemos aos nossos filhos também vai moldando o seu organismo. Por exemplo,
sabe-se que os bebés que são repetidamente expostos a situações de stress -
como nos casos em que são deixados a chorar sozinhos – acabam por
ter os seus organismos inundados de cortisol, o que faz com o seu hipocampo perca
a sensibilidade a esta hormona e deixe de ser capaz de avisar o cérebro que já
foi produzida em excesso, o que quer dizer que, o hipotálamo se torna incapaz
de desligar a produção de cortisol e a criança passa a viver com a resposta de
stress ligada quase de forma permanente. Isto significa que esta será uma
criança que terá sempre muita dificuldade em lidar com os desafios. Porque o seu
organismo está já num estado permanente de sobrecarga que acaba por provocar um
desgaste e fazer com que lhe sobre muito pouca energia extra para lidar com desafios.
Sobretudo durante os primeiros
dois anos de vida, o cérebro das crianças está em constante formação. Nesta
altura são perdidas e criadas milhares de ligações neuronais. É como se a
criança, durante estes dois anos, estivesse a tentar perceber em que tipo de
mundo irá viver e tentasse adaptar-se o melhor possível a este. Isto quer dizer
que através das experiências que os pais proporcionam ás crianças, ela vai
moldando o seu organismo e o seu cérebro
de forma a criar determinados padrões. E estas experiências incluem não só a
forma como os pais respondem às suas necessidades mas também a forma como vê os
seus próprios pais a lidar com as emoções. As crianças aprendem mais por
imitação do que pelo que ouvem e, sobretudo nos primeiros tempos de vida, elas
são peritas a sentir mesmo o que não foi dito. Nos dois primeiros anos a
criança usa principalmente o lado direito do seu cérebro que está ligado ás
emoções e, só a partir dos dois anos de vida, com o desenvolvimento da
linguagem é que a criança começa a ser capaz de usar o lado esquerdo que lhe
permite racionalizar, analisar e interpretar de forma mais elaborada o que sente. Isto quer dizer
que, nestes primeiros dois anos de vida, criança absorve muita coisa e faz muitas
aprendizagens apenas através daquilo que sente com os pais.
Então, quando penso em crianças
ansiosas, inseguras ou com alguma dificuldade em lidar com as situações da
vida, é inevitável pensar que isso estará, de algum modo ligado ás experiências
que viveu com os seus pais. E, se é verdade que os primeiros dois anos de vida
são determinantes no que toca a essa moldagem que vai acontecendo, também é
verdade que, durante toda a infância continua a existir alguma permeabilidade
que permite à criança alterar esses padrões que foram criados. Também é verdade
que esta capacidade de alterar esses padrões se mantém até na vida adulta mas,
acontece que, na infância, esses padrões ainda não estão tão
consolidados o que facilita essa alteração.
Uma das formas
mais eficazes de alterarmos os nossos padrões de funcionamento é através das
relações que estabelecemos com os outros e criam determinadas experiências
dentro de nós, que nos fazem segregar hormonas e neuropéptidos – substâncias
que segregamos em função daquilo que sentimos e que têm o poder de influenciar
e de alterar a nossa fisiologia. E, se isto é verdade ao longo de toda a vida é
ainda mais verdade durante a infância: uma altura em que estamos mais
receptivos, mais predispostos a estabelecer relações e deixarmos-nos moldar por
elas. Na meditação do tipo mindfulness, por exemplo, que tem vindo a ser
comprovada como uma excelente forma de quebrarmos determinados padrões e de
alterarmos o nosso funcionamento mesmo ao nível cerebral, o que acontece é
justamente o facto de nos tornarmos capazes de estar verdadeiramente em relação
connosco próprios e é isso que pode fazer toda a diferença na forma como
encaramos a vida.
Então, isto quer dizer que, antes
de decidirmos que uma criança ansiosa tem um problema e que precisamos de
encontrar estratégias para a ajudar a lidar com ele, podemos pensar que ela
está apenas a fazer aquilo que aprendeu connosco ao longo dos seus anos de vida
e que, por isso mesmo, uma forma muito eficaz de a ajudar a lidar com a sua
ansiedade é aprendermos a lidar com a nossa.
Sem culpas, porque cada pai ou
mãe faz exactamente o melhor que sabe fazer com os seus filhos e sem culpas
porque apenas podemos dar aos nossos filhos aquilo que aprendemos a dar a nós
próprios. Então, se queremos verdadeiramente quebrar o ciclo e ajudar os nossos
filhos a lidarem da melhor forma com as suas emoções, precisamos primeiro de
aprender a lidar com as nossas. Por isto, dou comigo muitas vezes a dizer aos
pais que, em vez, de porem os seus filhos a praticar yoga deviam pensar em ser
eles próprios a praticar. Porque, honestamente, se é verdade que as crianças
ansiosas ou inseguras podem encontrar no yoga algumas ferramentas que lhes
permitam lidar melhor com essa ansiedade, também é verdade que essas crianças
aprenderam a sê-lo por causa de todas experiências que viveram com os pais. Então, acredito
que a melhor forma de eliminar de vez essa insegurança ou ansiedade é modificar
essas experiências.
Muitas vezes, justamente por
causa dos nossos receios ou ansiedades acabamos por acreditar que são as
pessoas de fora que podem ajudar os nossos filhos quando a melhor ajuda é nós simplesmente
estarmos dispostos a estar presentes, verdadeiramente presentes na relação que
temos com eles. Então, muitas vezes os pais fazem o esforço de levar o filho
a algum lado para fazer aulas de yoga, incluindo mais uma actividade nas suas
agendas já tão preenchidas e atarefadas quando esse tempo seria muito mais bem
empregue se o passassem com a criança, criando espaço e oportunidade para
estarem verdadeiramente com ela.
A nossa presença, inteira,
completa de corpo e coração é o melhor presente que podemos dar a uma criança.
E, quando nos tornamos capazes de lhe dar essa presença de forma regular, com
que ela possa aprender a contar, estamos a criar-lhe a possibilidade de crescer
no verdadeiro sentido do termo. Essa presença dos pais tem um efeito terapêutico muito mais profundo e completo do que aquele que qualquer aula de yoga ou qualquer outra relação lhe pode proporcionar. Uma criança precisa, mais do que tudo de sentir
a presença e a aceitação incondicional dos seus pais. É a falta dessa presença - que acontece, a maior parte das vezes, por causa das nossas próprias ansiedades - que está na base de todas as inseguranças com
que os nossos filhos lidam. Então, antes de procurarmos no exterior a correcção
e a solução para esses medos ou dificuldades que os nossos filhos enfrentam,
acredito que faremos muito melhor se as procurarmos em nós mesmos. E isto
implica uma grande responsabilidade, sim, é verdade. Mas é uma responsabilidade
sem culpa. É uma responsabilidade apenas de nos tornarmos conscientes do nosso poder enquanto pais ou mães de uma criança mas uma responsabilidade onde
não entram culpas porque, enquanto pais, também já fomos filhos e fazemos
apenas o melhor que nos foi possível aprender com os nossos pais. E sem culpas
também porque é essencial que saibamos que é sempre tempo de mudar aquilo que
ensinamos e transmitimos aos nossos filhos. Basta tomarmos consciência de que é
tempo de lidar com as nossas feridas, é tempo de quebrar o ciclo e basta tomarmos consciência de que os nossos filhos
estão sempre prontos, disponíveis para nos receber e para aceitar o que temos
para lhes dar, sobretudo quando conseguem sentir que estamos realmente dispostos
a tentar fazer diferente.
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