sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Quando é que as crianças devem entrar na escola

Uma das perguntas que surge com mais frequência sempre que dou workshops ou palestras sobre parentalidade é a de qual a idade ideal para entrar na escola. Esta é também uma das questões que, mais frequentemente, traz pais à minha consulta: as dificuldades em lidar com a entrada na escola dos filhos e frequentemente também acho que é uma das que mais equívocos tem gerado. 

Gordon Neufeld, um psicólogo canadiano que admiro bastante, construiu um modelo muito completo do desenvolvimento infantil em que explica que o mais importante na vida de qualquer criança é a sua capacidade de estabelecer um apego saudável, seguro e que funcione, primeiro com os pais e depois também com outros adultos importantes na sua vida. E, dentro deste modelo, Neufeld explica que a forma como encaramos hoje em dia a escola e forma como fazemos os nossos filhos vivê-la pode estar a por em perigo essa capacidade que é essencial para que a criança possa crescer e desenvolver-se da melhor forma.

Este é um tema complexo e difícil de resumir num artigo de blog e de que também já falei aqui, mas procurarei descrever algumas ideias chave deste modelo e da forma como podemos usar alguns dos seus pontos mais importantes para criar filhos mais felizes e seguros. 


O conceito de orientação para os pares

Neufeld explica que todas as crianças têm este instinto essencial de se ligarem e apegarem aos adultos que cuidam delas. Esta relação de apego é fundamental e forma a base e a matriz para toda a vida futura da criança e é através dela que a criança terá a capacidade de crescer e de se desenvolver de forma saudável. Então, uma das coisas que precisamos de fazer em primeiro lugar é reconhecer que essa dependência que a criança tem com os pais existe, é saudável e cumpre um papel importante no seu desenvolvimento. Só a partir dessa dependência e só quando esta é reconhecida, aceite e até celebrada é que a criança poderá tornar-se verdadeiramente autónoma. E por autónoma entenda-se o ser uma verdadeira pessoa com uma identidade própria, não propriamente o ser independente, porque na realidade nenhum de nós o é e acredito que a felicidade está, em parte, em sabermos reconhecer essa nossa dependência que nos permite estabelecer relações e cuidar dos outros ao mesmo tempo que nos deixamos cuidar.

Acontece que, quando decidimos que uma criança pequena precisa de passar o dia inteiro na escola, sem nós e, muitas vezes, sem um outro adulto com quem possa construir uma relação de apego, podemos estar a por em causa essa dependência e a interferir drasticamente com os instintos dessa criança.

Neufeld explica que, na maior parte dos casos, antes dos 5 anos de idade a criança não consegue agarrar-se à imagem das suas figuras de apego principais quando está fisicamente separada delas. Pelo menos não por mais que um par de horas. Mas este instinto de apego é muito forte - tão forte que sabemos que no caso de crianças institucionalizadas que nunca tiveram oportunidade de formar um vínculo até diminuem muito as suas probabilidades de sobrevivência – por isso a criança terá de procurar estabelecer essa relação com quem está perto. E, na escola, geralmente quem está mais perto são as outras crianças. Quando a criança se apega aos seus pares isto quer dizer que irá ficar muito mais resistente a formar relações com os adultos, porque as crianças pequenas não têm capacidade de formar relações de apego com muitas pessoas e porque estes apegos passam a competir entre si. Neufeld explica que a relação de apego funciona como um íman e quando activamos um dos seus pólos para atrair um determinado tipo de relação, o outro pólo fica a repelir as relações opostas.

Acontece que o instinto da criança também lhe diz que ela só deve deixar-se orientar pelas pessoas com quem tenha uma relação de apego. Muitas vezes ensinam-se as crianças a não falar com estranhos mas, na verdade, a natureza certifica-se que as crianças não tenham muita vontade de interagir com estranhos através deste instinto de apego: a criança só obedece e só escuta de verdade as pessoas a quem está apegada.

Então, Neufeld explica que esta é uma das causas dos problemas graves de indisciplina que se vêem nas escolas hoje em dia: a partir do momento em que as crianças passam a orientar-se para os pares, passa a ser a opinião destes que importa e passa a ser este comportamento que querem imitar e também passa a ser aos seus pares que querem impressionar. Por isso a opinião dos adultos passa a ser muito menos importante e por isso também passa a ser muito mais difícil que estes se deixem orientar por eles. Podemos ver a gravidade deste problema nos nossos dias se repararmos que, por exemplo, os ídolos dos adolescentes são, hoje, eles próprios adolescentes também. Há uns anos atrás isto não aconteceria tão facilmente e é claro que um adolescente não poderá ser um exemplo de comportamento tão bom como o de um adulto, pelo menos como o de um adulto verdadeiramente desenvolvido.
Para saber mais sobre este tema vale a pena ver a palestra dada por Neufeld, aqui:Why Kids need us more than Friends

Como lidar com isto 

Adiar a entrada na escola - A coisa mais simples que podemos fazer para lidar com isto e para impedir que a tal orientação para os pares aconteça é não termos pressa de colocar os nossos filhos na escola. As crianças precisam mais de estar com adultos, com quem possam estabelecer relações, do que com outras crianças. Neufeld usa uma expressão muito bonita para falara da idade em que acredita que uma criança só está pronta para ir para a escola, ele diz que isto acontece quando ela já nos deu o seu coração. Dar o coração acontece quando a criança diz espontaneamente que nos ama, que gosta de nós e isto mostra que ela está pronta para se agarrar a esse amor mesmo quando está connosco. Mostra que esse amor já é suficientemente real para que possa servir-lhe de bússola, de orientação e de conforto mesmo quando não estamos presentes fisicamente. E, segundo Neufeld, isto dificilmente acontecerá antes dos 5 anos de idade. Antes disso a criança até poderá dizer que nos ama ou que gosta de nós, mas fá-lo-á mais como uma resposta ou por imitação. Quando a criança nos dá o seu coração isto acontece de forma totalmente espontânea e podemos ver que a criança o faz com toda a sua emoção e de uma forma bastante profunda. Então, só nesta altura é que ela estará verdadeiramente pronta para lidar com a escola e com separações diárias mais prolongadas.


Quando não podemos adiar a entrada na escola

Procurar escolas que se centrem no apego – um bom educador sabe que precisa de fazer com que as crianças se liguem a si antes de conseguir fazer o que quer que seja com elas e um bom educador sabe, instintivamente, que esta tem de ser a sua prioridade e que nem vale a pena tentar fazer mais nada enquanto não conseguir criar esta ligação especial com cada uma das crianças que tem ao seu cuidado.

Ajudar a transferir o apego – os pais, como figuras primárias de apego da criança, precisam de fazer a ponte entre a criança e a escola. Quando estamos a falar de bebés, é mais facilmente aceite  que a adaptação à escola seja feita de forma gradual e com poucas horas de cada vez. Mas com crianças mais velhas isto também é muito importante. É importante dar tempo à criança para ir conhecendo a escola e é importante que isto seja feito com a presença dos pais ou avós, quando estes são também uma referência para a criança.
O instinto de apego é também um instinto de proteccção, por isso, ele fica muito mais activo quando a criança está num sítio estranho e o que lhe diz este instinto é que, em situações potencialmente ameaçadoras, ela deve procurar a proteção dos seus pais ou figuras de apego. Por isso, se queremos uma transição suave, é essencial que os pais estejam presentes, algumas horas nos primeiros dias de escola, para que esse sítio possa tornar-se familiar e deixe de activar essa resposta de alarme na criança.
Depois é muito importante que os pais também saibam que a criança vai precisar de estabelecer essa relação de apego com o educador com quem irá ficar todo o dia. E, para que isso aconteça mais facilmente, é importante que eles actuem como uma espécie de ponte: a criança precisa de ver os pais em comunicação com o educador, para sentir que aquela pessoa é segura, precisa de ver que os pais e o educador se dão bem e que existe uma relação entre eles para que o seu instinto lhe diga que é seguro ficar com aquela pessoa e estabelecer uma relação com ela.
Muitos educadores não gostam de ter os pais presentes na sala durante os primeiros dias mas isto pode ser mesmo essencial, com crianças com menos de cinco anos, para que a transição seja feita da melhor forma e para que as crianças tenham verdadeiramente uma oportunidade de estabelecer uma boa relação com eles.
Nenhuma criança gosta de sentir que é deixada sozinha num lugar estranho com estranhos porque isso vai totalmente contra todos seus instintos e pode mesmo por em causa a sua capacidade de se apegar aos adultos que cuidam dela.
Neufeld diz que deveríamos criar rituais em que os pais e educadores pudessem conviver, na presença da criança e que acontecessem com alguma regularidade, para que esta se possa sentir verdadeiramente segura.

Limitar o número de alunos – nenhuma turma de crianças com menos de 5 anos deveria ter um número grande de alunos. Porque é essencial que o educador possa estabelecer relações seguras com cada um e claro que isso será tão mais difícil quanto mais forem os alunos.

Procurar escolas centradas na brincadeira - é essencial que as crianças tenham tempo para brincar livremente antes de começarem a aprender a contar ou escrever. Só assim é que o seu cérebro e a sua curiosidade natural poderão estar preparados para iniciar um período de aprendizagem intelectual que, idealmente, não deverá começar antes dos 6, 7 anos de idade.

Mudar a organização das escolas centrada na idade - na maioria das escolas as crianças estão apenas com crianças da sua idade e, na verdade, Neufeld  explica que isto não tem nada de natural. As crianças da mesma idade têm muito mais tendência para competir umas com as outras e criam muito mais tensão umas nas outras. Se as crianças puderem estar com crianças de várias idades os mais pequenos vão-se juntar naturalmente aos mais velhos e esta poderá até ser uma boa de prevenir o bullying de que tanto de fala hoje em dia. 

Limitar a exposição aos pares – Neufeld diz que as crianças precisam mesmo é de estar com adultos e muitas vezes estamos tão preocupadas em fazê-las socializar que, para além da escola, ainda passamos os fins de semana em festas de anos nessa ânsia de achar que as crianças precisam de conviver com outras crianças quando, na verdade, elas precisam é de estar connosco e com outros adultos significativos nas suas vidas. Se o convívio com os pares fosse uma boa forma de socializar, as crianças de rua e os membros de gangues seriam modelos exemplares de um bom desenvolvimento.
Isto inclui também pensarmos que, nas escolas, é importante que haja muito mais adultos no recreio, por exemplo e é importante que estes interajam com as crianças e não se limitem a intervir em situações de crise.

Manter a presença dos pais na sala- por parte dos educadores pode ser também muito importante manter viva a presença dos pais dentro da escola. Dizer a uma criança que chora porque a mãe nunca mais chega que faça um desenho para lhe dar quando ela vier, por exemplo, ajuda-a a manter o foco na re-união que irá acontecer no final do dia e ajuda-a manter viva a imagem desse amor que sente por ela o suficiente para aguentar a separação. 

Recolher a criança - Neufeld explica que é essencial recolher a criança depois de cada separação, isto serve para restabelecer a ligação e lembrá-la que essa relação de apego existe. É muito importante que o façamos de manhã, depois de a criança acordar - porque o sono também é uma separação - e ao final do dia quando vamos buscá-la à escola ou quando chegamos a casa. Para ajudar a criança a por o foco nessa ligação de apego. A primeira coisa que fazemos deverá ser sempre restabelecer essa ligação: deixar que a criança venha ter connosco, se for na escola, e dar-lhe algum tempo para se reaproximar enquanto mostramos que estamos presentes e totalmente disponíveis. E não ter medo de mostrar que também sentimos muito a falta dela e que também gostávamos de ter passado o dia inteiro juntos. 
Só depois dessa ligação se ter restabelecido é que a criança estará verdadeiramente pronta para ser orientada ou dirigida por nós. 


Existem estudos que mostram que, ao final do dia, os níveis de cortisol na corrente sanguínea de crianças do jardim escola começam a subir (quando deveriam estar a descer) mostrando que estão claramente em stress. 
Aquilo que digo, muitas vezes aos pais, é que colocar uma criança pequena na escola não irá prejudicá-la para o resto da sua vida mas precisamos de ter noção que o que estamos a pedir a essa criança que faça não é nada natural e vai contra todos os seus instintos por isso é muito importante que encontremos formas de tornar essa transição o mais suave possível. 
E sobretudo precisamos de não ter medo de assumir um papel de destaque na vida dos nossos filhos, precisamos de não ter medo que dependam de nós e de lhes mostrar que podem confiar em nós e que podem, como diz Gordon Neufeld, "descansar no nosso amor". 







terça-feira, 20 de outubro de 2015

Desafio - conhecendo novos blogs


Fui desafiada pela Patrícia Marques do blog: http://patriciaiscooking.blogspot.pt para responder a algumas perguntas. Por isso aqui vão as minhas respostas:


1. Se soubesses que o mundo acabava amanhã o que escrevias hoje no teu blog?

Se o mundo fosse acabar acho que já não importava muito o que escrevesse. Tentaria passar todo o tempo com o meu filho e pessoas de quem gosto e esperaria que os outros fizessem o mesmo. 

2. Nunca te sentes intimidada com o conhecimento de que foge ao teu controlo quem lê o que escreves?

A ideia é mesmo que o máximo de pessoas leiam aquilo que escrevo e é-me muito agradável ter esta ideia de que consigo chegar às pessoas, mesmo a quem não conheço e não me conhece de lado nenhum, mas claro que haverá sempre algum receio do julgamento alheio ou de ser mal entendida ou mal interpretada. 

3. E intimidada com o poder influenciar a vida de pessoas que nunca virás a conhecer pessoalmente?

A internet realmente é algo fabuloso neste sentido e permite-nos chegar a mais pessoas do que alguma pensaríamos ser possível. Mas para mim é muito gratificante essa sensação de que posso chegar às pessoas e transmitir aquilo em que acredito por isso mais do que intimidada sinto-me sempre grata por essa possibilidade. 

4.  Para que/quem serve realmente o teu blog?

Acho que serve para pais e mães e outros educadores que estejam interessados em perceber que existem outras formas diferentes de educar os filhos que, por enquanto, ainda fogem ao que é  mais comum e que procuram informação alternativa mas, ao mesmo tempo, assente num trabalho sério de pesquisa e de compreensão do desenvolvimento infantil. 

5. Se pudesses escolher outro país/outra língua onde o teu blog fosse lido como o é em Portugal qual seria? Porquê?

O português tem a vantagem de nos permitir chegar a outros países, como o Brasil, onde sei que algumas pessoas também lêem o meu blog. Mas, se o conseguisse traduzir seria, sem dúvida, para inglês que é a língua universal nos nossos dias e que nos permite chegar a quase todos os pontos do globo. 

6. Se pudesses escolher um só blog para ler e seguir qual seria?

Essa é uma pergunta muito difícil para mim porque tenho interesses muito variados, desde as questões relacionadas com o desenvolvimento infantil e com a educação, passando pelo yoga e pela meditação até aos direitos dos animais e à alimentação. Por isso não consigo mesmo destacar apenas um (até porque eu própria tenho já três, com estes temas diferentes). 

7. O que te faz sorrir?

O sorriso do meu filho e as coisas que diz e faz nas suas brincadeiras. 

8. E o que te faz chorar?

A forma como, infelizmente, ainda respeitamos tão pouco as crianças, os animais e o planeta. 

9. Se pudesses viver até aos 150 anos como seria acordar nessa data?

Acho que não seria muito simpático se todas as pessoas de quem gosto hoje em dia já tivessem morrido. Por outro lado, como sou optimista, esperaria encontrar um mundo mais empático e evoluído em muitas coisas. 

10. És quem gostarias de ser?

Tento aceitar-me a cada dia como sou e não me impor grandes metas ou expectativas por isso, hoje, acho que posso dizer que sim. 

O desafio consistia ainda em escolher três blogs a quem fazer mais dez perguntas que podem ser as mesmas ou repetidas ou uma mistura de novas com as que já foram feitas. Escolho estes três blogs:

http://veggiecomidadeliciosa.blogspot.pt/

http://www.omeletassemovos.com/category/blog/

http://ikigaipassion.weebly.com/

E aqui vão as perguntas: 

1. Porque decidiste criar o blog? 

2. Porque escolheste este nome para o blog? 

3. O que te inspira para escrever no blog? 

4. Se pudesses mudar algo no mundo o que seria? 

5. Como imaginas o teu blog daqui a 5 anos? 

6. Quais os teus conselhos para uma vida saudável? 

7. O que procuras nos blogs que lês? 

8. O que é que o blog tem trazido para a tua vida? 

9. Para que/quem serve realmente o teu blog? 

10. O que gostarias de alcançar com o teu blog? 


terça-feira, 13 de outubro de 2015

O normal e o patológico *

Há uns dias ouvi a conversa de duas amigas sobre a irmã de uma delas que foi mãe há pouco tempo. Essa amiga contava que têm sido uns meses difíceis para a irmã porque o bebé não dorme mais de vinte minutos seguidos e os pais estão os dois muito cansados. A outra amiga respondia solidária que os primeiros tempos são mesmo assim e que os primeiros meses são sempre os mais cansativos, que depois as coisas vão melhorando. Essa mulher terminava dizendo que algo que uma amiga também já me tinha dito na altura em que estive grávida: que os filhos nos dão o melhor mas também o pior muitas vezes.

Depois desta conversa não pude deixar de pensar que vivemos numa sociedade em que existe uma enorme tendência para normalizar o que não é natural e para patologizar aquilo que é natural. Por vezes atendo algumas mães que chegam até mim com receio de contar que os filhos com 3 ou 4 anos ainda mamam, ou que dormem na cama delas, ou que não adormecem sozinhos. E, mesmo que muitas saibam que eu defendo abertamente a amamentação prolongada (que nem se deveria chamar prolongada visto que é apenas natural) ou o co-sleeping, é visível o receio de quem está habituado a ser constantemente criticado pelos profissionais de saúde ou pela sociedade em geral.

Não há nada de errado com uma criança que mama aos 3, 4 ou 5 anos de idade (ou mais). Não há nada de errado com uma criança que não consegue dormir sem a presença dos pais e não há nada de errado com uma criança que não consegue adormecer sozinha. Assim como também não há nada de errado com um bebé que pede constantemente colo. Mas, a maior parte das vezes, a sociedade faz-nos pensar que sim. Estes são mesmo os quatro aspectos que mais preocupam os pais que tentam estar mais atentos e conscientes das necessidades dos filhos - e que, infelizmente, que acabam por fugir da corrente -  porque são justamente aqueles que são mais criticados e mais mal vistos pela maior parte das pessoas. E são aqueles que muitos profissionais de saúde tendem a patologizar achando que são sinal de que algo poderá não estar bem com a criança ou que podem contribuir para criar algum tipo de insegurança ou para impedir o desenvolvimento da sua autonomia, por isso vale a pena falar um pouco de cada um deles.

Sobre a amamentação e o desmame natural

Em relação à amamentação, na verdade, não existe nenhuma idade certa para o desmame que deve acontecer apenas quando a criança sentir que está preparada para tal. De acordo com vários investigadores, e dependendo do tipo de indícios que se procurarem, a idade natural do desmame para a espécie humana andaria entre os 2 anos e meio e os 7. Esta margem grande depende do sítio onde procurarmos os argumentos válidos para o desmame: podemos comparar as crias humanas com as dos outros mamíferos nomeadamente os primatas, ou procurar saber como acontece ainda nas poucas sociedades que ainda vivem isoladas ou procurar vestígios arqueológicos que, com base na dentição, nos permitam saber até que idade era habitual mamarem os nossos antepassados. Então, com base nestes dados e também no facto de que o leite materno fornece todos os nutrientes de que a criança precisa durante o primeiro ano de vida e continua a fornecer uma série de nutrientes que são essenciais, pelo menos, durante os dois primeiros anos, podemos dizer que o que não será natural é que as crianças deixem de mamar antes dos dois anos de idade. Isto é mesmo o que a OMS recomenda, que a amamentação se mantenha, pelo menos, durante os primeiros 24 meses de vida da criança.

O leite materno também parece ter uma importância fundamental no funcionamento e desenvolvimento do sistema imunitário da criança que se forma principalmente nos dois primeiros anos mas que só se encontra totalmente desenvolvimento aos seis anos de idade, pelo que, até esta data provavelmente ainda existem benefícios importantes em fornecer este alimento às crianças. Mas, na verdade, aquilo que é normal hoje em dia, normal do sentido de ser o mais comum, é que as crianças parem de mamar muito antes dos dois anos de idade. Então estamos a normalizar aquilo que, na verdade, se seguíssemos o que é natural e desejável para um bom desenvolvimento, afinal não digo que devesse ser patológico mas não deveria com toda a certeza ser encarado com tanta naturalidade.

Mas, infelizmente muitos psicólogos e outros profissionais ainda ajudam a criar na cabeça das mães o receio de estarem a impedir a autonomia dos filhos quando lhes dão de mamar até mais tarde. Quando todas as investigações mais recentes mostram que, quer do ponto de vista biológico, quer do ponto de vista psicológico esta aproximação e este contacto que a amamentação permite só podem ser benéficos para a criança e não ganhamos absolutamente nada em retirar-lhe algo de que ela ainda sente falta.

Na amamentação também se misturam muitas questões mal resolvidas com a sexualidade e os fantasmas de uma psicanálise mais fundamentalista - com a sua ênfase excessiva na sexualidade infantil - ajudam a cimentar isso. Vivemos numa sociedade hipersexualizada, em que o corpo e a imagem da mulher são usadas para tudo: desde ajudar a vender carros até para dar audiências em séries de televisão. Vemos constantemente mulheres nuas ou semi-nuas em anúncios de revistas, ou cartazes de televisão como formas de apelar à compra e ao consumo. Mas, ao mesmo tempo, vivemos cada vez mais distantes dos nossos corpos e das suas funções naturais. Esta hipersexualixação de tudo é apenas reflexo de uma sociedade que quer usar todos os meios ao seu dispor para se alienar, de uma sociedade que vive tão desconfortável que procura por todos os meios esquecer esse desconforto encontrando fugas nos prazeres mais fáceis de obter. E a gratificação sexual é um prazer fácil e serve tão bem para fugirmos de nós mesmos como o consumo desenfreado ou o consumo de drogas ou outras substâncias. E, nesta fuga, acabamos por nos afastar tanto de tudo o que é natural que a visão de uma mulher a amamentar uma criança de dois ou três anos nos traz imediatamente a sensação de desconforto de quem já não consegue aceitar com naturalidade esse papel. Então precisamos de simplificar e voltar a perceber que o corpo da mulher pode servir para muitas coisas mas que uma delas é gerar e alimentar as crianças que dele nascem. Ou até mesmo as que não nasceram desse corpo porque existem casos de mães adoptivas que conseguem também amamentar, de tal forma é importante esse instinto.

Falei também de amamentação aqui

Sobre o co-sleeping ou a cama partilhada 

Em relação ao co-sleeping, este é um tema sobre o qual também existem muitos fantasmas. Fantasmas esses de que já falei neste artigo, que é mesmo o mais lido e partilhado deste blog - o que demonstra como este é um tema que incomoda tanto as pessoas. Mas o mais importante aqui é sabermos também que, na verdade, é muito mais natural a criança que precisa de dormir com os pais do que o bebé que, aos 4 ou 5 meses, já dorme sozinho no quarto. 

O sono é outra das grandes preocupações de muitos pais recentes. E na conversa destas amigas era aceite com naturalidade que o primeiro ano fosse muito difícil e que o bebé dormisse pouco. Mas não é aceite que um bebé precise do contacto dos pais para dormir o que, no entanto, é perfeitamente natural. Na realidade, se um bebé não dorme mais de vinte minutos seguidos, é preciso sabermos que isso não é natural. Os recém nascidos e bebés pequenos estão naturalmente programados para dormir muito e muitas vezes por dia. Então temos de perceber o que está a impedir aquele bebé de dormir e não apenas aceitar que pode ser natural que ele durma pouco porque há bebés que dormem menos. porque o sono é essencial para o bem desenvolvimento do bebé, do ponto de vista neurológico e não só e porque problemas de sono na infância podem mesmo repercutir-se pela idade adulta.

Acontece que, aquilo que os bebés, na grande maioria destes casos, precisam para dormir é justamente aquilo que achamos que não é natural: do nosso colo durante a maior parte do tempo. Há bebés que realmente só dormem bem em contacto com os pais. Isto não é errado e não tem nada de mal. Na verdade, é perfeitamente natural, esta necessidade de contacto físico que alguns bebés demonstram de forma mais veemente do que outros mas que todos têm em maior ou menor grau. E, estes bebés de que os pais se queixam que acordam ao fim de vinte minutos, na grande maioria dos casos, se lhes for permitido ficarem tranquilamente em contacto com os pais durante todo o tempo em que dormem, passam a fazer sestas muito mais compridas. O meu filho só passou a ser capaz de dormir algumas horas sozinho na cama a partir dos 8 meses. Antes disso precisava de estar todo o tempo em contacto comigo ou com o pai e se o tentássemos pousar também não dormia mais de 15 ou 20 minutos, ao passo que ao meu colo, confortavelmente instalado num pano, chegava a dormir sestas de 4 horas seguidas.

Da mesma forma que uma criança mais velha pode precisar de dormir na cama dos pais ou de ter companhia até adormecer e isto não tem nada de errado. Dormir é uma necessidade fisiológica, como comer, por exemplo, por isso não se ensina ninguém a dormir, todos os bebés nascem a saber dormir. E é algo que fazem bastante bem e com muita frequência se estiverem criadas as condições necessárias. Por isso é da nossa responsabilidade criar as condições necessárias para que a criança possa abandonar-se ao sono e sentir-se suficientemente segura para se deixar adormecer. E, em muitas casos, a nossa presença física pode ser uma condição essencial para essa segurança e não ganhamos nada em recusá-la. 

Falei mais sobre co-sleeping aqui.

Sobre o primeiro ano de vida 

Por outro lado, é frequentemente aceite que o primeiro ano de vida de um filho seja difícil e sofrido. Mas isto também não é muito natural. É verdade que nesta altura se dorme pouco, com um sono interrompido e nem sempre conseguimos organizar-nos para dormir o que precisamos ao longo do dia como deveriam fazer todas as mães de recém-nascidos. Mas também é verdade que este é um ano de descoberta, de enamoramento e, quando estamos apaixonados tudo se torna mais fácil.

Da parte do bebé é importante sabermos que um choro muito frequente também não é natural como tantas vezes se quer fazer querer. O choro não é de todo a linguagem do bebé como tantas vezes se diz. O bebé comunica de muitas formas: com o olhar, com os gestos, com o agitar de braços e pernas, com o sorriso, com o seu balbuciar e com todo o corpo quando se inclina para ir para o colo do pai ou da mãe, por exemplo. O choro é tanto a linguagem de um bebé como os gritos são a linguagem de um adulto. Quando o bebé chora é porque os seus primeiros sinais foram ignorados. Nos primeiros dias de vida a sua forma de comunicar ainda é muito limitada e também é natural que os pais tenham dificuldade em decifrar os seus sinais mas o natural, quando tudo corre bem, é que os pais comecem a decifrar cada vez melhor esses sinais e também que o bebé comece a ser cada vez mais capaz de se expressar, mesmo ainda sem falar. Por isso, quando tudo corre bem, é suposto que os períodos de choro intenso se vão tornado cada vez menos frequentes. Infelizmente somos demasiado tolerantes com o choro dos bebés e temos muita tendência para o desvalorizar e, se não é preciso entrar em pânico ou ficar ansioso porque o bebé chora com alguma frequência, é essencial que saibamos que é importante descobrir aquilo que o faz chorar. Escrevi este artigo sobre Como lidar com o choro de um bebé.

Do ponto de vista dos pais a parentalidade pode trazer consigo muitas sombras, emoções desafiantes e até sentimentos e recordações que nem sabíamos que existiam e que podem incomodar, por vezes. Mas, por outro lado, ser mãe ou pai de um bebé também é dos sentimentos mais gratificantes que existem. A natureza é sábia e não poderia ser de outro modo se queremos a continuação da espécie. E, quando tudo corre bem e é vivido com naturalidade o choro não é assim tanto e esse estado de paixão e de enamoramento sobrepõe-se facilmente ao cansaço.

Um bebé que está bem é um bebé que é fácil transportar para qualquer lado com um porta-bebés tornando muito mais fácil a vida dos pais. Além disso quando o bebé mama o facto de não ser preciso carregar biberões e outros alimentos também torna muito mais descontraídas e fáceis as saídas.

(Falei aqui sobre babywearing)

A parentalidade traz, naturalmente, desafios ao casal e passa a estabelecer-se uma nova dinâmica em que muita coisa muda. Mas, se a relação for sólida e se houver respeito e apoio entre ambos estes desafios são motivo para um crescimento que ambos farão juntos.

Uma das queixas frequentes nesta altura é o facto do pai se sentir um pouco à parte dessa dinâmica própria que se estabelece entre a mãe e o bebé e se criar assim uma emoção ligada a um ciúme mais ou menos consciente. Mas, se o pai estiver bastante envolvido na relação com o bebé consegue, deixa de se sentir à parte e pode retirar daí também uma gratificação importante para que se sinta feliz nesta nova fase da vida.

Em relação a este primeiro ano de vida então aquilo que é importante perceber é que, tudo pesado, cansaço físico e mudanças na família e na dinâmica, esta deve ser uma altura de felicidade e não de sofrimento. E, se notamos que o sofrimento começa a sobrepor-se demasiado a essa felicidade então é mesmo importante que procuremos ajuda. Até porque sabemos que os primeiros anos de vida são essenciais na formação do cérebro e de toda a personalidade futura da criança por isso é importante que sejam vividos com o máximo de qualidade. Sabemos, por exemplo, que uma depressão pós-parto não tratada tem um efeito muito negativo não apenas na mãe mas também no próprio bebé que passa a ter mudanças de comportamento que o poderão afectar para o resto da sua vida e influenciar muito a sua capacidade de estabelecer relações significativas e satisfatórias. Pode ler mais sobre isto aqui.

É muito importante que comecemos a ter noção da importância que tem a forma como falamos das coisas e a forma como a nossa linguagem pode contribuir para desvalorização daquilo que precisa de ser importante. E é também muito importante que sejamos capazes de ver que a forma como, hoje em dia, criamos os nossos filhos tem cada vez menos de natural e que muitos dos comportamentos que, infelizmente, são comuns, na verdade deveriam ser encarados com muito menos leveza. Importa também saber voltar a encarar com naturalidade os nossos instintos e a nossa natureza que, com toda a certeza nos lembram de como é natural dar aos nossos filhos todo o contacto físico de que necessitam para crescerem felizes e seguros, seja através do colo, da mama ou da cama partilhada. 

Para saber mais sobre este tema e sobre aquilo que seria natural para os nossos bebés, de acordo com vários investigadores e estudos recentes pode ler também este artigo.

* O normal o patológico é o nome de um livro clássico e polémico para a época de Georges Canguilhem, publicado em 1943, em que este filósofo francês questiona o conceito de normalidade e de doença, afirmando que não existe uma divisória bem definida entre as duas coisas que devem ser vistas mais como diferentes manifestações de uma mesma linha contínua. 

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Aprender a ser feliz

Estamos em época de exames, por isso, naturalmente, estes têm estado na ordem do dia e são motivo de conversa de pais e notícias de jornal. Felizmente começam a surgir muitas vozes a questionar a validade destes exames, sobretudo no caso das crianças mais pequenas, como é o caso dos alunos do quarto ano. Não sou a favor dos exames da quarta classe nem dos moldes em que são conduzidos mas, a verdade, é que o problema não está só nos exames mas em toda a atitude que cada vez mais temos para com as crianças e jovens e a sua relação com o ensino.

A verdade é que a motivação para aprender é algo que surge naturalmente quando tudo corre bem na vida de uma criança. As crianças são naturalmente curiosas e interessadas e querem descobrir e perceber o mundo que as rodeia. Claro que nem todas terão interesse pelas mesmas coisas e nem todas querem descobrir as coisas da mesma forma e nem todas absorvem a informação do mesmo modo. Mas, se soubermos procurar e dar-lhes espaço e as condições necessárias para que ela se manifeste, essa curiosidade está lá. Só precisa que a orientem de vez em quando e que a ajudem por vezes a saber como pode ser satisfeita, mas não precisa de ser imposta ou forçada.

O trabalho de Sugata Mitra - que fez algumas experiências muito interessantes com crianças em aldeias remotas do interior Indiano que nunca tinham visto um computador e que aprendiam a usá-lo sozinhas - demonstra bem isso mesmo: que a vontade de aprender e de retirar sentido do mundo é inata nas crianças e esta vontade pode ser reforçada ou apoiada mas é algo que, quando tudo está bem se manifesta naturalmente, desde que existam as condições necessárias para isso. Para saber mais sobre o trabalho interessante deste investigador pode ver aqui o vídeo da sua palestra vencedora do Ted Talks de 2013.

A segurança como uma condição fundamental para a aprendizagem 

É verdade que a vontade de aprender é algo natural nas crianças e jovens mas esta vontade precisa de algumas condições para que possa manifestar-se e, uma delas, é a segurança. A sensação de que estamos seguros é fundamental para que possamos aprender o que quer que seja. Do ponto de vista fisiológico sabemos que, sempre que estamos em estado de alerta - o que acontece quando não nos sentimos completamente seguros - o nosso organismo dá origem a uma série de reacções e de alterações fisiológicas que se destinam a permitir-nos combater as ameaças. Uma das coisas que acontece quando é despoletada uma resposta de stress é uma alteração ao nível da circulação no próprio cérebro: o sangue é desviado da zona do córtex pré frontal, que nos permite ter um tipo de pensamento mais racional, mais cuidado, mais do tipo intelectual, para a zona do sistema límbico que está mais associada ás emoções mas também aos comportamentos e reacções instintivas. Isto mostra porque é que, sempre que estamos em estado de alerta se torna muito mais difícil pensar de forma reflectida e cuidada sobre o que quer que seja.

Também por isso os estados de alerta ou de tensão reduzem a criatividade como demonstrou claramente uma investigação feita com dois grupos de estudantes universitários. A estes estudantes era pedido que resolvessem um labirinto daqueles que se dão ás crianças, do género do que está na imagem. Mas, apesar de os labirintos serem iguais, as instruções eram diferentes para os dois grupos: ao primeiro era pedido para preencherem o labirinto para que o ratinho pudesse chegar ao queijo que se encontrava no final e, ao segundo, era pedido que preenchessem o labirinto para que o ratinho pudesse fugir de uma coruja que o que queria comer.

No final eram aplicados aos dois grupos alguns testes de criatividade e a conclusão a que se chegou foi que o grupo que tinha resolvido o labirinto para fugir da coruja tinha uma pontuação, em média, 50% inferior à do outro grupo.

Então, este teste tão simples, mostra que a nossa criatividade fica mesmo mais limitada sempre que estamos a funcionar num modo de alerta. E a criatividade também é uma parte essencial da aprendizagem, pelo menos da aprendizagem genuína.

Para sermos criativos e inteligentes precisamos mesmo de nos sentir seguros. Porges é um investigador que elaborou aquilo a que chamou a teoria polivaga e, de acordo com esta teoria, nós estamos constantemente a avaliar o ambiente em que nos encontramos. Porges criou uma expressão, a que chamou neurocepção, para a nossa capacidade de, constantemente, sermos capazes de avaliar nos outros traços que nos fazem sentir seguros ou não. De um modo inconsciente o nosso sistema nervoso vai avaliando as expressões faciais, o tom de voz, o ritmo do discurso e outros sinais subtis que nos permitem perceber se estamos ou não seguros com aquela pessoa. Porges diz que estabelecer ligações é uma das grandes prioridades do ser humano e, por isso, o nosso sistema nervoso evoluiu de forma a encontrar formas cada vez mais eficazes de o fazer.

Então, se uma criança não manifesta a sua vontade natural de aprender, por um lado, poderá ser porque não se se sente tão segura quanto deveria. Principalmente quando falamos de crianças pequenas, no primeiro ciclo, em que esse instinto ainda deveria estar mais presente.

Para que possamos aprender o que quer que seja precisamos de estar receptivos às trocas com os outros, com as pessoas e com tudo o que nos rodeia. Para aprender precisamos de ser capazes de deixar entrar o mundo e, ao mesmo tempo, precisamos de estar seguros de que saberemos lidar com ele. Se isto não acontecer ficamos no tal estado de alerta que limita muito a nossa capacidade de fazer qualquer tipo de troca com as outras pessoas ou com aquilo que nos rodeia.

Um aspecto básico desta teoria e que tem vindo a ser cada vez mais confirmado por várias investigações é que, para nos sentirmos seguros, é essencial que nos sintamos acolhidos, aceites e amados. Então a prioridade das escolas deveria ser privilegiar as ligações e as relações antes de qualquer outra coisa. Uma criança para aprender tem que se sentir segura e uma criança só se sente segura se se sentir acolhida pelos adultos que tomam conta de si. Se conseguirmos que isto aconteça resolvemos uma boa parte de muitos dos problemas de aprendizagem que podem surgir.

Mas é claro que para este acolhimento ser verdadeiramente possível a escola e os professores também deveriam ter em conta que os alunos não são todos iguais, não gostam das mesmas coisas e não aprendem da mesma forma. E os próprios alunos deveriam ter espaço para descobrir isto por eles mesmos.

A maior parte das vezes as escolas focam-se demasiado em ensinar coisas aos alunos em vez de lhes darem espaço simplesmente para descobrirem de que é que gostam e o que é que sabem fazer. Isto é ainda mais importante nos primeiros anos, nas creches e jardins de infância em que as crianças passam demasiado tempo em actividades programadas e obrigatórias numa idade que deveria ser ainda muito mais dedicada à descoberta de quem são e ao estabelecimento de boas relações com os outros mas, principalmente, consigo próprias.

Quando procurei uma escola para o meu filho uma das coisas de que gostei muito foi de ver que existem escolas onde isto não é assim, onde a prioridade não passa por ensinar números ou letras a crianças que ainda precisam de descobrir o mundo dentro de si mesmas. Na escola do meu filho, na infantil, existem muito poucas actividades fixas e as crianças aprendem a gerir o seu tempo e a escolher aquilo que querem ir fazendo. Mas, mais importante que tudo, aprendem a conhecer-se a si e aos outros e é isto que é fundamental nesta idade, muito mais do que aprender números ou letras, aprendizagens que, nesta fase, servem apenas para estimular desnecessariamente o funcionamento intelectual e racional que não pode e não deve ser uma prioridade, muito menos em crianças pequenas.

Temos hoje infelizmente imensos jovens que sabem ler e contar, que até têm boas notas, por vezes, mas que não fazem a mínima ideia de que é que gostam, o que é que os preenche e acho que isto é um dos maiores fracassos na educação de uma pessoa.

O foco nas notas como uma fonte de insegurança e mal estar 

Por outro lado aquilo que vejo nos pais com demasiada frequência é que estão completamente focados nas notas que a criança tem e não no processo de aprendizagem em si. E, acontece que, nem sempre as notas são reflexo desse processo de aprendizagem e as notas nunca podem ser o mais importante desse processo.

Acho que isto acontece em parte por haver alguma insegurança da parte dos pais. Porque querem que os seus filhos tenham sucesso na vida, querem que sejam felizes e acreditam que para isso precisarão de bons empregos que as boas notas os ajudarão a conseguir. Mas sabemos que as coisas não são assim tão simples. Sabemos que para o sucesso é muito mais importante a inteligência emocional do que o Q.I. e sabemos que esta inteligência emocional nem sempre se reflecte em boas notas. 

O que vejo também muitas vezes é que os próprios pais estão inseguros no seu papel de pais e isso reflecte-se no desejo de que a criança tenha boas notas, porque se tiver boas notas, é sinal de que estão a fazer alguma coisa bem. A mesma coisa acontece quando vão ao pediatra e querem muito que este lhes diga que o filho é inteligente, que está bem desenvolvido, etc. Porque, no fundo, não se sentem seguros no seu papel e precisam destas confirmações exteriores.

Mas um pai ou mãe que esteja verdadeiramente presente na vida do filho não deveria precisar de informações ou avaliações de outras pessoas para sentir que está a fazer um bom trabalho. Cada criança é diferente, cada uma tem o seu ritmo, o seu próprio tempo e os seus próprios gostos e esquecemos-nos disso demasiadas vezes. Ainda ontem estava numa sala de espera em que a mãe de uma menina de 14 meses me dizia com desgosto que ela só dizia olá - mas depois afinal já dizia também mais duas ou três palavras - o que é perfeitamente natural aos 14 meses de idade, mas a mãe achava pouco. E constantemente comparamos as crianças umas com as outras porque já falam ou porque ainda não falam ou porque começaram a andar aos 11 meses ou só aos 16 e acabamos por criar quase uma espécie de competição que não permite perceber que cada criança é única. E cada criança tem de ser única para nós. Cada criança tem de se sentir única para nós. E tem de se sentir apreciada nessa sua individualidade. E só assim, com esse reconhecimento de que tem o direito de fazer as coisas ao seu próprio ritmo e de acordo com a sua própria natureza é que podemos esperar que uma criança tenha gosto em aprender. E se uma criança tiver gosto em aprender essa aprendizagem surge naturalmente, com tranquilidade e com facilidade. E as notas, na verdade, são o menos importante disso tudo. As notas avaliam apenas uma parte específica do conhecimento da criança e a sua capacidade de a debitar naquele teste ou exame, pelo menos quando é nisso que se baseiam. Mas as notas são mesmo o menos importante, o mais importante de tudo é percebermos se a criança aprende feliz, se está a construir uma boa relação com a escola, com as aprendizagens que lá faz, com os adultos, com os colegas e, mais importante de tudo, consigo mesma. Porque se tudo isto acontecer estão criadas as melhores condições para uma vida plena de felicidade e de sucesso. Do verdadeiro sucesso que é sermos capazes de viver bem connosco e com os outros independentemente do trabalho ou caminho que escolhermos.

Porque a verdadeira felicidade vem de nos sentirmos livres para sermos nós próprios, para fazermos as nossas escolhas, vem de sermos capazes de traçar o nosso caminho independentemente das avaliações exteriores. E as notas são apenas avaliações exteriores, são apenas o julgamento que outra pessoa - que nos exames nem sequer nos conhece - fez sobre o nosso próprio processo de aprendizagem. E isso não é mesmo o mais importante, na verdade isso não deveria ser nada importante.

Quando criamos crianças que vivem focadas nas notas aquilo que lhes estamos a dizer é que o que os outros pensam dela é mais importante do que aquilo que ela sente, ou do que aquilo que ela vive ou pensa. Estamos a dizer-lhe que o mais importante é o julgamento exterior, que esse conta mais do que as suas próprias vivências e opiniões. E estamos a dizer-lhe também que não importa o processo, mas sim o resultado. Porque nem sempre as boas notas significam que a criança aprendeu bem e nem sempre as más notas significam que não aprendeu nada. E esse não é de todo o melhor caminho para sermos felizes, para nos sentirmos bem.

Por outro lado quando nos focamos apenas nas notas acabamos também por estimular a competição. E hoje isto é algo a que sujeitamos cada vez mais as crianças e que lhes diz que precisam de ser melhores, que têm de passar à frente, em vez de as ensinar a aprender valores de colaboração e de entre-ajuda que são muito mais importantes e podem contribuir muito mais para sua verdadeira felicidade. Se eu me focar em ser a melhor estarei sempre em alerta, nervosa, ansiosa, com medo de não conseguir ou com medo que apareça alguém ainda melhor do que eu. E existem cada vez mais crianças que vivem deste modo a escola. Crianças de 8,9, 10 anos que sofrem com os exames e com os testes e que vivem com medo de não serem as melhores alunas. Estas crianças vivem estados de ansiedade desde muito novas que não as irão ajudar em nada no futuro. Mas se as ensinarmos que o importante não é serem as melhores mas sim aprenderem a colaborar, a estabelecer relações e a estarem bem consigo mesmas, isto é muito mais valioso que qualquer 100% que possam ter em qualquer disciplina. E a ciência mostra cada vez mais que o nos pode trazer felicidade, genuína e duradoura, são os valores de cooperação, de entre-ajuda, de solidariedade. Então se queremos que os nossos filhos aprendam a ser felizes devemos ensinar-lhes que não importa se são melhores ou piores que os colegas a matemática ou a português mas que importa se são capazes de criar boas relações com esses colegas e era muito bom que as escolas percebessem que essa colaboração é muito mais importante para o futuro de todos nós do que a competição pelas notas. Os quadros de honra, algo que era comum no passado, hoje parecem voltar a estar na moda e, para mim, não há pior exemplo de vida que possamos dar aos nossos filhos que o desejo de se sentir valorizado e destacado, apenas por ser capaz de ter um melhor desempenho que os outros colegas numa disciplina qualquer. Não há melhor caminho para criar seres humanos infelizes, ansiosos e até e egoístas que ensiná-los que estar num quadro de honra qualquer, feito apenas com base nas notas que são dadas pelos professores, é um objectivo importante na vida. Seria muito mais positivo para todos se, em vez dos quadros de honra as escolas criassem grupos de encontro onde todos poderiam falar, expressar-se, comunicar de verdade e aprender a gerir conflitos, problemas, relacionamentos. Seria muito mais positivo para todos se as escolas em vez de fomentarem a competição, percebessem que somos todos mais felizes quando nos sentimos bem como quem somos e onde estamos e quando sentimos que não precisamos de competir com ninguém. 

Seria muito mais positivo para todos se as escolas percebessem que em vez de darem cada vez mais trabalhos de casa aos alunos lhes dissessem que é importante brincar. Seria muito mais positivo para todas as famílias que os pais não precisassem de fazer trabalhos de casa com os filhos, como se isso fosse uma parte importante da relação entre eles, mas pudessem simplesmente estar juntos e brincar juntos, sem precisarem da desculpa da escola ou da preocupação com os trabalhos para estarem verdadeiramente com os filhos.

Uma vez houve uma mãe que me procurou porque estava com muita dificuldade em estudar com o filho, acabavam sempre por se zangar e discutir mas a mãe dizia que se não o ajudasse a estudar ele não tinha notas tão boas como podia ter com essa ajuda. As notas melhoravam com a ajuda mas a relação de ambos só parecia piorar, por isso disse-lhe que tinha de estabelecer prioridades e pensar no que seria mais importante: garantir que o filha de 11 anos tinha cincos a quase tudo ou manter uma boa relação com ele, mesmo que isso implicasse que os cincos descessem para quatros ou mesmo três? Para mim não restam dúvidas: as relações são sempre mais importantes, a inteligência emocional deve ser a nossa prioridade e não a inteligência dos números e das letras. É com bons relacionamentos que se constroem pessoas felizes não com cincos a matemática ou português.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Mindfulness para pais

Mindfulness significa prestar atenção, de propósito e sem julgamentos ao momento presente. Este é um estado de atenção que pode ser mais facilmente aprendido através de uma prática de meditação mas que pode (e deve) ser integrado na nossa vida diária. Nos últimos anos este estado tem vindo a conhecer cada vez mais popularidade à medida que a ciência vai descobrindo os seus benefícios e cada vez mais profissionais – médicos, psicólogos e psiquiatras – o vão divulgando como uma excelente forma de combater o stress e de lidar com os desafios na nossa vida.

É um facto que são cada vez mais os desafios que precisamos de enfrentar nas nossas vidas e também é um facto que cada vez existem mais pessoas a sofrer com problemas relacionados com ansiedade, depressão e outras perturbações. Então é natural que se procurem cada vez mais alternativas. E existem também cada vez mais estudos a comprovar os benefícios do mindfulness, ou atenção plena, em português, para uma vida mais feliz, mais saudável e mais preenchedora. 

Com o avanço que tem acontecido no campo das neurociências estas já vieram demonstrar que, uma prática regular de mindfulness, pode até contribuir para modificar algumas estruturas do cérebro relacionadas com a resposta de stress mas não só: parece que o mindfulness pode contribuir para um retardamento de alguns sinais comuns do envelhecimento ao nível cerebral, aumentar algumas zonas relacionadas com a criatividade e até com a inteligência. Estes estudos demonstram aquilo que já se sabia há algum tempo: que a meditação pode realmente tornar-nos mais saudáveis, felizes, criativos e até mais inteligentes.


Outra das grandes vantagens do midfulness que, em boa parte, deve a sua popularidade ao trabalho de um médico dos E.U.A., Jon Kabat-Zinn, é que, desde que este médico o começou a divulgar nos anos 70 que se tornou mais fácil perceber que este é um estado ou uma prática acessível a qualquer pessoa, de qualquer idade e condição social. Antes do importante trabalho de divulgação e de investigação deste médico nesta área havia muito mais a noção de que a prática da meditação era algo difícil ou exigente e que seria apenas acessível a determinados grupos religiosos ou espirituais. Mas kabat-zinn deu um grande contributo para demonstrar que para meditar não precisamos de estar ligados a nenhuma tradição religiosa nem em nenhum tipo de retiro espiritual.

Para aplicarmos o mindfulness nas nossas vidas e para colhermos os seus muitos e variados benefícios precisamos apenas de alguns minutos de prática diária e de estarmos dispostos também a tentarmos estar presentes na nossa vida diária, seja a trabalhar, a brincar com os nossos filhos ou simplesmente no trânsito a conduzir.

Com esta prática percebemos também que a meditação não tem de ser algo demasiado trabalhoso ou inacessível a pessoas mais agitadas ou com mentes mais preenchidas, como tantas vezes se julga. Percebemos que qualquer pessoa pode meditar e que não precisamos de parar os pensamentos, como por vezes pensamos, para sentir todos os benefícios desta prática.

Benefícios do Mindfulness específicos para pais

Ser pai ou mãe é um dos maiores desafios que podemos enfrentar na nossa vida adulta.

O midfulness é uma óptima ferramenta para lidar com esses desafios porque, por um lado nos permite lidar da melhor forma com todo o stress que, tantas vezes está associado a este processo. E, por outro lado, pode ser também uma excelente ferramenta para criarmos um relacionamento com os nossos filhos que nos permita sentir verdadeiramente realizados nesta relação e que nos permita também perceber que podemos crescer juntamente com os nossos filhos e aprender a criar relações mais felizes, harmoniosas em que seremos mais facilmente capazes de transformar a nossa relação com eles numa fonte de prazer e de gratificação para ambas as partes mas também num espaço onde eles possam crescer de forma mais livre,  feliz e harmoniosa.

Para criar uma boa relação com os nossos filhos, em primeiro lugar, precisamos também de ter uma boa relação connosco. Precisamos de ter alguma capacidade de reflectir sobre a nossa própria história e de dar algum significado às experiências que vivemos. As investigações mostram que existe uma grande probabilidade de repetirmos com os nossos filhos o tipo de experiências que vivemos e de termos com eles o mesmo padrão de vinculação que tivemos com os nossos pais, a menos que alguma coisa na nossa vida, nos permita tomar consciência de tudo o que vivemos e encontrar algum tipo de significado para as nossas experiências, mesmo as mais negativas.

Todos conhecemos histórias daqueles pais que, durante toda a adolescência e início da idade adulta juraram nunca fazer com os filhos aquilo que os seus pais fizeram mas que, assim que se tornam pais, acabam por repetir exactamente os mesmos padrões. Por certo houve também alturas em que todos nos sentimos a agir exactamente como os nossos pais agiam connosco, ou pelo menos com bastante vontade de o fazer. Porque existem determinados padrões de relacionamento e de vinculação que ficam estabelecidos na nossa infância, ficam gravados na nossa memória implícita (que armazena todas as experiências importantes da nossa vida e que influencia diariamente o nosso comportamento de forma inconsciente, através da repetição de determinados padrões ou de comportamentos automáticos e certos mecanismos de defesa.

Então, precisamos de encontrar na nossa vida formas de tomar consciência destes padrões. O mindfulness pode ser uma boa ferramenta para essa tomada de consciência, porque nos permite um conhecimento mais profundo de quem somos e de como funcionamos mas, mais importante talvez, pode ser também uma excelente forma de quebrar esses padrões. Tem sido demonstrado que uma prática de mindfulness pode ajudar, por exemplo, a quebrar o ciclo da depressão crónica que é tão difícil de interromper, justamente porque permite a criação de novos padrões de funcionamento, mesmo ao nível cerebral.

Por outro lado a nossa presença, inteira, completa e livre de julgamentos é o melhor presente que podemos dar aos nossos filhos mas também a nós próprios. O mindfulness ensina-nos que podemos estar connosco independentemente do nosso estado interno. Ensina-nos a ter uma atitude de compaixão e de aceitação para connosco próprios que é fundamental para a saúde mental e para nos sentirmos felizes e bem connosco mesmos. Esta aceitação é mesmo a base da verdadeira auto-estima, de que tanto se fala hoje em dia. 


E, ao aprendermos a estar bem connosco podemos aprender a estar bem também com os nossos filhos. E, quando conseguimos estar verdadeiramente presentes na nossa relação com eles podemos ver que tudo muda. A nossa presença, inteira e de corpo e alma é o melhor presente que podemos dar aos nossos filhos. e, muitas vezes, esta presença é mesmo suficiente para vermos desaparecer tantas coisas que nos incomodavam, é suficiente para vermos a criança crescer, abrir-se e florescer verdadeiramente á nossa frente. Quando somos capazes de estar presentes com os nossos filhos, de verdade, sem julgamentos, sem preocupações, quando conseguimos estar verdadeiramente presentes de coração mas também de cabeça, na nossa relação com eles, estamos a dar-lhes liberdade de crescer, de se sentirem seguros. Estamos a dizer-lhes que eles são importantes, que a sua vida é importante para nós, estamos a dizer-lhes que eles valem a pena, que merecem todo o nosso amor. E, quando fazemos isto é verdadeiramente extraordinário perceber que, a partir daí, tudo se torna mais fácil, tudo passa a a fluir muito mais facilmente. A partir dessa nossa presença, quando nos tornamos capazes de criar para os nossos filhos um lugar seguro a partir do nosso coração, a partir dessa nossa presença completa e inteira, desaparecem os problemas de comportamento, as lutas de poder, as sessões de choro interminável. Desaparecem os gritos, as ansiedades, os medos e as culpas. Porque quando nos tornamos presentes com eles, para eles, estamos presentes também para nós. E quando estamos presentes percebemos que aqui agora está tudo bem, está tudo certo. E quando percebemos isto podemos descansar e, mais importante ainda, podemos deixar que os nossos filhos descansem no nosso amor – uma expressão de Gordon Neufeld que me faz todo o sentido. 

E quando permitimos que os nossos filhos descansem no nosso amor, quando lhes damos a certeza de que o merecem e de ele está sempre presente, eles podem também abandonar as suas lutas, ansiedades, medos, receios, agitações. Porque se sentem seguros na nossa presença e aprendem assim eles próprios a estar presentes. E ensinar um filho a estar presente, ensinar um filho que é seguro estar presente, ensinar que é possível viver sem cair na armadilha da agitação permanente, da tristeza profunda ou a ansiedade constante, é a melhor oferta que lhes podemos dar para crescerem capazes de ser felizes e com segurança que de que podem ser quem são, em qualquer situação por mais desafiadora que seja. 

Saiba mais aqui sobre o próximo curso de mindfulness para pais no Espaço Vida: http://www.espaco-vida.com/cursos/cursos-workshops.html#pais

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Educar sem bater

Há poucos dias, conversando com uns amigos que são pais de um filho um pouco mais velho que o meu surgiu uma questão que, para dizer a verdade, acho que nunca me tinham feito: se alguma vez, eu ou o meu marido, tínhamos batido no nosso filho de três anos e meio. Ainda não me tinha ocorrido escrever aqui sobre este tema, porque, para mim, é tão claro que não temos o direito de bater nos nossos filhos que, por vezes, quase me esqueço que há muitas pessoas para quem isto não é assim tão consensual. Mas esta pergunta serviu para me lembrar que, infelizmente, para muitas pessoas, a palmada ainda é realmente um recurso válido e até essencial da educação parental.

Nesta questão aquilo que estava subentendido era que, se não batemos, então como fazemos para controlar o seu comportamento? Ou que, se não batemos agora, mais tarde podemos ter alguns problemas, sobretudo quando ele chegar à adolescência. Já ouvi alguns pais de adolescentes dizerem que tinham problemas com os filhos justamente porque eles não teriam apanhado o suficiente. 

Então há aqui várias questões, dentro desta simples pergunta, a que é importante responder. 

Em primeiro lugar, é importante afirmar que considero que realmente não temos o direito de bater nas crianças. Tal como eu não tenho o direito de bater no meu marido ou em quem me chateia por essa vida fora. E podíamos ficar por aqui porque, para mim, realmente esta é uma questão básica e fundamental: não acho que as crianças sejam menos merecedoras de respeito que os adultos e se faltamos ao respeito quando batemos num adulto fazemos exactamente o mesmo quando batemos numa criança, seja  lá porque motivo for. 

Mas, se ficássemos por aqui haveria ainda outras questões fundamentais que ficariam sem resposta. 
Então, é importante também perceber o que é acontece quando batemos numa criança e quais as consequências que isso poderá ter. 

Muitos adultos que batem nos seus filhos fazem-no com a justificação de também apanharam em crianças e isso não lhes fez mal nenhum. Acredito que o dizem porque já não são capazes de entrar em contacto com aquilo que sentiram nessas alturas. Porque um dos mecanismos de defesa mais comuns para nos defender das nossas feridas antigas é justamente a negação: queremos muito acreditar que não há ali nada que ainda nos incomode ou que ainda nos doa, porque se tivermos de voltar atrás e lidar com essa dor e com toda essa mágoa que ficaram esquecidas e guardadas durante tantos anos temos muito medo de não ser capazes de lidar com isso e nos perdermos nesse sofrimento que temos andado a conter durante tanto tempo. Ou então, à custa de tanto negarmos os nossos sentimentos, acabamos mesmo por nos esquecer que eles existem, a tal ponto que já nem somos capazes de imaginar o contrário. É verdade que algumas pessoas apanham e muito e mesmo assim conseguem construir uma vida digna e minimamente equilibrada mas a verdade é que não foi por terem apanhado que o conseguiram mas sim apesar de terem apanhado, porque provavelmente houve outras circunstâncias de vida que lhes permitiram ser capazes de ser felizes, independentemente das suas feridas de infância. 

Então o que é que acontece quando batemos numa criança? 

A criança tem um instinto básico para criar uma relação de apego com os seus pais. Hoje sabemos que, desde o primeiro momento em que nascem, os bebés já demonstram uma grande predisposição para criar laços, para estabelecer vínculos com as figuras que cuidam de si. Então o bebé tem um instinto muito forte para procurar um sentimento de protecção nos seus pais. A natureza é sábia e um bebé humano sozinho nunca sobreviveria, por isso todos os bebés e crianças têm esse instinto básico que lhes diz que devem procurar segurança e protecção junto dos seus pais. Acontece que, quando um pai ou mãe batem numa criança esse instinto é posto em causa: porque afinal a pessoa que deveria proteger a criança é justamente aquela que a está a agredir fisicamente. Porque uma palmada, por mais bem intencionada que seja, não deixa de ser uma agressão física, algo que por si só, traz sempre consigo uma sensação de ameaça. Se isto acontecer demasiadas vezes a criança fica perante um dilema que, para ela, não tem solução: a mesma figura que a deveria proteger é aquela que a faz sentir-se em perigo. Então isto coloca a criança perante um conflito interno que ela não tem capacidade de resolver.

Só as crianças já bem crescidas é que começam a ser capaz de acomodar a ideia de que duas coisas aparentemente contraditórias possam co-existir, ou seja, enquanto adulta eu sou capaz de pensar que a minha mãe gosta de mim mas que ás vezes fica sem paciência ou que eu gosto muito dos meus pais mas que às vezes também me chateio com eles. Isto requer uma capacidade de pensamento elaborada, que uma criança pequena não tem. Para as crianças pequenas as coisas ou são pretas ou brancas: uma criança pequena não tem capacidade de assimilar o facto de que as coisas não são apenas boas ou más, não consegue perceber que podem existir dois lados na mesma moeda e que existem uma série de cinzentos na vida. Na verdade, existem até muitos adultos que ainda não são capazes de perceber isto de uma forma muito sofisticada. Por isso a única estratégia que a criança encontra para lidar com isso é tentar bloquear todas as sensações provocadas por aquele acontecimento e tudo o que está associado a este. A criança cria uma certa dissociação daquilo que está a sentir porque não tem capacidade de integrar de outro modo aquela situação e ela é demasiado ameaçadora, intensa e assustadora para que possa aceitar a sua presença. Este mecanismo de dissociação poderá ser justamente aquilo que está na base do facto de muitos adultos que foram agredidos pelos pais já serem capazes de sentir o sofrimento que esse comportamento provocou neles e poderá ser o que está na base dessa crença de que não lhes fez mal nenhum apanhar.

Acontece que, se abusamos muito deste mecanismo de dissociação - o que poderá acontecer se a criança está sempre a apanhar - ele acaba por se tornar uma parte integrante da nossa forma de lidar connosco e com o mundo e é muito provável que nos tornemos pessoas com uma grande dificuldade em lidar com os nossos sentimentos e em integrá-los de forma saudável. 

Por outro lado, se a criança é agredida demasiadas vezes isto pode mesmo por em causa esse seu instinto básico para se ligar e vincular à mãe ou pai e, nos casos mais sérios, isto poderá estar na base daquilo a que se chama o apego desorganizado que hoje se sabe estar na base de muitas patologias que podem manifestar-se só na idade adulta. 

Mas, mesmo nos casos mais leves - quando falamos daquilo a que erradamente se chama a palmada pedagógica por vezes - a verdade é que esta continua a ser uma agressão. Sempre que nos provocam dor, mesmo que seja ligeira, isso é sentido como uma ameaça à nossa integridade porque, para além deste instinto de vinculação, também temos um instinto básico de protecção que nos leva a evitar a dor e todas as potenciais ameaças à nossa integridade física.

Para além disto, quando um pai ou mãe batem numa criança, geralmente fazem-no por causa de uma sensação de frustração da sua parte, pela sensação de que, naquele momento, não conseguem fazer mais nada para chegar aos filhos e para modificar o comportamento destes. Geralmente, quando os pais batem nos filhos é porque a sua zanga se tornou tão intensa que não foram capazes de controlar esse impulso então, para além da questão física, há aqui também a questão psicológica: a criança sente também toda essa agressividade que acaba por interiorizar sentindo que foi por sua culpa que o adulto perdeu o controlo. O que, por sua vez, a faz sentir-se com uma má pessoa, ou uma má criança, faz com que sinta que é tão má que os pais nem conseguem manter a calma consigo. Isto transmite à criança a mensagem de que há algo de profundamente errado consigo o que se pode tornar num sentimento devastador que acaba por acompanhá-la toda a sua vida.  

As crianças nascem realmente com esse instinto básico de quererem sentir-se amadas e protegidas pelos pais, isto quer dizer que têm também um instinto básico de querer agradar aos seus pais. E quer dizer também que os pais são a sua referência e que elas aprendem a ver-se exactamente da mesma forma que sentem que são vistas. Todos nós temos o desejo básico de nos sentirmos aceites, integrados e reconhecidos. Todos temos necessidade de sentir que pertencemos a um grupo, neste caso à nossa própria família e, para isso, temos necessidade de sentir que os outros nos aceitam, nos acolhem na sua presença. Sempre que um pai ou mãe perde a paciência e o controlo com um filho seu aquilo que ele sente é que, nesse momento, ele não tem o direito de existir na sua presença, nesse momento ele não é acolhido na sua presença e perde esse reconhecimento e essa necessidade de pertença o que, para uma criança pode ser um sentimento verdadeiramente destrutivo. 

Esta sensação de que há algo errado consigo, ou de que não é aceite, gera na criança um sentimento forte de vergonha. Que muitos pais pensam que será benéfico porque assim a criança não voltará a repetir aquele comportamento. Acontece que isto não é verdade. Esse sentimento de vergonha é das coisas mais corrosivas que podemos fazer uma criança sentir. Esse sentimento tem uma fisiologia muito concreta: ele desperta a chamada resposta de luta ou fuga (neste caso, mais a fuga) que é uma resposta ao stress que prepara o corpo para lidar com uma ameaça produzindo uma série de alterações fisiológicas como uma elevação grande dos níveis de cortisol, por exemplo. Isto quer dizer que toda a fisiologia da criança se altera e este sentimento de vergonha, quando é activado deste modo, pela sensação de ameaça, é das coisas mais nocivas que a criança pode sentir porque a leva a sentir-se indigna do amor dos seus pais e faz com que ela sinta que todos os seus instintos mais básicos, de integração e de acolhimento estão a ser frustrados e que ela não tem capacidade para os satisfazer. Isto é um sentimento duro para qualquer adulto mas ainda mais para uma criança que tem ainda tão forte este instinto de ligação aos pais e essa necessidade tão grande de se sentir aceite por eles.

Então se a criança não consegue satisfazer esses instintos, se tantas vezes eles são os causadores desse sofrimento e dessa angústia intensas que a criança sente sempre é vítima desse comportamento agressivo por parte dos pais, o melhor será procurar alguma forma de minimizar essa dor, tentando ignorar esses instintos.

Se isto acontecer com alguma frequência, o que vai acontecer é que será tão difícil à criança lidar com este sentimento que o melhor será proteger-se dele procurando não sentir esse vínculo com os seus pais, ou seja, tentando o mais possível ignorar esse instinto básico que lhe diz que deveria querer agradar aos pais e sentir-se aceite por eles. Isto quer dizer que, no futuro, a tendência será para que a criança se porte ainda pior. Mas, o pior de tudo, é que quer dizer que a criança será forçada a aprender a ignorar os seus instintos e os seus sentimentos mais básicos com medo de ser magoada e de se tornar demasiado vulnerável. E aqui cresce então o típico adulto que bate nos filhos e que repete que também apanhou muito e isso não lhe fez mal nenhum.

Uma das razões que leva os pais a bater nos filhos é o facto de sentirem que precisam de os controlar mas, ao porem em causa o instinto de vinculação das crianças, as palmadas repetidas têm o efeito exactamente contrário. 

Na cabeça destes amigos estava também a questão: então como é que controlas o teu filho se nunca lhe bateste? 

Para responder a isto, em primeiro lugar é preciso abandonar esta ideia de que as crianças precisam de ser controladas. Uma criança precisa de ser aceite, precisa de ter uma boa ligação com o pai ou com a mãe e, se isso acontecer, nas coisas importantes, a criança irá deixar-se facilmente guiar. Porque, se ela ligação existir, se for sólida, se não for constantemente posta em causa, a criança sabe que pode confiar nos seus pais e confiar nos pais implica que, nas decisões importantes, a palavra destes conta muito. Confiar nos seus pais não implica necessariamente que a criança esteja pronta para desligar a televisão quando lho pedimos, ou que esteja pronta para sair de casa exactamente na hora em que achamos que deveria sair e não significa que a criança obedeça cegamente a todas as nossas ordens. Até porque uma criança que confia nos pais e que se sente acolhida, protegida, aceite e segura também é uma criança com mais espaço para manifestar as suas preferências que nem sempre correspondem às nossas. Mas, uma criança que confia nos seus pais é uma criança que, nos momentos importantes, sabe que são estes que têm a última palavra e, nos momentos em que se sinta de algum modo posta em risco, sabe que pode contar com eles para lhe mostrarem a direcção a seguir. 

E, quando os pais confiam na criança, também sabem que esse instinto está presente. Quando os pais confiam na criança e deixam que a sua natureza floresça podem encontrar uma criança que até resiste em muitas coisas mas encontram também uma criança que se torna fácil de orientar quando é mesmo preciso fazê-lo e de educar porque é uma criança que se entrega e que deixa o seu instinto funcionar e que também confia nos pais.

Uma criança a quem os pais batem sempre que lhe querem mostrar que não pode fazer algo, ao fim de algum tempo até pode deixar de ter esse comportamento mas, o mais certo, é que apareçam outros ainda mais graves porque a criança deixou de se sentir segura e acolhida pelos pais e se deixou de se sentir segura então é muito fácil que deixe de confiar nos pais. E deixar de confiar nos pais é, por um lado, deixar de os aceitar como guias ou orientadores mas também é deixar de confiar em si própria e nos seus instintos. E uma criança que deixa de confiar nos seus instintos é uma criança com muito mais tendência para fazer coisas erradas. Porque é uma criança que perdeu a sua bússola, é uma criança que deixou de procurar referências nos adultos e que não tem capacidade para as encontrar em si própria. 

Então nenhuma criança ou adolescente se porta mal por ter apanhado pouco. Mas há muitas crianças e adolescentes que se portam mal justamente porque apanharam demais e, cada uma dessas palmadas, deixou uma marca na sua capacidade de criar vínculos saudáveis e de confiança e na sua capacidade de se sentir bem, seguro e feliz consigo mesmo. E cada uma dessas marcas é mais um passo na direcção de um comportamento menos ajustado, mais desadequado e sobretudo, cada uma dessas marcas é mais um passo no caminho de um coração que sofre e que, muitas vezes, sofre tanto que precisa de se desligar de si próprio para não ter de lidar com essa dor diariamente. E quando nos desligamos de nós também nos desligamos dos outros e aí nada mais importa, deixamos de querer agradar a quem quer que seja. E uma criança que já perdeu todo o desejo de agradar é uma criança que já ninguém conseguirá controlar. Mesmo que até sejamos capazes de arranjar uma maneira de eliminar um determinado comportamento, se não formos capazes de encontrar o caminho para o coração das crianças, então não haverá maneira de os fazermos verdadeiramente seguir nenhum tipo de orientação nossa. 

Então quando achamos que uma criança se porta mal vezes demais, em primeiro lugar, precisamos de olhar para a ligação que temos com ela. Precisamos de perceber se ela se sente segura connosco, como diz Gordon Neufeld, psicólogo cujo trabalho admiro, precisamos de saber se ela se sente convidada a existir na nossa presença. E é tão simples ou tão complicado como isto: a única forma que temos de influenciar o comportamento de uma criança é certificando-nos de que ela nos quer agradar e que ela nos aceita como guias e, para isso, temos que ter a certeza de que esse vínculo ainda está intacto. Não adianta querer corrigir comportamentos sem nos focarmos no contexto em que eles acontecem: a relação. 

E é esta relação, a relação que temos com os nossos filhos e que eles têm connosco que deverá estar sempre na base de tudo e que deverá ser sempre o foco central da nossa preocupação. Se eu um dia tiver vontade de bater no meu marido uma das coisas que provavelmente me impedirá de o fazer será justamente essa preocupação com a relação. Porque se eu lhe batesse sei que esta seria fortemente afectada, como é óbvio. Então é nisto que também precisamos de pensar sempre que batemos nos nossos filhos: mais do que pensar se isso irá eliminar ou não aquele comportamento (e a maior parte das vezes não elimina, pelo menos, não à primeira) deveremos pensar no que é que isso fará à relação. 

E, se já batemos nos nossos filhos alguma vez, é sempre tempo de olhar para trás e perceber se isso alterou alguma coisa, se alguma coisa mudou dentro deles para connosco ou para com eles próprios. Se for esse o caso também é sempre tempo de falar sobre isso, de pedir desculpa e dizer que não sabíamos fazer melhor. 
Nunca é tarde para mudarmos a forma como nos portamos com os nossos filhos e nunca é tarde para reparar as relações. 

Isto é válido para todas as vezes que batemos mas também para todas as vezes que gritámos ou que nos descontrolámos e dissemos coisas que não queríamos ter dito. As crianças não precisam de pais perfeitos, que não gritam e não perdem o controlo mas, quando isso acontece, precisam muito de saber que não foi por culpa delas que isso aconteceu. Quando nos zangamos mais do que gostaríamos é importante que os nossos filhos saibam que não são eles que estão errados mas que fomos nós que não fomos capazes de nos controlar. Isto faz toda a diferença. 
E assim as criança também aprendem que, apesar de todos os conflitos, é possível reparar as relações uma lição que também pode ser valiosa para os seus relacionamentos futuros. 

Não bater numa criança não quer dizer que temos de aceitar todos os seus comportamentos, não quer dizer que, por vezes, não tenhamos de lhes impor certas coisas mas, significa que quando o fazemos assumimos toda a responsabilidade pelo nosso comportamento e não os fazemos sentir que foi só por culpa deles que perdemos o controlo. 

E isto não quer dizer que temos de fingir que gostamos de tudo o que eles fazem mas é importante mostrar-lhes que, quando não gostamos de algo, não os estamos a por a eles em causa. Não gostar de um comportamento é muito diferente de não gostar de uma criança. Acontece que os nossos filhos nem sempre sabem ou sentem isso. Por isso, sempre que os queremos corrigir é muito importante que façamos primeiro esta distinção para nós próprios e depois que encontremos forma de o por em prática.

Então, não bater não quer dizer que não podemos disciplinar ou educar mas quer dizer que temos consciência de que o nosso papel de orientadores dos nossos filhos é demasiado importante para ser posto em causa por causa de uma palmada. 

Gordon Neufeld, no seu trabalho, fala também muito da importância de não castigar as crianças com os chamados time-out's em que a criança fica durante um tempo, supostamente a pensar naquilo que fez. Porque, da mesma forma que uma palmada, o que este tipo de castigos fazem é usar a necessidade que a criança tem de se sentir próxima de nós para a atingir de algum modo. Acontece que, como este psicólogo explica, quando fazemos isto estamos a atingir a criança no seu ponto mais vulnerável: a sua necessidade de de sentir ligada a nós. E, quando o fazemos repetidamente, tal como acontece com uma criança que está sempre a apanhar a única forma que a criança tem de lidar com essa dor profunda que abala todos os seus instintos mais básicos é tentando ignorar, desligar esses instintos. E, mais uma vez ficamos com uma criança que se distancia cada vez mais de nós e de si mesma e que se torna cada vez mais difícil de educar ou orientar. 

Então como se educa sem castigos ou sem palmadas? 

Fazendo exactamente o contrário do que estes dois actos provocam: fortalecendo a ligação e convidando a criança a sentir-se segura connosco. Quando as crianças estão constantemente a fazer coisas que nos provocam não estão à procura de limites, como tantas vezes se diz, no sentido de perceberem o que podem ou não fazer. Quando uma criança faz repetidamente coisas que nos provocam e que mexem connosco significa que estamos perante uma criança que, pelo menos naquele momento, não se está a sentir acolhida. Uma criança que, pelo menos naquele momento, não se está a sentir muito ligada a nós. E, por isso a criança precisa de nos provocar porque os seus instintos lhe dizem que essa ligação é essencial e porque a única forma que ela está a ser capaz de encontrar naquele momento de preencher esses instintos e de nos sentir mais presentes é quando nos zangamos com ela. Porque, nessa altura, pelo menos toda a nossa atenção se volta para a criança e ela pode sentir que, ainda que pense que há algo de errado consigo, pelo menos nós importamos-nos com ela, tanto que até nos descontrolamos por sua causa.

Nestes casos não precisamos de aceitar o comportamento da criança mas precisamos mesmo de encontrar formas de lhe mostrar que a aceitamos a ela, que estamos presentes, sem que ele precise de procurar estratégias para sentir essa presença. Precisamos de lhe mostrar que, para usar mais uma expressão de Neufeld, ela pode descansar no nosso amor. Só assim a criança poderá seguir a sua natureza e confiar o suficiente em nós para se deixar guiar e orientar sem precisar de nos provocar.

E quando damos mais atenção a uma criança que se portou mal não quer dizer que estamos a premiar esse comportamento, mas quer dizer que confiamos na criança, que reconhecemos a sua necessidade de nos ter por perto, de nos sentir e que confiamos nos seus instintos. Estamos a dizer-lhe que confiamos nela e isso é o melhor presente que podemos dar a uma criança. Porque se nós confiamos nela ela pode confiar em si própria e uma criança que confia em si própria é uma criança que, mais facilmente, sabe fazer as escolhas certas. E só uma criança que se sente acolhida e segura é que poderá ter a confiança necessária para perceber que errou e que poderá ter também a segurança necessária para tentar um novo comportamento.


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Palestra - Défice de Atenção e Hiperactividade

Deixo aqui os vídeos da palestra que dei no Jardim de Infância do Prior Velho, a partir de uma  iniciativa de alguns pais e educadores, para falar de Défice de Atenção e Hiperactividade. Uma visão das causas, das características e de como lidar com esta limitação.