sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A Entrada na Escola

A entrada na escola é um período de grandes mudanças na vida de uma criança e, por vezes, também dos pais. 
Acredito que, antes dos três anos as crianças deveriam passar o seu dia com os pais ou com um adulto que tome conta delas e com quem possam estabelecer uma relação prioritária, o que não é possível numa creche em que existem várias crianças. A grande tarefa dos primeiros anos de vida de uma criança é estabelecer relações. Estabelecer relações com os adultos que cuidam de si. Durante os primeiros dois anos de vida o cérebro das crianças está em grande expansão e transformação e são criadas e perdidas milhares de ligações neuronais. E forma como tudo isto acontece depende das experiências que a criança tenha. Uma criança precisa de desenvolver relações seguras, em que se sinta protegida, ouvida, amada e são estas ligações que irão influenciar toda a forma como se irá desenvolver e estruturar o seu cérebro. As experiências dos primeiros anos de vida, quando são vivenciadas repetidamente, criam determinados padrões de funcionamento cerebral que irão definir e moldar toda forma da criança viver e estar no mundo e de se relacionar com a sua experiência e com as pessoas ao longo de todo a sua vida. Isto pode parecer um pouco assustador mas, de facto, precisamos de ter noção de como são importantes os primeiros anos de vida de uma criança. E uma tarefa fundamental desses primeiros anos é estabelecer relações e, essas relações, precisam de ser estabelecidas principalmente com outros adultos, não com crianças. Porque nesta fase a criança precisa de se sentir protegida, amada, precisa de de sentir acolhida e de ter um espelho e é impossível sentir isto da parte de outra criança pequena. Por isso, nesta fase, as crianças ainda não precisam tanto de estar com outras crianças mas sim com adultos durante a maior parte do seu tempo. E, de preferência com adultos que possam estar disponíveis e atentos durante a maior parte do tempo, o que é muito difícil de conseguir com três ou quatro crianças a cargo, todas da mesma idade e com as mesmas necessidades.
Além disso só a partir dos dois anos de idade é que a criança começa a desenvolver alguma noção de aqui)
tempo e, só a partir dessa idade, é que começa também a desenvolver alguma capacidade de perceber que a sua mãe volta mesmo quando não está presente. Isto quer dizer que só a partir dessa idade é que a entrada na escola pode não ser uma ameaça tão grande uma vez que a criança pode começar a perceber que não irá ficar para sempre sem a mãe ou o pai. (este tema foi mais desenvolvido
Mas, na verdade acredito que antes dos três anos a criança não irá recolher nenhuns benefícios da escola. Porque só a partir dessa idade é que o mundo da criança se começa verdadeiramente a expandir e começa a surgir alguma capacidade e interesse em estabelecer relações com outras crianças, embora nesta idade as crianças ainda não formem verdadeiras amizades e não brinquem verdadeiramente em equipa – isto começa a acontecer mais por volta dos quatro anos. É partir desta idade também que a criança começa a ser capaz de interiorizar a imagem da mãe, do pai e/ou de outros adultos significativos da sua vida, o que quer dizer que é capaz de sentir que a mãe gosta de si mesmo quando esta não está presente. Isto é muito importante porque lhe permite que não se sinta abandonada e pode dar-lhe algum conforto nos momentos difíceis. Por outro lado, nesta idade, se a criança teve uma relação relação com os pais e um bom modelo de relacionamentos seguros também já tem a confiança necessária para estabelecer relações com outros adultos e crianças. Também é nesta idade que a criança começa a ser capaz de brincar mais sozinha e de estar no seu mundo sem tanta necessidade de ter a atenção constante de um adulto. E, nesta idade também a criança começa a ter mais curiosidade pelo mundo e ser capaz de experimentar coisas diferentes que a escola pode proporcionar.
Aos três anos, geralmente, a criança também já tem um bom domínio da linguagem e isto é importante porque, por um lado, permite-lhe expressar mais facilmente as suas necessidades mesmo com pessoas que não conhece e, por outro, permite-lhe também compreender melhor o que os pais lhe dizem sobre a escola e também contar aos pais o que lá se passou, ajudando a fazer uma ponte entre a sua vida na família e na escola. 
Ainda assim, não quer dizer que todas as crianças estejam preparadas para ir para a escola aos três anos ou que tenham de o fazer. Na verdade, pode haver crianças que, aos três anos, ainda precisem mais de estar com um adulto que possa estar mais presente e disponível. Por outro lado, se os pais tiverem disponibilidade para proporcionar à criança a variedade de experiências e de relacionamentos que se encontram geralmente na escola, esta também pode não ser necessária.

Formas de tornar mais suave a entrada a criança na escola


Se tomou a decisão de levar o seu filho para a escola pela primeira vez, existem algumas questões que considero importantes e que podem facilitar essa transição levando a uma melhor integração e diminuindo o stress e a ansiedade que tantas vezes surgem nesta altura. 

1. Em primeiro lugar é importante decidir porque é que quer por o seu filho na escola.                 Pensar se ele realmente estará preparado para essa mudança e se será realmente o melhor para ele. Quando as crianças chegam aos três anos há muita pressão social para que entrem na escola mas, embora esta seja uma idade em que a entrada na escola se torna, geralmente, mais fácil não quer dizer que isto seja realmente o melhor para todas as crianças.

2. Depois,  mais do que qualquer modelo educativo ou pedagógico, é fundamental conhecer as pessoas com quem vai deixar o seu filho. E é importante escolher uma escola aberta, onde lhe seja permitido ter este conhecimento. São elas que vão estar com o seu filho uma boa parte do dia. Se tudo correr bem essas pessoas irão também ter um papel importante nas experiências do seu filho e irão ajudar a moldar também a forma como ele se relaciona consigo e com os outros. Um bom educador torna-se um modelo a seguir, por isso pergunte-se se quer aquela pessoa como modelo para o seu filho. Mas, mais importante, pergunte-se se aquela pessoa será capaz de dar afecto e amor ao seu filho, porque é disso que as crianças precisam mais do qualquer coisa e isso é fundamental para estabelecerem uma boa relação com a escola e para que tudo corra bem.
Para mim, quando escolhi a escola do meu filho, o mais importante foi sentir que todas as pessoas que lá estavam – desde professores, directores, a auxiliares – eram pessoas que gostavam verdadeiramente de crianças. Visitei outras escolas onde isso não era tão visível e, para mim, isso é fundamental. Porque quero que o meu filho cresça com pessoas que sabe que gostam dele. Porque essas pessoas serão também o seu espelho.

3. Depois é importante que dê algum tempo à criança para conhecer a escola. As crianças desta idade, geralmente, não gostam de grandes alterações á rotina. Ainda agora começaram a ser capazes de perceber como é que as coisas se organizam e a ter alguma noção de como irá decorrer o seu dia e, de repente, tudo é alterado e estão numa situação completamente nova. Por isso há que tentar minimizar esse impacto. O ideal será que faça algumas visitas à escola e conheçam algumas pessoas antes de lá ficarem um dia inteiro. Depois dessas visitas também ajuda que vá falando com o seu filho sobre a escola, sobre quem ficará com ele e como será.

4. Nos primeiros dias também pode ser importante que os pais estejam presentes, mesmo na sala com a criança, pelo menos durante algum tempo. Muitas vezes os educadores não o permitem porque acham que irá dificultar a habituação da criança. Mas é importante estabelecer uma ponte entre a família e a escola para que a criança não se sinta tão ameaçada e esta poderá ser uma forma de o fazer. Para que isto aconteça o ideal é que o pai ou a mãe tentem brincar na sala com o filho um pouco, que conversem com o educador, com os auxiliares ou outros adultos presentes: se a criança vir que os pais estão à vontade e que gostam desses adultos, mais facilmente se sentirá à vontade para estabelecer uma relação com eles. Num mundo mais natural, viveríamos em comunidades mais pequenas em que as crianças já conheceriam os adultos e crianças com quem passariam o dia. Por isso é importante tentarmos recriar, dentro do que nos for possível, esse ambiente mais comunitário, de aldeia, para que as crianças se sintam seguras e confortáveis e para que a entrada na escola não seja a entrada num mundo novo, distante e completamente separado de tudo o que conheciam até essa altura. Neste sentido é importante questionar-se, antes de decidir a escola, se a política desta tem essa abertura com os pais e se lhe será possível fazê-lo. Certifique-se que a escola que escolheu não vê os pais como intrusos indesejáveis mas sim como parte da escola. Um dos sinais disso é o facto de, muitas escolas, nem deixarem os pais entrar nas instalações, como se não tivessem o direito de lá estar. Na escola do meu filho, podemos entrar em qualquer altura do dia e ir à sala dele e nunca me sentiria confortável se fosse de outro modo.

5. É importante também que tome consciência dos seus sentimentos em relação a esta nova fase da vida do seu filho. Porque esta entrada na escola trará consigo algumas mudanças. Para quem esteve com os filhos até esta altura esta é uma fase de separação que pode não ser fácil. Porque temos medo que os nossos filhos precisem de nós ou, por vezes, temos medo de precisar deles. Também porque vamos  deixar entrar pessoas novas na vida dos nossos filhos e estas serão pessoas que, se tudo correr bem, se tornarão importantes para eles e terão também um papel significativo nas suas vidas. Isso pode também despertar alguns medos ou inseguranças da nossa parte.
Por outro lado, esta mudança na nossa rotina também implica alguma adaptação da nossa parte e nem todos lidam bem com isso.

E esta entrada na escola pode também despertar medos e feridas antigas da nossa parte
. Se a nossa própria entrada na escola ou vida escolar não correu bem, se a escola era uma fonte de desconforto para nós ou de sofrimento, ou se nos sentimos abandonados e mal cuidados quando fomos para a escola é muito natural que essas feridas venham à superfície mesmo que não o façam de uma forma consciente. Por vezes estamos seguros da nossa escolha, sabemos que é o melhor para os nossos filhos, mas há uma sensação de desconforto e de mau estar que nem sabemos bem de onde vem e que pode estar relacionada com estas feridas mal resolvidas. Nestes casos ajuda tomarmos contacto com elas e percebermos que, por essa ter sido a nossa experiência, não quer dizer que seja a dos nossos filhos. e que, o facto de estarmos conscientes desse nosso sofrimento nos pode até tornar mais sensíveis e atentos às experiências do nosso filho, ajudando a torná-las mais positivas.

6. Sobretudo nos primeiros tempos, tente que a criança não fique demasiadas horas na escola. Hoje em dia as crianças passam tempo demais na escola, por isso tente ir buscá-las um pouco mais cedo, sobretudo na fase de adaptação, durante os primeiros meses. Algumas investigações concluiram que as crianças que passavam mais de trinta horas por semana na escola antes dos 4 anos de idade apresentavam comportamentos mais agressivos e níveis mais altos de ansiedade. Existem também estudos que mostram que, no jardim de infância, os níveis de ansiedade – medidos através de hormonas como o cortisol, na corrente sanguínea – vão subindo à medida que se aproxima o final do dia. As crianças, sobretudo as mais pequenas, não devem estar nove ou dez horas por dia na escola, como tantas vezes acontece.

7. Quando o for buscar à escola procure ter um tempo para estar verdadeiramente com o seu filho, a brincar ou conversar, a restabelecer a ligação da forma que for mais adequada. Se não o foi buscar à escola, e só vê ao chegar a casa procure estar com ele antes de fazer o que quer que seja. Sente-se ao pé dele, ou brinque com ele um pouco. Mostre-lhe que ele é verdadeiramente uma prioridade na sua vida.

8. Antes de irem para a escola, procure acordar com tempo para poderem estar um pouco juntos. É muito imporante restabelecer a ligação com a criança quando ela acorda e facilita muito toda a rotina. Tire alguns momentos para se deitar ao lado do seu filho na cama, ou para se sentar com ele no sofá, para estarem simplesmente juntos. Se fizer isto verá que tudo o resto corre com muito mais tranquilidade e harmonia. Não é que a ligação com os nossos filhos se perca quando estamos separados mas, mesmo assim, é importante reforçá-la sempre depois uma separação como dormir, ou passar um dia na escola

9. Esteja atento aos sinais do seu filho ao final do dia, veja se ele está contente, bem-disposto mesmo que esteja cansado. Oiça com muita atenção tudo o que ele lhe conta e lhe diz sobre a escola, mas observe também a sua linguagem corporal quando ele o faz. Esta é melhor forma de saber se tomou a decisão certa.

10. Se o seu filho chora quando o deixa na escola tente perceber porquê. É natural que a criança não queira sair da sua zona de conforto, daquilo a que está habituada, daquilo que conhece. È natural que haja uma certa resistência a separar-se dos pais para ficar com pessoas que mal conhece. Nem todas as crianças lidam com a mudança da mesma forma e nem todas expressam os sentimentos da mesma maneira.
Tente perceber se o choro pára logo ou se continua ao longo do dia e pergunte aos adultos como é que ele esteve.
Tente também perceber o que sente dentro de si quando o seu filho chora. Se os pais vão muito ansiosos deixar o filho na escola ele sente isso. As crianças são muito sensíveis e absorvem os nossos medos e ansiedades. Por isso, em primeiro lugar, certifique-se que não está, inconscientemente, a transmitir ao seu filho que a escola pode ser um lugar mau com a sua ansiedade ou o seu medo ao deixá-lo lá ficar.
É sempre difícil ver um filho chorar mas é preciso sabermos distinguir o choro de uma criança que está apenas a sair da sua zona de conforto e um choro de verdadeira angústia ou sofrimento.
Os pais são os maiores especialistas nos filhos, por isso o pai ou a mãe, melhor que ninguém saberão o que precisam de fazer para lidar com esse choro. Não deixe que os professores o desvalorizem ou o intimidem dizendo que só tem de se ir embora e de o deixar chorar um bocado. Porque se sair da escola ansioso ou inseguro é isso que irá transmitir ao seu filho no dia seguinte. Por isso fique o tempo que sentir que precisa de ficar para se sentir confortável. Às vezes não são só as crianças que precisam de lidar com os seus medos, os pais também, por isso tente encontrar formas de se sentir mais tranquilo nessa separação. 
Também é muito importante saber como é que lidam com o choro do seu filho. Eu gostei muito de ouvir o educador do meu filho dizer que, na sala dele, estão proibidas frases do tipo: "os outros meninos não estão a chorar, não vês que só tu é que choras'" ou "não és nenhum bebé para estar a chorar". Os sentimentos da criança não podem ser desvalorizados dessa forma e é muito importante que os adultos que vão passar o dia com ela os saibam acolher e respeitar.
Por último, não tenha medo de falar com o seu filho sobre o que ele está a sentir e de lhe mostrar que gosta dele e que quer o melhor para ele. Mostre-lhe que o compreende e que aceita o sofrimento dele e que fará tudo o que for possível para que as coisas se tornem mais fáceis. E, se chegar à conclusão que esse choro não é só de desconforto mas sim de verdadeiro sofrimento então não hesite em pensar noutra alternativa e esperar mais um pouco se vir que o seu filho ainda não está preparado para a escola. 


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Lançamento livro - Mindfulness Yoga - Atenção Plena para lidar com os Desafios

Este não é um livro sobre parentalidade mas o Mindfulness - Atenção Plena, em português - pode ser uma importante ferramenta para nos tornarmos pais mais equilibrados, mais empáticos e mais presentes. É um livro que em procuro explorar e explicar a utilidade deste estado para nos ajudar a lidar da melhor forma com todos os desafios da nossa vida e, ser pai ou mãe, é realmente um dos maiores desafios que podemos aceitar. 
Um dos autores que menciono no livro, Daniel Siegel, tem um trabalho muito interessante na área da neurologia em que explica que o mindfulness pode mesmo activar no nosso cérebro as mesmas áreas que são activadas quando desenvolvemos um padrão de apego seguro com os nossos pais (expliquei aqui o que é o apego seguro e a sua importância). Esta é uma das razões que podem contribuir para o facto do mindfulness ser uma ferramenta tão útil para qualquer pai ou mãe: porque nos pode ajudar a curar muitas feridas da nossa infância permitindo-nos construir uma forma de estar com os nossos filhos mais segura, mais empática e mais receptiva. Porque muitas vezes passamos uma vida a procurar fora de nós algumas respostas que só podem ser encontradas cá dentro. E, muitas vezes também, muitos dos desequilíbrios que vivenciamos nas nossas relações, sobretudo com os filhos, vêm justamente dessas feridas que, por vezes, nem sabemos que existem. Então o mindfulness pode ser uma boa ferramenta para nos ajudar a entrar em contacto com elas e a sarar essas feridas. E, através dessa tomada de consciência pode ser também uma boa forma de construirmos com os nossos filhos uma relação mais equilibrada e segura. 
Para sermos boas mães ou pais também é fundamental que sejamos capazes de nos nutrir. Para sermos capazes de estar verdadeiramente presentes na nossa relação com os filhos e para termos capacidade de lhes dar tudo o que eles merecem e precisam para serem felizes e crescerem saudáveis, precisamos de ser capazes de nos nutrir, de nos cuidar. E criar uma rotina de prática de meditação ou de yoga, como explico no livro, é um óptima forma de o fazermos. 
Na minha vida o mindfulness tem tido um papel muito importante ao longo dos últimos anos e sinto que é de facto uma pedra fundamental no meu equilíbrio como pessoa mas também como mãe. Sinto que é uma prática que me permite estar mais inteira, mais presente, mais empática na minha relação com o meu filho. E por isso não podia deixar de partilhar aqui o lançamento deste livro que acontecerá no final deste mês.
É um livro que explica os benefícios desta prática e também demonstra passo a passo como integrar essa rotina na nossa vida. Assim, deixo aqui o convite para que venha conhecer os benefícios do mindfulness, da meditação e para que use esta prática para enriquecer a sua vida e a dos seus filhos. 
E, porque é sempre bom conhecer quem nos lê, ficarei muito feliz se quiserem aparecer neste dia. 



terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os Pais como Espelho dos Filhos

Nos últimos dias de férias uma das coisas que esteve mais presente para mim é a forma como nós, enquanto pais, somos realmente o espelho dos nossos filhos. E a forma como o nosso olhar se irá tornar o olhar que eles terão para eles próprios um dia. A forma como nós os vemos agora será, muito provavelmente, a forma como eles próprios se irão ver um dia. Isto é realmente uma grande responsabilidade e é importante estarmos bem cientes dela na forma como lidamos com os nossos filhos e, sobretudo, na forma como escolhemos gerir e lidar com as situações mais delicadas.


Memória Implícita e Memória Explícita 

Para percebermos como isto acontece é importante termos noção de que existem dois tipos de memórias: a memória implícita e a explícita. A memória explícita é aquela que usamos quando sabemos que estamos a lembrar-nos de algo. Por exemplo, se alguém me perguntar a data de nascimento do meu filho eu sei que preciso de me lembrar do dia e do ano e, mesmo que não saibamos exactamente como se processa a busca dessa informação no nosso cérebro, não é possível não estarmos conscientes de que estamos a levar a cabo essa busca. Então a memória explícita permite-nos armazenar vários tipos de informação sobre nós, sobre a nossa vida e sobre tudo o que nos rodeia e permite-nos também sermos capazes de ir buscar essa informação quando precisamos dela. 
A memória explícita inclui a memória autobiográfica e a memória semântica ou factual. Estes tipos de memória começam a desenvolver-se apenas depois do primeiro ano de vida da criança, sendo que a memória autobiográfica - que nos permite ter uma noção do nosso eu ao longo do tempo e do espaço - começa a estar presente apenas depois dos dois anos de vida. Esta é uma das razões pelas quais é muito difícil termos recordações da nossa vida anteriores a esse período.

A memória implícita é aquela que usamos quando estamos a conduzir, por exemplo. Se esse gesto já está totalmente mecanizado não precisamos de nos lembrar de forma consciente de como fazê-lo, porque ele já faz parte da nossa memória implícita. Enquanto que - se precisarmos de nos lembrar das direcções para o sítio onde queremos chegar - precisamos de ir buscar essas informações à nossa memória explícita interrompendo todos os outros pensamentos para pensarmos especificamente e de forma consciente nesta questão, para continuar a conduzir não precisamos sequer de estar conscientes de que o fazemos porque todos os procedimentos que o permitem já estão armazenados nesta memória implícita que activamos mesmo de forma inconsciente.

As estruturas que possibilitam a memória implícita estão presentes e formadas desde o nascimento, ao passo que aquelas que permitem a memória explícita começam a desenvolver-se apenas depois do primeiro ano de vida.

Isto quer dizer que a memória implícita é algo que está presente desde os primeiros momentos de vida da criança (há quem defenda que pode até estar presente desde o útero) e vai sendo consolidada através de todas as experiências que a criança vai vivendo e que vão, de algum modo, moldando a forma como o seu cérebro e o seu sistema nervoso se desenvolvem.  As experiências - sobretudo as dos primeiros dois anos de vida por ser uma fase de muita receptividade em que o cérebro está em grande transformação - são determinantes para moldar a estrutura cerebral da criança e isto acontece, em parte, através da memória implícita. Porque nesta memória ficam armazenadas todas as expectativas e associações que a criança faz e que se vão transformando em redes neuronais que formam padrões de funcionamento a que a criança pode facilmente aceder. Por exemplo, um bebé cujos pais respondem habitualmente de forma adequada ás suas necessidades cria a expectativa de que pode confiar neles e de as suas necessidades são válidas e costumam ser satisfeitas. Esta é muito provavelmente a razão pela qual estes bebés a partir dos três ou quatro meses de idade costumam ser bebés que choram menos em intensidade e frequência do que no caso dos bebés que não costumam ver as suas necessidades atendidas com regularidade e previsibilidade suficientes para formarem essa expectativa. Porque, se o bebé está habituado a ver as suas necessidades satisfeitas, a sua memória implícita leva-o a construir um determinado tipo de padrão mental mais descontraído que lhe permite lidar de melhor forma com a adversidade quando ela surge. Isto é visível em bebés logo desde os três ou quatro meses - altura em que já é possível verificar algumas diferenças de comportamento em função do tipo de cuidados que os bebés recebem - até à vida adulta em que, os bebés que foram submetidos a um maior grau de stress (com pais que não respondiam às suas necessidades) se tornam adultos com maior dificuldade em gerir o stress nas suas vidas.

Então este tipo de memória implícita forma a base para muitas das nossas convicções, expectativas e formas de nos relacionarmos com os outros, com a vida e connosco mesmos. É através destas primeiras experiências de vida com os os nossos pais que criamos os nossos primeiros modelos de funcionamento do mundo e das relações. E isto cria determinados esquemas mentais que irão moldar a forma como nos relacionamos com todas as pessoas importantes da nossa vida e as expectativas que criamos em relação ao que esperar delas, mesmo que não tenhamos noção disso. Por exemplo, um bebé cujos pais nunca foram capazes de satisfazer as suas necessidades de forma adequada pode crescer com a sensação de que, ou as suas necessidades não são importantes, ou não pode confiar nos outros para as satisfazerem. E, se isto não for trabalhado, este será um dos esquemas mentais que estará sempre presente na base de todos os relacionamentos importantes que a pessoa for vivenciando enquanto adulta.

Porque este tipo de memória não é consciente, não é fácil termos noção da forma como ela nos vai influenciando e, por isso mesmo, também não é um tipo de memória que seja fácil alterar. 
Então a relação que temos com os nossos pais ou com as pessoas que cuidam de nós, através deste tipo de memória implícita e não só, tem de facto um papel primordial no moldar da imagem que vamos criando de nós mesmos sobretudo nos primeiros anos de vida.

Os pais como Espelho 

Nos primeiros anos de vida os pais são as pessoas mais importantes da nossa vida. São aqueles de quem o bebé depende totalmente para sua sobrevivência biológica e afectiva. E são também as grandes referências e modelos que permitem à criança ir construindo o mundo através das memórias implícitas que vai gerando. E o olhar dos pais é também a primeira experiência que a criança tem de se ver a si mesma. Os pais são o primeiro e mais importante espelho das crianças. Porque nenhum de nós existe de forma isolada precisamos sempre de nos ver nos olhos dos outros. Ao longo dos anos, se tudo correr bem, vamos sendo capazes de construir uma auto-imagem mais estável e menos dependente da forma como os outros nos veêm e isto é importante para nos permitir lidar com situações de frustração e até de conflito sem perdermos o centro e a certeza de quem somos e daquilo de que precisamos. Mas, se nos nossos primeiros tempos de vida, não encontrarmos este espelho de forma adequada nos nossos pais, será muito mais difícil desenvolvermos esta capacidade de encontrar esse centro, de saber quem somos, para onde vamos e o que queremos mesmo nos momentos mais difíceis.

Então é fundamental que saibamos ser o espelho dos nossos filhos mas também é muito importante não esquecermos que precisamos de ser um espelho maioritariamente positivo. Porque, se é mau crescermos sem esse sentimento de confiança e de segurança que vem de saber quem somos, é igualmente mau crescermos com uma auto-imagem maioritariamente negativa, que não somos capazes, ou de que somos incompetentes, defeituosos ou maus de alguma forma. E quantos adultos não crescem com este sentimento de que, alguma parte de si, é profundamente defeituosa, negativa? Quantas vezes não crescemos com esta sensação de que, no nosso intimo, lá nas partes mais profundas e escondidas do nosso ser, para onde muitas vezes nem nos atrevemos a olhar, deve haver algo profundamente errado connosco. Quantas vezes não crescemos com esta sensação de que, mesmo lá no fundo no fundo, não merecemos ser amados?

A maior parte das vezes estas não são sensações conscientes. São apenas algo que faz parte da tal memória implícita e que já se tornou parte do nosso esquema mental que nos norteia e orienta mesmo quando não temos noção disso. E muitas vezes gera situações difíceis na nossa vida, nos nossos relacionamentos das quais nem sabemos como sair, nem percebemos porque acontecem. E acontecem simplesmente porque foi esse o espelho que recebemos na infância. Acontecem simplesmente porque interiorizámos o olhar que sentimos que nossos pais tinham sobre nós na altura. E claro que nenhum pai quer dar aos filhos um espelho mau, claro que nenhum pai, no fundo de si, pensa que os filhos são maus ou defeituosos. O que acontece é que, enquanto pais, podemos ter todos estes receios e sentimentos guardados na nossa memória implícita e, se estes nunca forem trabalhados, serão eles que irão guiar também a forma como lidamos com os nossos filhos. E, se eu tenho uma imagem negativa de mim mesma, como mãe, será muito difícil transmitir ao meu filho algo mais positivo.

Na verdade acredito que isto tem muito a ver com uma questão básica e fundamental que está sempre presente na forma como lidamos com os nossos filhos: a confiança. (sobre a qual já escrevi aqui). Se confiarmos em nós, enquanto pessoas, se confiarmos que somos fundamentalmente bons, capazes, competentes e dignos de amor, é mais fácil transmitirmos isso também aos nossos filhos. Mas, se em alguma parte de nós duvidarmos de tudo isto, também é muito fácil transmitir aos nossos filhos essa dúvida por muito que lhes queiramos bem.

Alguns autores defendem que, por razões evolutivas, todos temos alguma tendência para dar mais atenção ao que é negativo do que ao positivo. Porque precisamos de nos proteger dos perigos potenciais é como se o nosso cérebro estivesse programado para estar sempre mais atento a tudo o que possa ser negativo e para que o registe com  mais impacto. Isto quer dizer que, nas nossas interacções com os nossos filhos, tudo o que é negativo - até porque isto tende também a ser expresso com mais vigor e intensidade - tem maior probabilidade de ficar registado. É importante lembrarmos-nos disto para sabermos que, as vezes que transmitirmos, de algum modo, aos nossos filhos uma imagem mais negativa deles próprios precisam de ser sempre em menor número do que aquelas em que lhes transmitimos algo de bom.


Para educar é importante corrigir e temos mesmo que o fazer algumas vezes mas é fundamental que aprendamos a corrigir o erro sem corrigir a criança. Se a criança correu para o meio da estrada, por exemplo, temos mesmo de lhe dizer que não pode voltar a fazê-lo. Mas é importante que procuremos forma de lhe transmitir isso sem a fazer sentir-se desaquada e envergonhada pelo seu comportamento. Por vezes achamos que é envergonhando a criança que a impediremos de repetir algum tipo de comportamento. Mas isto não podia estar mais longe da verdade, uma criança envergonhada é uma criança que não recebe um bom espelho, que aprende que nem sempre é digna de amor e respeito e, com o tempo isto irá minar a sua auto-estima, dificultar o seu controlo dos impulsos e dar-lhe cada vez menos motivos para ter vontade de fazer o que é certo pelas razões certas. Uma criança que tem um bom espelho é uma criança que é capaz de aceitar o facto de ter cometido um erro sem que isso a faça sentir-se posta em causa. Isto dá-lhe a segurança necessária para poder pensar noutras formas de lidar com a situação.

Ser um bom Espelho 

E é importante também saber que ser um bom espelho passa não só por dar uma imagem positiva dos nossos filhos mas também e acima de tudo, dar-lhes espaço para que possam descobrir quem são. Um espelho não cria, não impõe, limita-se a reflectir. Um bom espelho permite que os nossos filhos se descubram no nosso olhar. 

Dar um bom espelho aos nossos filhos implica transmitir-lhes uma noção de aceitação incondicional, uma ideia de que serão amados sejam quais forem as suas escolhas e opções. Um bom espelho passa por não criticar demasiado a criança mas também passa por elogiar excessivamente. Porque, muitas vezes, caímos no erro de usar o elogio como uma espécie de bandeira de uma parentalidade mais positiva. Mas o elogio constante também torna a criança dependente da nossa apreciação e não lhe dá espaço para que possa descobrir-se e conhecer os seus gostos e preferências. Um bom espelho é aquele que reflecte o  nosso olhar de aceitação, de amor incondicional, é aquele em que a criança pode sentir-se sempre segura e digna do nosso amor sejam quais forem as suas escolhas ou comportamentos. É nesse espelho e só com esse espelho que os nossos filhos podem crescer seguros, confiantes e capazes de descobrirem a sua verdadeira natureza.

E este espelho não tem que passar necessariamente pelas palavras mas sim pelos gestos e atitudes. As crianças aprendem mais com o que veêm do que com o que ouvem. O lado esquerdo do cérebro, da linguagem, só começa a desenvolver-se durante o segundo ano de vida mas, antes disso já o direito está em pleno funcionamento. Isto quer dizer que as crianças estão muito mais atentas aos gestos, às emoções e a tudo o que não é dito do que às palavras.

Na prática isto quer dizer que podemos e devemos expressar de várias formas diferentes o nosso amor, o nosso afecto, através de gestos e de atitudes. Por exemplo, se precisamos de corrigir uma criança podemos simplesmente dizer-lhe que preferimos que faça as coisas de forma diferente, dar-lhe alternativas com as quais nos sentimos  mais confortáveis mas dando-lhe também espaço para se manifeste contra essas alternativas se for essa a sua vontade, para que demonstre frustração, para que possamos chegar a algum tipo de acordo, por exemplo. No caso dos elogios e, se estamos mesmo muito contentes com algo que a criança fez, ser um bom espelho passa mais por mostrarmos o nosso contentamento dizendo que estamos felizes, satisfeitos ou orgulhosos mas sem cairmos na facilidade de aplicar logo um rótulo ou adjectivo à criança, como és tão bonito, por exemplo.

As interacções em que o que lhes devolvermos é uma má imagem deles próprios são todas aquelas em que estamos com menos paciência, tolerância, em que tentamos corrigir algo que eles fizeram de forma um pouco mais agressiva ou menos assertiva, todas as vezes em que lhes mostramos que não estamos satisfeitos com eles. Sempre que olhamos para os nossos filhos com impaciência, eles vêem-se como sendo chatos, aborrecidos. Sempre que olhamos para eles zangados porque fizeram algo errado eles vêem-se como incapazes, ou como maus ou desajustados. E as crianças vêem muito mais os gestos e os afectos do que as palavras. As crianças são muito boas a ler mesmo as emoções que não são expressas. Por isso é muito importante que, quando olhamos para os nossos filhos, nos lembremos do amor que sentimos por eles. É importante que deixemos estar presente o amor, o orgulho a felicidade que sentimos cada vez que nos lembramos que aqueles seres fazem parte de nós, do nosso coração, das nossas vidas. É muito importante que os nossos filhos sejam capazes de ver diariamente o brilho no nosso olhar não porque fizeram algo de bom ou de certo mas simplesmente porque são nossos filhos, simplesmente porque os amamos.

É fundamental que os nossos filhos cresçam com um espelho que lhes mostra que são capazes, competentes e dignos de ser amados. E, para que esse espelho aconteça é fundamental que não nos esqueçamos disso mesmo nos momentos mais difíceis. É muito importante que as crianças leiam nos nossos olhos essa aceitação e amor incondicionais de forma constante.

E, sempre que houver algum tipo de interacção que nos faça sentir que não transmitimos um bom espelho aos nossos filhos também é importante sermos capazes de o corrigir. Se gritámos, por exemplo, ou dissemos algo que não queríamos ter dito é importante dizer à criança que o fizemos não por causa dela, mas por nossa causa. Porque não soubemos fazer melhor naquele momento, não porque ela o mereceu mas apenas porque nós não fomos capazes de fazer diferente.


quinta-feira, 17 de julho de 2014

Como Lidar com o choro de um bebé

Todos sabemos que é praticamente impossível ignorar o choro de um bebé. Num estudo que o demonstrou de uma forma forma simples, os investigadores davam ás pessoas uma gravação de um bebé a chorar para que a ouvissem durante uns minutos e depois avaliarem o tempo que tinha durado aquele choro. Todas as pessoas julgavam que o choro tinha durado mais do que na realidade durara; na verdade, a grande maioria das pessoas avaliava a duração daquele choro como sendo 50% superior aquilo que era o seu tempo real. Isto demonstra bem como nos aflige este som, de tal maneira que o tempo até nos parece mais longo porque ficamos tão desesperados para que pare. E, qualquer mãe ou pai de recém-nascido sabe como cada minuto se arrasta e como cada minuto parece mais uma hora quando temos um filho que chora nos braços e não conseguimos fazê-lo parar. É suposto que assim seja. O choro é um sinal importante, que não deve ser ignorado. A natureza é sábia e o nosso instinto também. E o instinto de qualquer pai ou mãe de um bebé que chora é olhar para ele, pegar-lhe ao colo e tentar perceber o que se passa.

O choro como forma de comunicar

O choro do recém nascido é um sinal importante de que algo pode não estar bem. Os seres humanos nascem com um grande grau de imaturidade e, por isso, estão totalmente dependentes dos seus cuidadores para poderem sobreviver. Como os bebés não sabem falar, precisam de ter algum meio de comunicar que lhes permita alertar os seus cuidadores sempre que se sentem em risco. E, como seres altamente imaturos que são, os bebés ficam totalmente dependentes desta proximidade com os cuidadores por isso, o seu choro, é  uma resposta instintiva que serve justamente para os aproximar e para lhes pedir que prestem atenção e que fiquem por perto. O choro é realmente um mecanismo de alerta que não pode e não deve ser ignorado. Primeiro porque, se o bebé chora, é porque realmente alguma coisa não está como deveria estar com o seu organismo, alguma coisa precisa de ser alterada. Segundo porque se o bebé nasce programado para confiar nos outros e para estabelecer relações é fundamental para a sua saúde mental, para que seja capaz de estabelecer relações e para que aprenda a confiar nos outros sentir que o seu choro é ouvido e atendido, mesmo que haja casos em que o pai ou a mãe não o conseguem fazer parar. É verdade que há casos em que, à custa de tanto ser ignorado, o choro pode quase desaparecer mas isto significa apenas que o bebé desistiu de uma resposta que é vital para a sua sobrevivência e para o seu crescimento e esta desistência pode ter consequências muito graves no seu desenvolvimento que já foram explicadas neste artigo: Razões para não deixar um bebé a chorar sozinho

Acontece que, na nossa sociedade, crescemos cada vez mais desligados de nós mesmos, dos nossos instintos e daquilo que é natural. Então habituamos-nos muitas vezes a pensar que é natural um bebé chorar. Que não faz mal deixá-lo chorar um pouco, que é mesmo assim. É tão natural que, por vezes, se chega ao extremo de achar que precisamos de o deixar chorar um pouco para que ele se desabitue de o fazer. Para que se desabitue de contar connosco, para que se desabitue de confiar nos seus instintos e nos seus próprios mecanismos de sobrevivência, para que se desabitue de pensar que pode confiar no mundo e, acima de tudo, para que se desabitue de se sentir seguro com os seus pais e consigo mesmo.

Quando os bebés choram é normal que o instinto dos pais lhes diga que algo não está certo. Acontece que, na nossa cultura, há muitas outras vozes que nos dizem que não faz mal um bebé chorar, que os bebés choram, que é mesmo assim, que é normal chorarem e que nem sempre têm uma razão para o fazer. Se, por um lado, esta atitude pode retirar alguma pressão dos ombros do pai e da mãe que assim se sentem menos culpados por não serem capazes de evitar o choro do filho, por outro lado, descredibiliza e desvaloriza o instinto que nos diz que nenhum bebé chora sem razão e que, se existe uma razão, quer dizer que existe uma causa para o choro que pode e deve ser encontrada. E diminui também a nossa confiança em nós mesmos, como mães ou pais, porque não seguimos o nosso instinto e a nossa confiança no nosso filho, porque não aceitamos as suas manifestações e não acreditamos no seu comportamento que nos demonstra que algo não está bem com ele. 

Então onde podemos procurar essas causas e como lidar com elas? 

Há várias causas que se podem procurar para o choro do bebé. Deixo aqui algumas sugestões de como lidar com cada uma delas. 

Temperatura - Em relação ao frio e calor, basta lembrar que os bebés são um pouco mais sensíveis ao frio do que nós. A melhor forma de termos a certeza de que o bebé está confortável é mesmo mantê-lo em contacto connosco, porque o contacto com o corpo da mãe ou do pai ajuda o bebé a regular a sua temperatura corporal. Este é um mecanismo que pode mesmo ajudar a salvar vidas no caso dos bebés prematuros que ainda são demasiado imaturos para se auto-regularem. Mas, mesmo nos bebés de termo, a possibilidade de ter o corpo da mãe ou do pai perto do seu faz com se torne muito mais fácil manter a temperatura do organismo dentro dos níveis adequados. O que significa que o bebé precisa de gastar muito menos energia para o conseguir. Isto é válido mesmo no caso de dias com temperaturas muito elevadas, porque, nesses dias o nosso corpo também precisa de se ajustar e auto-regular para manter a sua temperatura. Por vezes as mães têm medo que os bebés aqueçam demasiado se estiverem junto do seu corpo em dias quentes mas, a verdade, é que este contacto ajuda o organismo do bebé a fazer os ajustes necessários para suportar tanto o calor como o frio.

Fome – para ter a certeza de que o bebé não tem fome, o mais fácil é mesmo oferecer sempre a mama ao bebé quando ele chora. E não olhar para as horas nem para o tempo que passou desde a última mamada. Se o bebé não tiver fome e estiver a chorar por outro motivo qualquer, ele próprio, acabará por largar a mama.  Por vezes as mães têm receio de que o bebé se habitue demasiado a contar com a mama se lha dão sempre que chora. Mas é essencial que o façam, principalmente com recém nascidos. Porque os bebés não têm horas para ter fome e tanto lhes faz se mamaram há três horas ou há três minutos. Pode haver alturas que simplesmente precisam de mamar mais. Outras vezes apenas pegam na mama alguns segundos porque tinham sede e queriam mesmo só aquele leite mais aguado do início. Outras vezes não têm fome nem sede mas a sucção é muito importante para um bebé e a mama é o sítio adequado para a treinar. Muito mais do que qualquer substituto de plástico. A mama não serve só para matar a fome do corpo mas também serve para matar a forme de contacto, de amor, de conforto. Mamar é o mais parecido que o bebé encontra com estar dentro do útero da mãe outra vez e por isso também é uma excelente forma de acalmar um bebé que está agitado por outros motivos, mesmo que não tenha fome. E, nestes casos, se lhe parecer que não faz muito sentido dar a mama cada vez que o bebé chora, pergunte-se então que sentido fará dar uma chucha, um objecto de plástico que não tem nenhum significado afectivo, nem nutritivo e se limita a preencher a sua necessidade de sucção de forma desprovida de calor e de afecto.
É importante também estar atento aos primeiros sinais de fome - como procurar a mama ou chupar os dedos, por exemplo - e não esperar que o bebé chore para lhe dar de mamar, porque o choro é um sinal de que a fome já é tanta que o bebé já ficou agitado e ansioso, e isto pode até pode dificultar um pouco a mamada. 

Fralda suja – hoje em dia, com as fraldas descartáveis, o desconforto de ter a fralda com xixi já é muito reduzido. Mesmo com as reutilizáveis, de pano, há sistemas que absorvem bem o xixi e, por isso, o bebé não fica com a sensação de ter a fralda molhada que pode causar desconforto. Assim, já não é tão provável que o facto de ter a fralda com xixi faça um bebé chorar mas, de qualquer modo, é sempre um factor a ter em conta e que pode provocar incómodo a bebés mais sensíveis, sobretudo no caso das fezes.

Necessidade de colo – aqui é que muitas vezes os pais começam a desvalorizar o choro do bebé. Quando percebem que não tem fome nem sede, nem frio ou calor, nem a fralda suja, começam a achar que o seu choro não deve ser levado a sério e, muitas vezes, não acreditam que a necessidade de colo é tão importante como todas as outras. É verdade que um bebé pequeno tem uma grande necessidade de estar em contacto com a mãe ou o pai. Esta necessidade é tão real como qualquer uma das que já mencionámos e não deve ser menosprezada. Alguns bebés manifestam-se mais nesse sentido, são um pouco mais activos na procura deste contacto e não se contentam se não o tiverem quase constantemente. Mas todos os bebés têm esta necessidade. Alguns autores defendem que, os primeiros nove meses da vida de um bebé devem ser chamados de exterogestação. Isto quer dizer que o bebé precisa de continuar a desenvolver-se fora do útero materno - porque a sua cabeça nunca passaria pela pélvis da mãe se continuasse a desenvolver-se lá dentro - mas que precisa de um ambiente o mais parecido possível com o útero. E essa semelhança consegue-se sobretudo mantendo o bebé em contacto com o corpo da mãe ou do pai. Alguns autores recomendam que se embrulhe bem o bebé, para que ele se sinta contido como no útero, ou que se use um secador de roupa ligado para produzir um som semelhante ao que ele ouvia na barriga da mãe. Mas, o mais importante e mais simples de tudo é mesmo manter o bebé junto ao corpo da mãe. Isto pode ser feito através do babywearing que nos permite manter o bebé junto a nós ao mesmo tempo que continuamos a viver a nossa vida e a fazer algumas coisas que precisem de ser feitas. (Ler artigo sobre os benefícios do babywearing e babywearing II - questões práticas)

O organismo do bebé regula-se em função do organismo da sua mãe, quando está junto desta. Por exemplo, já dissemos que os bebés regulam mais facilmente a sua temperatura corporal se estiverem junto do corpo da mãe e a sua respiração também adopta um ritmo muito semelhante ao da mãe quando estão juntos. Na verdade, alguns investigadores, como James Mckenna, defendem que este é o mecanismo que está na base da diminuição do risco de morte súbita quando o bebé dorme junto da mãe: porque nos bebés pequenos o aparelho respiratório ainda é muito imaturo e, esta imaturidade, pode originar paragens respiratórias que levam mesmo à morte. Se o bebé estiver em contacto com a mãe é como se o seu organismo se deixasse influenciar pelo desta e já foi observado que, nestes casos, o seu ritmo respiratório passa a seguir um padrão mais estável e seguro.

As neurociências começam também a descobrir que o sistema nervoso dos bebés parece deixar-se influenciar e regular pelo dos seus pais. Isto quer dizer que num bebé aflito, que chora e está em stress, a presença de um adulto tranquilo e seguro faz com o que seu sistema nervoso, de algum modo seja influenciado pelo do adulto de forma a que aprenda a regular-se muito mais facilmente.
Então aquilo que já sabemos é que um bebé sozinho, isolado, sem a presença física de um adulto é um bebé que precisa de despender muito mais energia para conseguir manter o seu organismo em bons níveis de funcionamento. Isto quer dizer que o contacto físico com os pais é mesmo uma necessidade fundamental, sobretudo, em períodos de maior tensão, de maior estimulação ou cansaço.

Sono - um bebé com sono, é um bebé cansado e, esse cansaço - tal como acontece com os adultos - diminui muito a sua tolerância a todo o tipo de estímulos. Acontece que é natural que um bebé não consiga adormecer sozinho, mesmo quando tem sono. O sono é um momento de vulnerabilidade, de entrega e, por isso, é fundamental que o bebé ou criança se sintam seguros para adormecer. E a melhor forma do bebé se sentir seguro é, mais uma vez, ao colo da mãe ou do pai. Também é importante que os adultos comecem a ser capazes de ler os primeiros sinais de sono e cansaço no bebé, como esfregar os olhos, bocejar, pouca vontade de interagir, por exemplo. Porque se estes não forem respeitados, o bebé pode começar a ficar tenso e, quando esta tensão surge significa que aumentam os níveis de cortisol no sangue. Uma hormona que influencia os nossos ciclos de sono mas que também tem um papel importante na resposta ao stress. Então, quando estes níveis aumentam, o bebé começa a ficar mais ansioso e agitado e torna-se muito mais difícil adormecer. Nestes casos, é importante que o adulto se mantenha calmo e em contacto com a criança para ajudar o seu organismo a retomar o equilíbrio. Por vezes ajuda passear um pouco com o bebé ao colo, ou num porta-bebés recreando os movimentos do útero. Sempre que passou muito da altura certa para o bebé dormir é natural que se torne mais difícil adormecê-lo e também é muito natural que os sonos sejam mais curtos, porque quando a concentração de cortisol no sangue é elevada, o organismo entra num estado de alerta. 
Por causa da influência que o organismo da mãe exerce sobre o do bebé é mesmo importante que esta se mantenha calma quando está a tentar adormecê-lo. Na verdade, por causa desta influência - como muitos pais descobrem sem querer - uma das formas de adormecer um bebé é mesmo pô-lo no nosso colo e dormirmos também. 

Dores – a maior parte das vezes aquilo a que os pais e pediatras chamam cólicas não têm propriamente uma origem física mas são fruto do cansaço que o bebé acumulou ao longo do dia e do stress provocado pela dificuldade e cansaço de tentar manter o seu organismo a funcionar de forma equilibrada sem a presença e o contacto dos pais ao longo do dia. Sobretudo se o dia foi cheio de estímulos e os pais estiveram pouco presentes, é muito natural que o bebé, ao final do dia, se mostre cansado e com mais dificuldade em se auto-regular sem a presença dos pais, porque já gastou muita energia a tentar fazê-lo sozinho o dia inteiro. E, por vezes acontece que, o cansaço e a tensão acumuladas foram tantas que, mesmo a presença e o contacto físico com os pais ainda podem levar alguns minutos até fazerem efeito e até que o bebé consiga ficar mais calmo. Isto será ainda mais demorado se o pai ou a mãe que estão com o bebé ficarem também nervosos ou agitados e, por isso, não forem capazes de ser um bom modelo para que o organismo do bebé se deixe influenciar e regular no sentido de recuperar o equilíbrio. Porque realmente tudo indica que, de algum modo, os bebés aprendem através desta modelagem que acontece de forma inconsciente e subtil em que o organismo mais forte e mais capaz dos pais influencia fortemente o organismo do bebé que, por ainda ser imaturo, é como se precisasse de pistas para aprender as direcções a seguir.
Algumas doenças, como otites, ou procedimentos médicos também podem causar dor ao bebé. Nestes casos a presença física e a disponibilidade da mãe também são essenciais para que o bebé aprenda a gerir o stress provocado por essas situações. Na verdade esta presença da mãe ou do pai também ajudam o bebé a lidar com a dor na medida em que contribuem para libertação de endorfinas e de dopamina, hormonas que estão associadas a situações de prazer e bem-estar, ajudando assim o organismo do bebé a diminuir o efeito prejudicial das hormonas libertadas com o stress provocado por essas dores e contribuindo mesmo para uma diminuição dos seus níveis de dor. Mesmo com crianças mais velhas sabe-se que, quando há uma maior segurança na relação da criança com os pais, há uma maior tendência para que se encontrem em maior quantidade na sua corrente sanguínea estas hormonas que podem ter um papel importante na diminuição dos seus níveis de dor e do stress provocado por alguns desafios.

Algumas vezes também pode acontecer que o bebé tenha algumas dores que, na maioria das vezes são, causadas por alguma alimento a que o bebé seja intolerante e que a mãe consome, passando assim no seu leite. Uma grande maioria das vezes este alimento são os lacticínios a que boa parte dos bebés não reage bem e que, se a mãe comer, irão passar através do seu leite. Mas, nestes casos há, quase sempre, outros sintomas associados: o bebé terá a barriga inchada, gases, pode haver alturas em que tem vontade de mamar mas não consegue fazê-lo porque começa a chorar com dores quando tenta mamar, podem surgir diarreias, refluxo, muitas vezes estes bebés têm um peso baixo e dificuldade em engordar, problemas de pele, etc. E, nestes casos também o que acontece é que, em vez de desaparecerem os sintomas, quando o bebé começa a comer esses mesmos alimentos tudo terá tendência para se agravar. Nestes casos a melhor forma de ter a certeza de que se está mesmo perante um caso de dores provocadas por alguma intolerância é eliminar totalmente esse ingrediente da alimentação da mãe pelo menos durante uma semana, o tempo mínimo para que desapareçam todos os sintomas.

Ansiedade por parte da mãe – nos primeiros tempos de vida os bebés vivem num estado de fusão total com a mãe. E, como já vimos, o seu organismo precisa mesmo desse estado de fusão para aprender a auto-regular-se. Então isto significa que o bebé também está muito permeável a todas as emoções da mãe. E, muitas vezes, não basta termos em conta apenas as necessidades do bebé para lidar com o seu choro. É fundamental que olhemos também para as da mãe. Se a mãe estiver muito ansiosa ou deprimida irá transmitir essas emoções ao seu filho e ele acabará por expressá-las da única forma que sabe: chorando. Então, por vezes, a melhor forma de lidar com o choro de um recém-nascido passa também por perceber se a sua mãe tem as condições necessárias para que não se sinta demasiado ansiosa, agitada ou deprimida enquanto cuida do seu bebé. Para que possa servir como um modelo ajustado e adequado para que o seu organismo imaturo possa aprender a regular-se. Se nos parece que o bebé tem tudo o que já  foi referido e não encontramos outras causas para o seu choro, por vezes, a única forma de lidar com ele é mesmo cuidar da mãe. Procurar perceber se há alguma coisa que a esteja a deixar particularmente ansiosa,
agitada ou deprimida e se há alguma coisa que se possa fazer para melhorar a situação. 

Em resumo: o mais importante é darmos ouvidos ao nosso instinto e prestar atenção ao choro do bebé, não o desvalorizar e responder sempre com a nossa presença física e disponibilidade emocional, ensinando-o que pode confiar em nós e nos seus próprios recursos para alterar aquilo que precisa de ser mudado. E, a verdade é que, ao contrário do que demasiadas vezes somos levados a pensar, para um bebé que tem tudo isto o choro frequente não é tão natural assim. A tendência é para que os bebés que vêem as suas necessidades satisfeitas com regularidade se tornem bebés que passam a chorar muito pouco e que demonstrem até uma maior tolerância em situações de stress que aconteçam ocasionalmente. 

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Estarmos presentes com os nossos filhos

Todos sabemos que as crianças precisam da atenção dos pais. Para uma criança, sentir a presença dos pais, é tão essencial como ser alimentada ou protegida do frio ou calor. Com os bebés esta atenção passa muito pela presença física que, nos primeiros meses, é mesmo essencial. Mas, à medida que as crianças vão crescendo, esse contacto físico - que deve ser quase constante nos primeiros meses - vai, gradualmente, começando a tornar-se um pouco mais espaçado. E, se tudo estiver a correr bem, as crianças vão, naturalmente, encontrando outros interesses no mundo para além do pai e da mãe. 

Acontece que, muitas vezes, principalmente com as crianças mais crescidas, caímos no erro de pensar que essas novas fontes de interesse podem substituir a nossa presença. Ou pensamos que, como elas já se entretêm com outras coisas, podemos até estar presentes do ponto de vista físico mas sem estarmos verdadeiramente presentes do ponto de vista emocional, porque vamos aproveitando para fazer outras coisas, como vir à internet, ao facebook, falar ao telefone, arrumar a casa, etc. 

Outras vezes o que acontece é que até gostaríamos de estar mais presentes mas sentimos que não somos capazes porque não podemos deixar de pensar nas coisas que ainda temos para fazer, ou de aproveitar para fazer algumas dessas coisas ou porque, simplesmente, não estamos habituados a estar no presente como as crianças naturalmente estão. Então podemos sentir que não é suficientemente estimulante ou interessante para nós tentarmos estar no mundo delas, podemos sentir que é aborrecido repetir o mesmo jogo vezes sem conta, ou ler a mesma história até já sermos capazes de a repetir de cor e salteado. 

Acontece que, mesmo com crianças mais velhas, a nossa presença é fundamental e faz toda a diferença do mundo. É através dessa presença que as crianças se sentem verdadeiramente vistas, ouvidas, acolhidas. É essa presença que lhes dá o sentimento de pertença e de que realmente fazem parte das nossas vidas que é essencial para que cresçam com a confiança e segurança de se sentirem dignas do nosso amor e de que estão no lugar certo. 

As crianças aprendem a ver-se a si mesmas através dos nossos olhos. Somos como uma espécie de espelho, através do qual os nossos filhos aprendem quem são. Então é muito importante que esse espelho lhes mostre que são pessoas importantes, dignas do nosso amor e da nossa atenção. E, a melhor forma de lhes mostrarmos isso, é simplesmente estando presentes. Quando não estamos presentes é como se lhes disséssemos que não são suficientemente importantes ou interessantes para cativar a nossa atenção. Mesmo que não seja nada disto que lhes queremos dizer. 

Mas estarmos verdadeiramente presentes e disponíveis nem sempre é fácil e, muitas vezes, não sabemos bem como fazê-lo. 

O mindfulness é um estado de atenção que pode ser traduzido como Atenção Plena e que é uma forma de treinarmos a nossa mente a estar mais presente, sem os julgamentos e as análises que normalmente surgem de forma espontânea e constante. (ver artigos sobre este tema aqui e aqui) Esse estado aprende-se melhor com uma prática de meditação formal mas o objectivo é que passe a ser aplicado a toda a nossa vida diária. E os momentos com os nossos filhos são uma excelente altura para treinar esta capacidade de simplesmente estamos presentes, sem julgamentos. 

A nossa presença total é mesmo o melhor presente que podemos dar um filho. É essa presença que nos permite sentir ligados à outra pessoa. É essa presença que pode fazê-los crescer e florescer no nosso amor e no conforto de se sentirem plenamente acolhidos por nós. 

Modelagem emocional e neuronal

Quando uma mãe está grávida, o bebé que tem dentro de si, é uma outra pessoa mas, de certo modo, ainda não o é completamente, ainda faz parte dela. É uma pessoa separada que começa a formar-se mas, no início das nossas vidas, ainda sentimos a vida praticamente só através daquilo que as nossas mães sentem. Quando o bebé nasce começa a formar a sua individualidade que, nos primeiros meses de vida, ainda quase não existe. Durante os primeiros tempos fora da barriga o bebé reflecte as emoções e sentimentos da mãe de uma forma ainda muito intensa. Só com o passar dos meses é que o bebé começa a diferenciar as suas emoções das de quem o rodeia. 

Alguns estudos mostram que os bebés precisam de estar em contacto com a mãe ou com o pai para regular o seu próprio organismo. A temperatura do bebé, por exemplo, é mais facilmente mantida se este estiver em contacto com o corpo da mãe o que significa que, através deste contacto, o bebé precisa de gastar menos energia para manter uma temperatura corporal estável. Este mecanismo é um dos responsáveis pelo sucesso do contacto pele com pele para salvar vidas de bebés prematuros. 

Da mesma forma também o sistema neurológico do  bebé é regulado pela presença da mãe ou do pai. Em relação às emoções - que são processadas no sistema límbico - vários investigadores já afirmam que a presença do pai ou da mãe e a ligação que existe entre estes e a criança, ajuda-a a regular o funcionamento do seu próprio sistema límbico e das suas emoções. É por isto que se torna fundamental a presença de um adulto que se mantenha calmo quando a criança está descontrolada, porque de facto, é como se o nosso sistema límbico - ao manter o seu estado de equilíbrio- ensinasse o da criança a regular-se e a voltar a um estado de equilíbrio. Quando a criança está num estado de desequilíbrio e não tem a presença de um adulto que a ajude, essa regulação acaba por acontecer mas não da forma mais eficaz. Quando as crianças são entregues a si mesmas em alturas de descontrolo o que acontece é que o seu sistema encontra a saída mais fácil para lidar com aquela emoção que, a maior parte das vezes, consiste numa espécie de desligar emocional que pode causar vários bloqueios e contribuir para um afastamento das emoções que se mantém pela idade adulta. Quando os pais estão presentes, disponíveis e calmos, a criança tem oportunidade de aprender a integrar aquela emoção e a passar de um estado de descontrolo para um estado de equilíbrio sem ter de bloquear ou de se desligar das suas emoções. 

Não se sabe exactamente como é que isto funciona mas o que é certo é que existe realmente uma espécie de modelagem, ao nível neuronal e do sistema nervoso, que faz com que as crianças aprendam a auto-regular-se através do contacto com os seus pais. Por isso também é importante que os pais sejam capazes de estar em contacto com as emoções da criança e de manter o seu próprio equilíbrio interno mesmo quando a criança está totalmente descontrolada. E aqui o mindfulness também pode ser uma ajuda preciosa porque nos ensina a aceitar e a acolher as nossas próprias emoções. O que acontece muitas vezes é que o comportamento descontrolado dos nossos filhos desperta em nós algum medo e alguns bloqueios que são fruto dos nossos próprios condicionamentos de infância e que, a prática do mindfulness nos poderá ajudar a conhecer e a ultrapassar. 

Os laços invisíveis que nos unem

Existem entre nós alguns canais de energia que nem sempre são visíveis ou reconhecidos. 

Quando fiz o meu mestrado, tive uma aula com um investigador inglês, chamado Rupert Sheldrake, que tem um trabalho muito interessante em que demonstra que todos os seres vivos possuem aquilo a que chama campos mórficos e que esses campos interagem entre si. Este investigador procurou demonstrar as suas teorias com experiências simples mas que mostram como todos estamos ligados. Uma das suas experiências mais célebres procurou demonstrar a existência de algo a que chamou the sense of being stared at - a sensação de que estamos a ser observados. Todos nós temos a experiência de querer observar alguém discretamente num transporte público, por exemplo, e de não conseguirmos fazê-lo porque a pessoa percebe sempre que estamos a olhar para ela. Sheldrake testou esta sensação com várias pessoas, em diferentes contextos, centenas de vezes, concluindo sempre que a probabilidade de sabermos que alguém está a olhar para nós é muito superior àquela que seria de esperar se isto se devesse apenas ao acaso. Este investigador fez também algumas investigações sobre transmissão de pensamentos, pedindo a pessoas que ligassem para outras ao acaso, em experiências em que quem atendia o telefone tinha, primeiro, de escrever quem achava que estaria a ligar-lhe. Nestas experiências o que Sheldrake observou foi que, quanto mais próxima fosse a ligação entre a pessoa que estava a ligar e a que estava a atender, maiores eram as probabilidade de que a pessoa que atendesse soubesse quem estava a ligar. 

Então isto demonstra que a ligação que estabelecemos com os nossos filhos cria realmente um canal para que algumas informações passem entre nós. 

Sempre que temos uma ligação muito forte com alguém criamos uma espécie de ressonância neuronal com essa pessoa que é muito importante para o nosso bem-estar. Isto é algo que acontece também em psicoterapia em que algumas investigações já observaram que, quando o terapeuta e o cliente estão em perfeita sintonia, as suas ondas cerebrais criam uma ressonância e até as suas expressões e posturas corporais se tornam quase idênticas. Na verdade é justamente esta presença total, aberta e livre de julgamentos que torna a relação terapêutica algo tão especial e poderoso. O facto de sentirmos que temos alguém, naquele momento totalmente disponível para nós, muitas vezes é, só por si, quase suficiente para ajudar a cicatrizar essas feridas da nossa infância em que sentimos falta justamente dessa presença. Carl Rogers, o pai da terapia centrada no cliente e uma figura central da Psicologia Humanista, dizia que a sua presença na relação terapêutica era mesmo o elemento chave para todas as mudanças que ocorriam na pessoa. Porque, infelizmente, muitos de nós cresceram sem nunca sentirem essa presença curadora e fundamental. Por isso precisamos de a procurar num consultório, numa relação terapêutica, onde nos sintamos seguros e livres para aprendermos a sermos nós mesmos. 

Rogers defendia também que, para uma criança crescer feliz e para que tenha oportunidade de desenvolver todo o seu potencial precisa de sentir o amor incondicional dos seus pais e a nossa presença genuína é uma das formas mais eficazes de comunicarmos esse amor. 

Os seres humanos nascem prontos e a precisar de estabelecer ligações. A presença dos nossos pais é a primeira forma de sentirmos que uma ligação foi estabelecida. Quando nos dispomos a estar presentes com os nossos filhos é como se abríssemos um canal entre nós e lhes déssemos a possibilidade de descansar nessa presença. Quando essa presença não é sentida de forma regular e constante as crianças precisam de encontrar formas de a procurar e, se ainda não tiverem desistido de vez - porque nos casos mais extremos é o que acontece - as crianças podem ser muito exigentes e criativas nas suas tentativas de nos levarem a estar mais presentes. E essas tentativas muitas vezes passam por vários problemas de comportamento que os nossos filhos percebem que servem para nos fazer olhar para eles. Porque esse olhar, mesmo que venha cheio de reprovações e julgamentos, é tão necessário, tão essencial para a sua sobrevivência afectiva e emocional que eles irão fazer tudo o que estiver ao seu alcance para o conseguirem. 

Meditação para crianças 

Então se formos capazes de lhes dar essa presença, sem que eles tenham de sentir que precisam de lutar por ela, podemos vê-los verdadeiramente a florescer. Sermos capazes de dar aos nossos filhos a capacidade de estarmos presentes de corpo e alma, de os vermos verdadeiramente e de os acolhermos é a melhor oferta que podemos fazer-lhes. E, muito mais do que procurar aulas de meditação ou de yoga para crianças, se formos capazes de estar presentes de forma verdadeira e regular nas suas vidas, eles aprenderão que vale a pena viver no presente e, mais importante ainda que vale a pena olharem para dentro de si mesmas que é justamente uma das coisas que a meditação nos ensina.

Hoje em dia fala-se muito em aulas de meditação para crianças mas é preciso termos consciência de que estas práticas podem ser muito válidas e com muitos benefícios mas não servem para resolver muitos dos problemas que os pais, tantas vezes, querem que resolvam. No caso das crianças muito ansiosas, agitadas, inseguras ou com problemas de comportamento e de integração os pais, por vezes, procuram na meditação ou no yoga formas de resolver esses problemas. E a verdade é que, apesar destas práticas terem benefícios, quando falamos de crianças, não há nada que tenha tantos benefícios como sentir a presença dos pais de forma incondicional e autêntica. 

Daniel Siegel um psiquiatra com muitos livros na área do mindfulness defende a ideia, apoiada em várias investigações, de que a prática do mindfulness ou atenção plena, activa no cérebro os mesmos circuitos neuronais que estão activos quando existe um apego seguro. Isto quer dizer que, nos adultos, esta prática tem um efeito de ajudar a corrigir a falta dessa presença na nossa infância. Porque, quando praticamos mindfulness o que fazemos é simplesmente voltar toda a nossa atenção para a nossa própria experiência, sem julgamentos, ou seja, estamos a dizer a nós mesmos que somos dignos e merecedores dessa atenção. Com o mindfulness treinamos-nos para ser capazes de dar a nós mesmos aquilo que muitas vezes sentimos faltar na nossa vida: essa presença especial, única, incondicional acompanhada de uma atitude de aceitação de de acolhimento para com toda a nossa experiência

Então, mais do que esperarmos que os nossos filhos aprendam a fazer isto por si mesmos, é fundamental que sejamos capazes de o fazer por eles. Aprender a meditar ou a fazer yoga tem outros benefícios que podem ser úteis para as crianças mas não podemos olhar para estas práticas como forma de resolver o problema que nós criámos em primeiro lugar. Sim, porque acredito que uma criança ansiosa, insegura, com problemas de comportamento ou de aprendizagem não ficou assim por acaso, mas por falta dessa presença incondicional. Porque provavelmente não teve oportunidades suficientes para se sentir verdadeiramente acolhida e aceite pelos seus pais. Então, não vale a pena procurar lá fora soluções para um problema que foi criado cá dentro. Basta experimentarmos estar presentes com os nossos filhos para vermos a diferença impressionante que esta presença pode fazer no seu comportamento. 

Mas, muitas vezes, não conseguimos estar presentes simplesmente porque nunca aprendemos a fazê-lo. Então nestes casos são os pais e não os filhos que devem aprender a praticar yoga ou meditação. Já houve mães que me perguntaram se eu achava indicada a prática de meditação para os filhos porque eram agitados ou ansiosos e o que lhes respondi foi que achava mais importante que encontrassem elas formas de praticar, para depois poderem simplesmente estar mais disponíveis para os filhos. Porque acredito sinceramente que esta disponibilidade verdadeira resolveria noventa por cento - para não dizer mais - dos problemas dos nossos filhos. 

Mas não podemos dar aquilo que não temos por isso, em primeiro lugar, precisamos de nos perguntar se existe alguma parte de nós que precise de ser aceite, acolhida, que precise de ser alimentada e nutrida porque só assim poderemos alimentar e nutrir os nossos filhos verdadeiramente e acolhê-los em tudo aquilo que são. Mostrar-lhes que toda a sua experiência é válida, importante, digna de amor e de ser acolhida e aceite. E só com essa certeza é que os nossos filhos podem crescer de forma plena, inteira e verdadeiramente realizada. 

E para além de todos os benefícios que esta prática de estarmos presentes tem para os nossos filhos também é importante lembrarmos aqueles que pode ter para nós. Porque não há nada mais gratificante do que sermos capazes de olhar para os nossos filhos e deixarmos-nos simplesmente ficar presentes no amor que sentimos por eles, nos sentimentos tão especiais que só um filho consegue despertar nos pais. E a ciência também já mostrou que esses bons sentimentos - que muitas práticas de meditação se dedicam também a cultivar - podem mesmo ter resultados espantosos na nossa saúde e na nossa satisfação com a vida. 


quarta-feira, 4 de junho de 2014

Pais Zangados

Já falámos neste artigo de como lidar com a zanga quando ela surge nos nossos filhos mas é importante sabermos lidar com ela também quando surge em nós. 
Todos os pais se zangam com os filhos de vem em quando. A zanga é uma emoção natural e que pode até ter um papel importante desde que saibamos lidar com ela. O que acontece muitas vezes é que escolhemos uma de duas atitudes: ou nos zangamos de forma descontrolada e deixamos que esta zanga acabe por prejudicar a nossa relação com os nossos filhos e com aqueles que nos são mais queridos; ou temos tanto medo de nos zangar que acabamos por engolir tudo e acabamos por causar prejuízos a nós mesmos mas também aos nossos filhos porque não somos capazes de lhes transmitir a melhor forma de lidar com esta emoção.

A zanga é uma resposta natural que acontece quando sentimos que algum comportamento ou atitude de outra pessoa pôs, de algum modo, em causa o nosso bem-estar. A zanga é muitas vezes alimentada pela percepção de ameaças ou pela crença de que, determinadas coisas, não deveriam acontecer. A zanga em si mesma não é algo negativo, é uma resposta natural que, em certas situações, pode até ser útil na medida em que nos dá o impulso para agir e tomar atitudes em relação ao que acreditamos que precisa de mudar. Tich Nhat Hahn, monge budista e professor de meditação que - de entre os vários livros que já escreveu- tem um dedicado à zanga, diz que devemos olhar para esta como se olhássemos para um bebé: quando um bebé chora paramos o que estamos a fazer para tentar perceber o que se passa com ele. Com a zanga é a mesma coisa: se estamos zangados devemos tentar parar para perceber o que se passa connosco e o que nos fez zangar mas, é importante que o façamos com uma atitude de compaixão. Assim como acolhemos um bebé que chora, também devemos acolher a nossa zanga para percebermos o que se passa connosco, de onde é que ela veio, o que a fez começar e, sobretudo, de que é que precisamos para que ela possa passar. E isto deve ser feito sem culpas e sem receios porque é a única forma de lidarmos verdadeiramente com esta emoção em vez de nos refugiarmos em comportamentos de fuga que servem apenas para desviar a nossa atenção do essencial: as nossas emoções e aquilo que precisamos de fazer. Marshall Rosenberg, pai da comunicação Não Violenta, afirma que a zanga é sempre a expressão trágica de uma necessidade que não foi satisfeita. Então, em primeiro lugar, precisamos de ser capazes de olhar para a nossa zanga para perceber que necessidade é essa e de que forma poderemos arranjar maneira de a preencher.

Assumir a responsabilidade 

            E uma coisa que é fundamental percebermos quando se trata de lidar com os nossos filhos (e não só) é que não nos zangamos por causa deles, zangamos-nos por causa de nós, mesmo. Isto pode parecer estranho mas é importante termos noção de que não é o comportamento dos nossos filhos que nos faz ficar zangados mas sim as crenças que temos em relação a esse comportamento. Alguns comportamentos dos nossos filhos despertam em nós determinados pensamentos, ou sentimentos, ou emoções com as quais é difícil lidarmos. Temos uma relação de grande proximidade com os nossos filhos por isso é muito natural que eles nos afectem de uma forma muito profunda com as suas atitudes. O problema é que muitas vezes não temos noção disto. Então é importante percebermos que há determinados comportamentos que nos fazem zangar não por causa do comportamento em si mas por aquilo que despertam em nós. 
      Cada um de nós terá os seus próprios gatilhos e é importante que os fiquemos a conhecer para sabermos lidar com eles. 
        Por exemplo, um dos meus gatilhos é a sensação de que estou a perder o controlo da situação. Isto está relacionado com a minha necessidade de manter uma certa ordem e programação na minha vida e, quando sinto que isso está a ser posto em causa e que não tenho qualquer forma de o impedir torna-se difícil não me zangar. Mais concretamente: gosto de me deitar cedo e gosto de ter algum tempo para mim antes de me deitar, por isso gosto que o meu filho adormeça cedo. Este hábito tem vindo a ser reforçado pelo facto de, a maior parte das vezes, o meu filho até colaborar com esta minha necessidade mas, como todas as crianças, tem fases de maior agitação, em que acaba por ter um pouco mais de dificuldade em adormecer à hora que eu gostava que ele adormecesse. E, quando isto acontece, dou comigo a zangar-me com ele, mesmo sabendo que ele não tem culpa de não ser capaz de adormecer. Na verdade, para além desta minha necessidade de dormir cedo e ter ainda algum tempo para mim, isto também está relacionado com o facto de, outra parte de mim, acreditar que as crianças deveriam dormir sempre cedo (nunca muito depois das nove da noite) e que sou uma péssima mãe se não conseguir adormecer o meu filho a essa hora. Então, só neste exemplo temos dois aspectos importantes desta minha necessidade de controlo: por um lado esta necessidade de sentir que posso controlar os meus dias e decidir a que horas me deito, por outro lado a necessidade de sentir que consigo controlar o meu filho e decidir a que horas ele adormece porque, se não for capaz de o fazer, estarei a falhar em algum aspecto como mãe.
        Então, é fácil de ver que o facto de eu me zangar não tem nada a ver com o facto dele não adormecer mas sim com a forma como eu interpreto essa incapacidade e como lido com tudo o que isso desperta em mim. Então, neste caso o que posso eu fazer para preencher essa minha necessidade de controlo? Posso tentar organizar tudo para que ele adormeça cedo mas, nos dias em que isso falha, posso simplesmente, por um lado tomar consciência da minha necessidade de dormir cedo que não está a ser preenchida e, por outro tomar consciência de que o facto dele não dormir tão cedo quando eu gostaria não significa que estarei a falhar em alguma coisa como mãe. 
      Isto faz toda a diferença na forma como sinto e como expresso a minha zanga, porque não a projecto no meu filho. O simples facto de ser capaz de olhar para mim própria com aceitação e de saber que é natural que me sinta frustrada já faz uma grande diferença na forma como me sinto e como me expresso. 
       Tenho o direito de me zangar e de me sentir frustrada porque as coisas não correm como eu previa, mas não tenho o direito de fazer com que o meu filho se sinta culpado por isso. Então é importante eu ser capaz de lhe transmitir que ele não tem culpa da minha zanga. É fundamental que as crianças não se sintam responsáveis pelas emoções dos pais e isto é o que acontece quando lhes dizemos que nos zangámos porque eles fizeram assim ou assado. Então se estamos zangados mas sabemos que a culpa não é deles, podemos simplesmente dizer que estamos cansados ou aborrecidos, ou sem paciência mas que isso não afecta nada o que sentimos por eles. Nem sempre somos capazes de o fazer na altura em que estamos tão identificados com a nossa zanga que não conseguimos separar-nos dela o suficiente para que isto seja possível, mas podemos fazê-lo depois. E nunca é tarde para o fazermos. Podemos e devemos mostrar aos nossos filhos que não nos zangámos por causa deles. Principalmente se falámos mais alto do que gostaríamos ou se dissemos algo que gostávamos de não ter dito é muito importante, tenham eles a idade que tiverem, que lhe digamos que não sentimos o que dissemos e que continuamos a gostar muito deles. Porque o que assusta uma criança quando um adulto se zanga com ela é sentir que pode perder esse amor. Para a criança, quando o pai ou a mãe se zangam parece que deixaram de gostar dela. E isto assusta e muito. Até a nós adultos nos assusta quando alguém se zanga a sério e grita connosco e, se escutarmos lá bem fundo o nosso coração, nessas alturas, o que apetece mesmo perguntar a essa pessoa é “já não gostas de mim?”. Então podemos simplesmente dizer aos nossos filhos que, mesmo quando estamos zangados, cansados, sem paciência continuamos a gostar sempre muito deles, que por trás de toda essa zanga e falta de paciência o amor continua lá, mesmo que não pareça, mesmo que fique escondido como o céu atrás das nuvens, mas ele está sempre lá, nunca se vai embora, nunca desaparece. E, se nos zangamos muitas vezes, é importante dizermos isto muitas vezes, tantas quantas forem precisas até percebermos que eles o sabem e sentem de verdade. 
     Isto dá também aos nossos filhos a possibilidade de saberem que se podem zangar, que têm o direito de ficar zangados e que não precisam de fugir dessas emoções, que podem lidar com elas. E ensina-lhes também outra coisa muito importante: que é possível reparar as relações. Que, quando alguém se zanga connosco e se afasta temporariamente, não quer dizer que essa pessoa está perdida e que já não gosta de nós. Ensina-lhes que podemos e devemos acreditar nas pessoas de quem gostamos e no amor que têm por nós.

Zanga como educação

      A zanga é uma emoção explosiva: tem um pico que acontece muito depressa, mesmo do ponto de vista fisiológico, mas que se extingue rapidamente. O que acontece é que, muitas vezes, nós escolhemos prolongar a nossa zanga porque acreditamos que ela tem alguma utilidade. Pensamos que precisamos da zanga para que os outros percebam o que não podem fazer. 
   Quando o meu filho começou a andar e a mexer em tudo e fazer todos os disparates característicos como meter mãos em tomadas – ou a ter ideias brilhantes como a de de enfiar uma palhinha no buraquinho da tomada para depois meter lá a boca - e a despejar todos os CDs das caixas, por exemplo, eu comecei por pensar que tinha de me zangar com ele para que percebesse que não poderia fazer estas coisas. E havia aquela parte de mim que tem tendência para repetir o que conhece, que se sentia na obrigação de se zangar para ele não fazer certas coisas. Acontece que, muitas vezes, eu não me sentia realmente zangada mas achava que tinha me forçar a ficar zangada para ele não pôr mais palhinhas em tomadas. Até que percebi que realmente não precisava de forçar uma zanga que não existia. E a zanga não existia nestes casos, porque ele não estava a activar nenhuma das minhas emoções mais primitivas, como no exemplo que dei acima. Porque eu sabia que ele estava simplesmente a ser criança, a descobrir o mundo, que não estava a fazer aquelas coisas para me chatear ou porque era especialmente mau ou mal educado. Então, nestes casos o comportamento dele não estava a desafiar a minha forma de ver o mundo nem a por em causa as minhas percepções ou a fazer-me sentir ameaçada. Por isso a zanga não surgia naturalmente, mas eu achava que tinha de a ir buscar ou inventar a algum lado para o ensinar. Mas, na verdade, percebi que a zanga não ensina nada e não precisamos de zanga para educar ninguém. A zanga serve apenas para nos educar a nós, para nos fazer compreender quais são os nossos gatilhos mas não serve para educar mais ninguém. Não é por nos zangarmos com os nossos filhos que eles aprendem a não mexer nas tomadas. Antes pelo contrário até. Se nos zangamos eles assustam-se, pensam que não gostamos deles. E, quando se assustam, entram num modo defensivo, nesse modo defensivo ficam muito menos receptivos ao que quer que seja que lhes tentemos ensinar. Então a zanga não só não funciona como ferramenta educativa como até atrapalha. No exemplo da palhinha na tomada será muito mais eficaz mostrar a minha cara de susto e explicar-lhe com firmeza que não pode repetir aquilo, que é perigoso, que se pode magoar a sério. No exemplo dos Cds, em que não há nenhum perigo envolvido mas não queremos realmente que ele os estrague ou misture todos, podemos simplesmente dizer-lhe com firmeza que não queremos que abra as caixas, que aqueles objectos são importantes para nós e preferimos que não lhes mexa. Isto deve ser feito de modo a que a criança não sinta que houve nada de errado em querer mexer-lhes, mas que é apenas uma preferência nossa. E ajuda se eles sentirem que isto não se repete com demasiadas coisas, ou seja, uma criança que sente que não pode mexer em nada, que está constantemente a ouvir nãos, começa a ficar ansiosa e torna-se difícil não sentir que está a fazer algo de errado. Mas se a criança sabe que até pode mexer em quase tudo, torna-se mais fácil respeitar essas preferências se forem expressas de forma correcta e perceber que há algumas coisas em casa com que é mesmo importante ter cuidado. Com crianças mais velhas podemos mostrar-lhes de que forma podem mexer nesses objectos, como podem fazer para que não os partam ou estraguem, se sentirmos que isto é possível. Com crianças mais pequenas, antes dos dois anos, geralmente resulta melhor tentar distraí-las com outras coisas em vez de lhes dizer simplesmente que não, porque a criança ainda não tem capacidade para compreender verdadeiramente o que isso significa. 
      Sempre que dizermos que não aos nossos filhos há duas coisas fundamentais: primeiro fazê-lo de forma a que a criança não se sinta desadequada por ter tido aquele comportamento e segundo, estarmos preparados para aceitar os seus sentimentos de frustração e de zanga, dando-lhes liberdade para os expressar e sendo capazes de os ouvir. 
      E é importante também termos noção que as crianças não aprendem logo à primeira estas coisas. É importante termos noção das nossas expectativas e sabermos que, o facto de termos de repetir muitas vezes a mesma coisa, não quer dizer que a criança não ouve mas que é natural que se ela volte a tentar algumas vezes, apenas para ter mesmo a certeza ou porque simplesmente não se lembra que não queremos que o faça. 

      Outro efeito da zanga, para além de nos fazer questionar o amor do outro, é também o de nos fazer sentir incapazes, incompetentes, desadequados. E estas são das emoções mais nocivas que uma criança pode ter e, que se forem sentidas com frequência, acabam por se tornar suas companheiras constantes ao longo da vida com todas as dificuldades e sofrimento que provocam. Então o melhor que podemos fazer pelos nossos filhos é assumir a responsabilidade pelas nossas zangas e arranjar formas de os fazer saber que, mesmo quando estamos zangados, eles continuam a ser o melhor das nossas vidas.