quarta-feira, 24 de junho de 2015

Aprender a ser feliz

Estamos em época de exames, por isso, naturalmente, estes têm estado na ordem do dia e são motivo de conversa de pais e notícias de jornal. Felizmente começam a surgir muitas vozes a questionar a validade destes exames, sobretudo no caso das crianças mais pequenas, como é o caso dos alunos do quarto ano. Não sou a favor dos exames da quarta classe nem dos moldes em que são conduzidos mas, a verdade, é que o problema não está só nos exames mas em toda a atitude que cada vez mais temos para com as crianças e jovens e a sua relação com o ensino.

A verdade é que a motivação para aprender é algo que surge naturalmente quando tudo corre bem na vida de uma criança. As crianças são naturalmente curiosas e interessadas e querem descobrir e perceber o mundo que as rodeia. Claro que nem todas terão interesse pelas mesmas coisas e nem todas querem descobrir as coisas da mesma forma e nem todas absorvem a informação do mesmo modo. Mas, se soubermos procurar e dar-lhes espaço e as condições necessárias para que ela se manifeste, essa curiosidade está lá. Só precisa que a orientem de vez em quando e que a ajudem por vezes a saber como pode ser satisfeita, mas não precisa de ser imposta ou forçada.

O trabalho de Sugata Mitra - que fez algumas experiências muito interessantes com crianças em aldeias remotas do interior Indiano que nunca tinham visto um computador e que aprendiam a usá-lo sozinhas - demonstra bem isso mesmo: que a vontade de aprender e de retirar sentido do mundo é inata nas crianças e esta vontade pode ser reforçada ou apoiada mas é algo que, quando tudo está bem se manifesta naturalmente, desde que existam as condições necessárias para isso. Para saber mais sobre o trabalho interessante deste investigador pode ver aqui o vídeo da sua palestra vencedora do Ted Talks de 2013.

A segurança como uma condição fundamental para a aprendizagem 

É verdade que a vontade de aprender é algo natural nas crianças e jovens mas esta vontade precisa de algumas condições para que possa manifestar-se e, uma delas, é a segurança. A sensação de que estamos seguros é fundamental para que possamos aprender o que quer que seja. Do ponto de vista fisiológico sabemos que, sempre que estamos em estado de alerta - o que acontece quando não nos sentimos completamente seguros - o nosso organismo dá origem a uma série de reacções e de alterações fisiológicas que se destinam a permitir-nos combater as ameaças. Uma das coisas que acontece quando é despoletada uma resposta de stress é uma alteração ao nível da circulação no próprio cérebro: o sangue é desviado da zona do córtex pré frontal, que nos permite ter um tipo de pensamento mais racional, mais cuidado, mais do tipo intelectual, para a zona do sistema límbico que está mais associada ás emoções mas também aos comportamentos e reacções instintivas. Isto mostra porque é que, sempre que estamos em estado de alerta se torna muito mais difícil pensar de forma reflectida e cuidada sobre o que quer que seja.

Também por isso os estados de alerta ou de tensão reduzem a criatividade como demonstrou claramente uma investigação feita com dois grupos de estudantes universitários. A estes estudantes era pedido que resolvessem um labirinto daqueles que se dão ás crianças, do género do que está na imagem. Mas, apesar de os labirintos serem iguais, as instruções eram diferentes para os dois grupos: ao primeiro era pedido para preencherem o labirinto para que o ratinho pudesse chegar ao queijo que se encontrava no final e, ao segundo, era pedido que preenchessem o labirinto para que o ratinho pudesse fugir de uma coruja que o que queria comer.

No final eram aplicados aos dois grupos alguns testes de criatividade e a conclusão a que se chegou foi que o grupo que tinha resolvido o labirinto para fugir da coruja tinha uma pontuação, em média, 50% inferior à do outro grupo.

Então, este teste tão simples, mostra que a nossa criatividade fica mesmo mais limitada sempre que estamos a funcionar num modo de alerta. E a criatividade também é uma parte essencial da aprendizagem, pelo menos da aprendizagem genuína.

Para sermos criativos e inteligentes precisamos mesmo de nos sentir seguros. Porges é um investigador que elaborou aquilo a que chamou a teoria polivaga e, de acordo com esta teoria, nós estamos constantemente a avaliar o ambiente em que nos encontramos. Porges criou uma expressão, a que chamou neurocepção, para a nossa capacidade de, constantemente, sermos capazes de avaliar nos outros traços que nos fazem sentir seguros ou não. De um modo inconsciente o nosso sistema nervoso vai avaliando as expressões faciais, o tom de voz, o ritmo do discurso e outros sinais subtis que nos permitem perceber se estamos ou não seguros com aquela pessoa. Porges diz que estabelecer ligações é uma das grandes prioridades do ser humano e, por isso, o nosso sistema nervoso evoluiu de forma a encontrar formas cada vez mais eficazes de o fazer.

Então, se uma criança não manifesta a sua vontade natural de aprender, por um lado, poderá ser porque não se se sente tão segura quanto deveria. Principalmente quando falamos de crianças pequenas, no primeiro ciclo, em que esse instinto ainda deveria estar mais presente.

Para que possamos aprender o que quer que seja precisamos de estar receptivos às trocas com os outros, com as pessoas e com tudo o que nos rodeia. Para aprender precisamos de ser capazes de deixar entrar o mundo e, ao mesmo tempo, precisamos de estar seguros de que saberemos lidar com ele. Se isto não acontecer ficamos no tal estado de alerta que limita muito a nossa capacidade de fazer qualquer tipo de troca com as outras pessoas ou com aquilo que nos rodeia.

Um aspecto básico desta teoria e que tem vindo a ser cada vez mais confirmado por várias investigações é que, para nos sentirmos seguros, é essencial que nos sintamos acolhidos, aceites e amados. Então a prioridade das escolas deveria ser privilegiar as ligações e as relações antes de qualquer outra coisa. Uma criança para aprender tem que se sentir segura e uma criança só se sente segura se se sentir acolhida pelos adultos que tomam conta de si. Se conseguirmos que isto aconteça resolvemos uma boa parte de muitos dos problemas de aprendizagem que podem surgir.

Mas é claro que para este acolhimento ser verdadeiramente possível a escola e os professores também deveriam ter em conta que os alunos não são todos iguais, não gostam das mesmas coisas e não aprendem da mesma forma. E os próprios alunos deveriam ter espaço para descobrir isto por eles mesmos.

A maior parte das vezes as escolas focam-se demasiado em ensinar coisas aos alunos em vez de lhes darem espaço simplesmente para descobrirem de que é que gostam e o que é que sabem fazer. Isto é ainda mais importante nos primeiros anos, nas creches e jardins de infância em que as crianças passam demasiado tempo em actividades programadas e obrigatórias numa idade que deveria ser ainda muito mais dedicada à descoberta de quem são e ao estabelecimento de boas relações com os outros mas, principalmente, consigo próprias.

Quando procurei uma escola para o meu filho uma das coisas de que gostei muito foi de ver que existem escolas onde isto não é assim, onde a prioridade não passa por ensinar números ou letras a crianças que ainda precisam de descobrir o mundo dentro de si mesmas. Na escola do meu filho, na infantil, existem muito poucas actividades fixas e as crianças aprendem a gerir o seu tempo e a escolher aquilo que querem ir fazendo. Mas, mais importante que tudo, aprendem a conhecer-se a si e aos outros e é isto que é fundamental nesta idade, muito mais do que aprender números ou letras, aprendizagens que, nesta fase, servem apenas para estimular desnecessariamente o funcionamento intelectual e racional que não pode e não deve ser uma prioridade, muito menos em crianças pequenas.

Temos hoje infelizmente imensos jovens que sabem ler e contar, que até têm boas notas, por vezes, mas que não fazem a mínima ideia de que é que gostam, o que é que os preenche e acho que isto é um dos maiores fracassos na educação de uma pessoa.

O foco nas notas como uma fonte de insegurança e mal estar 

Por outro lado aquilo que vejo nos pais com demasiada frequência é que estão completamente focados nas notas que a criança tem e não no processo de aprendizagem em si. E, acontece que, nem sempre as notas são reflexo desse processo de aprendizagem e as notas nunca podem ser o mais importante desse processo.

Acho que isto acontece em parte por haver alguma insegurança da parte dos pais. Porque querem que os seus filhos tenham sucesso na vida, querem que sejam felizes e acreditam que para isso precisarão de bons empregos que as boas notas os ajudarão a conseguir. Mas sabemos que as coisas não são assim tão simples. Sabemos que para o sucesso é muito mais importante a inteligência emocional do que o Q.I. e sabemos que esta inteligência emocional nem sempre se reflecte em boas notas. 

O que vejo também muitas vezes é que os próprios pais estão inseguros no seu papel de pais e isso reflecte-se no desejo de que a criança tenha boas notas, porque se tiver boas notas, é sinal de que estão a fazer alguma coisa bem. A mesma coisa acontece quando vão ao pediatra e querem muito que este lhes diga que o filho é inteligente, que está bem desenvolvido, etc. Porque, no fundo, não se sentem seguros no seu papel e precisam destas confirmações exteriores.

Mas um pai ou mãe que esteja verdadeiramente presente na vida do filho não deveria precisar de informações ou avaliações de outras pessoas para sentir que está a fazer um bom trabalho. Cada criança é diferente, cada uma tem o seu ritmo, o seu próprio tempo e os seus próprios gostos e esquecemos-nos disso demasiadas vezes. Ainda ontem estava numa sala de espera em que a mãe de uma menina de 14 meses me dizia com desgosto que ela só dizia olá - mas depois afinal já dizia também mais duas ou três palavras - o que é perfeitamente natural aos 14 meses de idade, mas a mãe achava pouco. E constantemente comparamos as crianças umas com as outras porque já falam ou porque ainda não falam ou porque começaram a andar aos 11 meses ou só aos 16 e acabamos por criar quase uma espécie de competição que não permite perceber que cada criança é única. E cada criança tem de ser única para nós. Cada criança tem de se sentir única para nós. E tem de se sentir apreciada nessa sua individualidade. E só assim, com esse reconhecimento de que tem o direito de fazer as coisas ao seu próprio ritmo e de acordo com a sua própria natureza é que podemos esperar que uma criança tenha gosto em aprender. E se uma criança tiver gosto em aprender essa aprendizagem surge naturalmente, com tranquilidade e com facilidade. E as notas, na verdade, são o menos importante disso tudo. As notas avaliam apenas uma parte específica do conhecimento da criança e a sua capacidade de a debitar naquele teste ou exame, pelo menos quando é nisso que se baseiam. Mas as notas são mesmo o menos importante, o mais importante de tudo é percebermos se a criança aprende feliz, se está a construir uma boa relação com a escola, com as aprendizagens que lá faz, com os adultos, com os colegas e, mais importante de tudo, consigo mesma. Porque se tudo isto acontecer estão criadas as melhores condições para uma vida plena de felicidade e de sucesso. Do verdadeiro sucesso que é sermos capazes de viver bem connosco e com os outros independentemente do trabalho ou caminho que escolhermos.

Porque a verdadeira felicidade vem de nos sentirmos livres para sermos nós próprios, para fazermos as nossas escolhas, vem de sermos capazes de traçar o nosso caminho independentemente das avaliações exteriores. E as notas são apenas avaliações exteriores, são apenas o julgamento que outra pessoa - que nos exames nem sequer nos conhece - fez sobre o nosso próprio processo de aprendizagem. E isso não é mesmo o mais importante, na verdade isso não deveria ser nada importante.

Quando criamos crianças que vivem focadas nas notas aquilo que lhes estamos a dizer é que o que os outros pensam dela é mais importante do que aquilo que ela sente, ou do que aquilo que ela vive ou pensa. Estamos a dizer-lhe que o mais importante é o julgamento exterior, que esse conta mais do que as suas próprias vivências e opiniões. E estamos a dizer-lhe também que não importa o processo, mas sim o resultado. Porque nem sempre as boas notas significam que a criança aprendeu bem e nem sempre as más notas significam que não aprendeu nada. E esse não é de todo o melhor caminho para sermos felizes, para nos sentirmos bem.

Por outro lado quando nos focamos apenas nas notas acabamos também por estimular a competição. E hoje isto é algo a que sujeitamos cada vez mais as crianças e que lhes diz que precisam de ser melhores, que têm de passar à frente, em vez de as ensinar a aprender valores de colaboração e de entre-ajuda que são muito mais importantes e podem contribuir muito mais para sua verdadeira felicidade. Se eu me focar em ser a melhor estarei sempre em alerta, nervosa, ansiosa, com medo de não conseguir ou com medo que apareça alguém ainda melhor do que eu. E existem cada vez mais crianças que vivem deste modo a escola. Crianças de 8,9, 10 anos que sofrem com os exames e com os testes e que vivem com medo de não serem as melhores alunas. Estas crianças vivem estados de ansiedade desde muito novas que não as irão ajudar em nada no futuro. Mas se as ensinarmos que o importante não é serem as melhores mas sim aprenderem a colaborar, a estabelecer relações e a estarem bem consigo mesmas, isto é muito mais valioso que qualquer 100% que possam ter em qualquer disciplina. E a ciência mostra cada vez mais que o nos pode trazer felicidade, genuína e duradoura, são os valores de cooperação, de entre-ajuda, de solidariedade. Então se queremos que os nossos filhos aprendam a ser felizes devemos ensinar-lhes que não importa se são melhores ou piores que os colegas a matemática ou a português mas que importa se são capazes de criar boas relações com esses colegas e era muito bom que as escolas percebessem que essa colaboração é muito mais importante para o futuro de todos nós do que a competição pelas notas. Os quadros de honra, algo que era comum no passado, hoje parecem voltar a estar na moda e, para mim, não há pior exemplo de vida que possamos dar aos nossos filhos que o desejo de se sentir valorizado e destacado, apenas por ser capaz de ter um melhor desempenho que os outros colegas numa disciplina qualquer. Não há melhor caminho para criar seres humanos infelizes, ansiosos e até e egoístas que ensiná-los que estar num quadro de honra qualquer, feito apenas com base nas notas que são dadas pelos professores, é um objectivo importante na vida. Seria muito mais positivo para todos se, em vez dos quadros de honra as escolas criassem grupos de encontro onde todos poderiam falar, expressar-se, comunicar de verdade e aprender a gerir conflitos, problemas, relacionamentos. Seria muito mais positivo para todos se as escolas em vez de fomentarem a competição, percebessem que somos todos mais felizes quando nos sentimos bem como quem somos e onde estamos e quando sentimos que não precisamos de competir com ninguém. 

Seria muito mais positivo para todos se as escolas percebessem que em vez de darem cada vez mais trabalhos de casa aos alunos lhes dissessem que é importante brincar. Seria muito mais positivo para todas as famílias que os pais não precisassem de fazer trabalhos de casa com os filhos, como se isso fosse uma parte importante da relação entre eles, mas pudessem simplesmente estar juntos e brincar juntos, sem precisarem da desculpa da escola ou da preocupação com os trabalhos para estarem verdadeiramente com os filhos.

Uma vez houve uma mãe que me procurou porque estava com muita dificuldade em estudar com o filho, acabavam sempre por se zangar e discutir mas a mãe dizia que se não o ajudasse a estudar ele não tinha notas tão boas como podia ter com essa ajuda. As notas melhoravam com a ajuda mas a relação de ambos só parecia piorar, por isso disse-lhe que tinha de estabelecer prioridades e pensar no que seria mais importante: garantir que o filha de 11 anos tinha cincos a quase tudo ou manter uma boa relação com ele, mesmo que isso implicasse que os cincos descessem para quatros ou mesmo três? Para mim não restam dúvidas: as relações são sempre mais importantes, a inteligência emocional deve ser a nossa prioridade e não a inteligência dos números e das letras. É com bons relacionamentos que se constroem pessoas felizes não com cincos a matemática ou português.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Mindfulness para pais

Mindfulness significa prestar atenção, de propósito e sem julgamentos ao momento presente. Este é um estado de atenção que pode ser mais facilmente aprendido através de uma prática de meditação mas que pode (e deve) ser integrado na nossa vida diária. Nos últimos anos este estado tem vindo a conhecer cada vez mais popularidade à medida que a ciência vai descobrindo os seus benefícios e cada vez mais profissionais – médicos, psicólogos e psiquiatras – o vão divulgando como uma excelente forma de combater o stress e de lidar com os desafios na nossa vida.

É um facto que são cada vez mais os desafios que precisamos de enfrentar nas nossas vidas e também é um facto que cada vez existem mais pessoas a sofrer com problemas relacionados com ansiedade, depressão e outras perturbações. Então é natural que se procurem cada vez mais alternativas. E existem também cada vez mais estudos a comprovar os benefícios do mindfulness, ou atenção plena, em português, para uma vida mais feliz, mais saudável e mais preenchedora. 

Com o avanço que tem acontecido no campo das neurociências estas já vieram demonstrar que, uma prática regular de mindfulness, pode até contribuir para modificar algumas estruturas do cérebro relacionadas com a resposta de stress mas não só: parece que o mindfulness pode contribuir para um retardamento de alguns sinais comuns do envelhecimento ao nível cerebral, aumentar algumas zonas relacionadas com a criatividade e até com a inteligência. Estes estudos demonstram aquilo que já se sabia há algum tempo: que a meditação pode realmente tornar-nos mais saudáveis, felizes, criativos e até mais inteligentes.


Outra das grandes vantagens do midfulness que, em boa parte, deve a sua popularidade ao trabalho de um médico dos E.U.A., Jon Kabat-Zinn, é que, desde que este médico o começou a divulgar nos anos 70 que se tornou mais fácil perceber que este é um estado ou uma prática acessível a qualquer pessoa, de qualquer idade e condição social. Antes do importante trabalho de divulgação e de investigação deste médico nesta área havia muito mais a noção de que a prática da meditação era algo difícil ou exigente e que seria apenas acessível a determinados grupos religiosos ou espirituais. Mas kabat-zinn deu um grande contributo para demonstrar que para meditar não precisamos de estar ligados a nenhuma tradição religiosa nem em nenhum tipo de retiro espiritual.

Para aplicarmos o mindfulness nas nossas vidas e para colhermos os seus muitos e variados benefícios precisamos apenas de alguns minutos de prática diária e de estarmos dispostos também a tentarmos estar presentes na nossa vida diária, seja a trabalhar, a brincar com os nossos filhos ou simplesmente no trânsito a conduzir.

Com esta prática percebemos também que a meditação não tem de ser algo demasiado trabalhoso ou inacessível a pessoas mais agitadas ou com mentes mais preenchidas, como tantas vezes se julga. Percebemos que qualquer pessoa pode meditar e que não precisamos de parar os pensamentos, como por vezes pensamos, para sentir todos os benefícios desta prática.

Benefícios do Mindfulness específicos para pais

Ser pai ou mãe é um dos maiores desafios que podemos enfrentar na nossa vida adulta.

O midfulness é uma óptima ferramenta para lidar com esses desafios porque, por um lado nos permite lidar da melhor forma com todo o stress que, tantas vezes está associado a este processo. E, por outro lado, pode ser também uma excelente ferramenta para criarmos um relacionamento com os nossos filhos que nos permita sentir verdadeiramente realizados nesta relação e que nos permita também perceber que podemos crescer juntamente com os nossos filhos e aprender a criar relações mais felizes, harmoniosas em que seremos mais facilmente capazes de transformar a nossa relação com eles numa fonte de prazer e de gratificação para ambas as partes mas também num espaço onde eles possam crescer de forma mais livre,  feliz e harmoniosa.

Para criar uma boa relação com os nossos filhos, em primeiro lugar, precisamos também de ter uma boa relação connosco. Precisamos de ter alguma capacidade de reflectir sobre a nossa própria história e de dar algum significado às experiências que vivemos. As investigações mostram que existe uma grande probabilidade de repetirmos com os nossos filhos o tipo de experiências que vivemos e de termos com eles o mesmo padrão de vinculação que tivemos com os nossos pais, a menos que alguma coisa na nossa vida, nos permita tomar consciência de tudo o que vivemos e encontrar algum tipo de significado para as nossas experiências, mesmo as mais negativas.

Todos conhecemos histórias daqueles pais que, durante toda a adolescência e início da idade adulta juraram nunca fazer com os filhos aquilo que os seus pais fizeram mas que, assim que se tornam pais, acabam por repetir exactamente os mesmos padrões. Por certo houve também alturas em que todos nos sentimos a agir exactamente como os nossos pais agiam connosco, ou pelo menos com bastante vontade de o fazer. Porque existem determinados padrões de relacionamento e de vinculação que ficam estabelecidos na nossa infância, ficam gravados na nossa memória implícita (que armazena todas as experiências importantes da nossa vida e que influencia diariamente o nosso comportamento de forma inconsciente, através da repetição de determinados padrões ou de comportamentos automáticos e certos mecanismos de defesa.

Então, precisamos de encontrar na nossa vida formas de tomar consciência destes padrões. O mindfulness pode ser uma boa ferramenta para essa tomada de consciência, porque nos permite um conhecimento mais profundo de quem somos e de como funcionamos mas, mais importante talvez, pode ser também uma excelente forma de quebrar esses padrões. Tem sido demonstrado que uma prática de mindfulness pode ajudar, por exemplo, a quebrar o ciclo da depressão crónica que é tão difícil de interromper, justamente porque permite a criação de novos padrões de funcionamento, mesmo ao nível cerebral.

Por outro lado a nossa presença, inteira, completa e livre de julgamentos é o melhor presente que podemos dar aos nossos filhos mas também a nós próprios. O mindfulness ensina-nos que podemos estar connosco independentemente do nosso estado interno. Ensina-nos a ter uma atitude de compaixão e de aceitação para connosco próprios que é fundamental para a saúde mental e para nos sentirmos felizes e bem connosco mesmos. Esta aceitação é mesmo a base da verdadeira auto-estima, de que tanto se fala hoje em dia. 


E, ao aprendermos a estar bem connosco podemos aprender a estar bem também com os nossos filhos. E, quando conseguimos estar verdadeiramente presentes na nossa relação com eles podemos ver que tudo muda. A nossa presença, inteira e de corpo e alma é o melhor presente que podemos dar aos nossos filhos. e, muitas vezes, esta presença é mesmo suficiente para vermos desaparecer tantas coisas que nos incomodavam, é suficiente para vermos a criança crescer, abrir-se e florescer verdadeiramente á nossa frente. Quando somos capazes de estar presentes com os nossos filhos, de verdade, sem julgamentos, sem preocupações, quando conseguimos estar verdadeiramente presentes de coração mas também de cabeça, na nossa relação com eles, estamos a dar-lhes liberdade de crescer, de se sentirem seguros. Estamos a dizer-lhes que eles são importantes, que a sua vida é importante para nós, estamos a dizer-lhes que eles valem a pena, que merecem todo o nosso amor. E, quando fazemos isto é verdadeiramente extraordinário perceber que, a partir daí, tudo se torna mais fácil, tudo passa a a fluir muito mais facilmente. A partir dessa nossa presença, quando nos tornamos capazes de criar para os nossos filhos um lugar seguro a partir do nosso coração, a partir dessa nossa presença completa e inteira, desaparecem os problemas de comportamento, as lutas de poder, as sessões de choro interminável. Desaparecem os gritos, as ansiedades, os medos e as culpas. Porque quando nos tornamos presentes com eles, para eles, estamos presentes também para nós. E quando estamos presentes percebemos que aqui agora está tudo bem, está tudo certo. E quando percebemos isto podemos descansar e, mais importante ainda, podemos deixar que os nossos filhos descansem no nosso amor – uma expressão de Gordon Neufeld que me faz todo o sentido. 

E quando permitimos que os nossos filhos descansem no nosso amor, quando lhes damos a certeza de que o merecem e de ele está sempre presente, eles podem também abandonar as suas lutas, ansiedades, medos, receios, agitações. Porque se sentem seguros na nossa presença e aprendem assim eles próprios a estar presentes. E ensinar um filho a estar presente, ensinar um filho que é seguro estar presente, ensinar que é possível viver sem cair na armadilha da agitação permanente, da tristeza profunda ou a ansiedade constante, é a melhor oferta que lhes podemos dar para crescerem capazes de ser felizes e com segurança que de que podem ser quem são, em qualquer situação por mais desafiadora que seja. 

Saiba mais aqui sobre o próximo curso de mindfulness para pais no Espaço Vida: http://www.espaco-vida.com/cursos/cursos-workshops.html#pais

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Educar sem bater

Há poucos dias, conversando com uns amigos que são pais de um filho um pouco mais velho que o meu surgiu uma questão que, para dizer a verdade, acho que nunca me tinham feito: se alguma vez, eu ou o meu marido, tínhamos batido no nosso filho de três anos e meio. Ainda não me tinha ocorrido escrever aqui sobre este tema, porque, para mim, é tão claro que não temos o direito de bater nos nossos filhos que, por vezes, quase me esqueço que há muitas pessoas para quem isto não é assim tão consensual. Mas esta pergunta serviu para me lembrar que, infelizmente, para muitas pessoas, a palmada ainda é realmente um recurso válido e até essencial da educação parental.

Nesta questão aquilo que estava subentendido era que, se não batemos, então como fazemos para controlar o seu comportamento? Ou que, se não batemos agora, mais tarde podemos ter alguns problemas, sobretudo quando ele chegar à adolescência. Já ouvi alguns pais de adolescentes dizerem que tinham problemas com os filhos justamente porque eles não teriam apanhado o suficiente. 

Então há aqui várias questões, dentro desta simples pergunta, a que é importante responder. 

Em primeiro lugar, é importante afirmar que considero que realmente não temos o direito de bater nas crianças. Tal como eu não tenho o direito de bater no meu marido ou em quem me chateia por essa vida fora. E podíamos ficar por aqui porque, para mim, realmente esta é uma questão básica e fundamental: não acho que as crianças sejam menos merecedoras de respeito que os adultos e se faltamos ao respeito quando batemos num adulto fazemos exactamente o mesmo quando batemos numa criança, seja  lá porque motivo for. 

Mas, se ficássemos por aqui haveria ainda outras questões fundamentais que ficariam sem resposta. 
Então, é importante também perceber o que é acontece quando batemos numa criança e quais as consequências que isso poderá ter. 

Muitos adultos que batem nos seus filhos fazem-no com a justificação de também apanharam em crianças e isso não lhes fez mal nenhum. Acredito que o dizem porque já não são capazes de entrar em contacto com aquilo que sentiram nessas alturas. Porque um dos mecanismos de defesa mais comuns para nos defender das nossas feridas antigas é justamente a negação: queremos muito acreditar que não há ali nada que ainda nos incomode ou que ainda nos doa, porque se tivermos de voltar atrás e lidar com essa dor e com toda essa mágoa que ficaram esquecidas e guardadas durante tantos anos temos muito medo de não ser capazes de lidar com isso e nos perdermos nesse sofrimento que temos andado a conter durante tanto tempo. Ou então, à custa de tanto negarmos os nossos sentimentos, acabamos mesmo por nos esquecer que eles existem, a tal ponto que já nem somos capazes de imaginar o contrário. É verdade que algumas pessoas apanham e muito e mesmo assim conseguem construir uma vida digna e minimamente equilibrada mas a verdade é que não foi por terem apanhado que o conseguiram mas sim apesar de terem apanhado, porque provavelmente houve outras circunstâncias de vida que lhes permitiram ser capazes de ser felizes, independentemente das suas feridas de infância. 

Então o que é que acontece quando batemos numa criança? 

A criança tem um instinto básico para criar uma relação de apego com os seus pais. Hoje sabemos que, desde o primeiro momento em que nascem, os bebés já demonstram uma grande predisposição para criar laços, para estabelecer vínculos com as figuras que cuidam de si. Então o bebé tem um instinto muito forte para procurar um sentimento de protecção nos seus pais. A natureza é sábia e um bebé humano sozinho nunca sobreviveria, por isso todos os bebés e crianças têm esse instinto básico que lhes diz que devem procurar segurança e protecção junto dos seus pais. Acontece que, quando um pai ou mãe batem numa criança esse instinto é posto em causa: porque afinal a pessoa que deveria proteger a criança é justamente aquela que a está a agredir fisicamente. Porque uma palmada, por mais bem intencionada que seja, não deixa de ser uma agressão física, algo que por si só, traz sempre consigo uma sensação de ameaça. Se isto acontecer demasiadas vezes a criança fica perante um dilema que, para ela, não tem solução: a mesma figura que a deveria proteger é aquela que a faz sentir-se em perigo. Então isto coloca a criança perante um conflito interno que ela não tem capacidade de resolver.

Só as crianças já bem crescidas é que começam a ser capaz de acomodar a ideia de que duas coisas aparentemente contraditórias possam co-existir, ou seja, enquanto adulta eu sou capaz de pensar que a minha mãe gosta de mim mas que ás vezes fica sem paciência ou que eu gosto muito dos meus pais mas que às vezes também me chateio com eles. Isto requer uma capacidade de pensamento elaborada, que uma criança pequena não tem. Para as crianças pequenas as coisas ou são pretas ou brancas: uma criança pequena não tem capacidade de assimilar o facto de que as coisas não são apenas boas ou más, não consegue perceber que podem existir dois lados na mesma moeda e que existem uma série de cinzentos na vida. Na verdade, existem até muitos adultos que ainda não são capazes de perceber isto de uma forma muito sofisticada. Por isso a única estratégia que a criança encontra para lidar com isso é tentar bloquear todas as sensações provocadas por aquele acontecimento e tudo o que está associado a este. A criança cria uma certa dissociação daquilo que está a sentir porque não tem capacidade de integrar de outro modo aquela situação e ela é demasiado ameaçadora, intensa e assustadora para que possa aceitar a sua presença. Este mecanismo de dissociação poderá ser justamente aquilo que está na base do facto de muitos adultos que foram agredidos pelos pais já serem capazes de sentir o sofrimento que esse comportamento provocou neles e poderá ser o que está na base dessa crença de que não lhes fez mal nenhum apanhar.

Acontece que, se abusamos muito deste mecanismo de dissociação - o que poderá acontecer se a criança está sempre a apanhar - ele acaba por se tornar uma parte integrante da nossa forma de lidar connosco e com o mundo e é muito provável que nos tornemos pessoas com uma grande dificuldade em lidar com os nossos sentimentos e em integrá-los de forma saudável. 

Por outro lado, se a criança é agredida demasiadas vezes isto pode mesmo por em causa esse seu instinto básico para se ligar e vincular à mãe ou pai e, nos casos mais sérios, isto poderá estar na base daquilo a que se chama o apego desorganizado que hoje se sabe estar na base de muitas patologias que podem manifestar-se só na idade adulta. 

Mas, mesmo nos casos mais leves - quando falamos daquilo a que erradamente se chama a palmada pedagógica por vezes - a verdade é que esta continua a ser uma agressão. Sempre que nos provocam dor, mesmo que seja ligeira, isso é sentido como uma ameaça à nossa integridade porque, para além deste instinto de vinculação, também temos um instinto básico de protecção que nos leva a evitar a dor e todas as potenciais ameaças à nossa integridade física.

Para além disto, quando um pai ou mãe batem numa criança, geralmente fazem-no por causa de uma sensação de frustração da sua parte, pela sensação de que, naquele momento, não conseguem fazer mais nada para chegar aos filhos e para modificar o comportamento destes. Geralmente, quando os pais batem nos filhos é porque a sua zanga se tornou tão intensa que não foram capazes de controlar esse impulso então, para além da questão física, há aqui também a questão psicológica: a criança sente também toda essa agressividade que acaba por interiorizar sentindo que foi por sua culpa que o adulto perdeu o controlo. O que, por sua vez, a faz sentir-se com uma má pessoa, ou uma má criança, faz com que sinta que é tão má que os pais nem conseguem manter a calma consigo. Isto transmite à criança a mensagem de que há algo de profundamente errado consigo o que se pode tornar num sentimento devastador que acaba por acompanhá-la toda a sua vida.  

As crianças nascem realmente com esse instinto básico de quererem sentir-se amadas e protegidas pelos pais, isto quer dizer que têm também um instinto básico de querer agradar aos seus pais. E quer dizer também que os pais são a sua referência e que elas aprendem a ver-se exactamente da mesma forma que sentem que são vistas. Todos nós temos o desejo básico de nos sentirmos aceites, integrados e reconhecidos. Todos temos necessidade de sentir que pertencemos a um grupo, neste caso à nossa própria família e, para isso, temos necessidade de sentir que os outros nos aceitam, nos acolhem na sua presença. Sempre que um pai ou mãe perde a paciência e o controlo com um filho seu aquilo que ele sente é que, nesse momento, ele não tem o direito de existir na sua presença, nesse momento ele não é acolhido na sua presença e perde esse reconhecimento e essa necessidade de pertença o que, para uma criança pode ser um sentimento verdadeiramente destrutivo. 

Esta sensação de que há algo errado consigo, ou de que não é aceite, gera na criança um sentimento forte de vergonha. Que muitos pais pensam que será benéfico porque assim a criança não voltará a repetir aquele comportamento. Acontece que isto não é verdade. Esse sentimento de vergonha é das coisas mais corrosivas que podemos fazer uma criança sentir. Esse sentimento tem uma fisiologia muito concreta: ele desperta a chamada resposta de luta ou fuga (neste caso, mais a fuga) que é uma resposta ao stress que prepara o corpo para lidar com uma ameaça produzindo uma série de alterações fisiológicas como uma elevação grande dos níveis de cortisol, por exemplo. Isto quer dizer que toda a fisiologia da criança se altera e este sentimento de vergonha, quando é activado deste modo, pela sensação de ameaça, é das coisas mais nocivas que a criança pode sentir porque a leva a sentir-se indigna do amor dos seus pais e faz com que ela sinta que todos os seus instintos mais básicos, de integração e de acolhimento estão a ser frustrados e que ela não tem capacidade para os satisfazer. Isto é um sentimento duro para qualquer adulto mas ainda mais para uma criança que tem ainda tão forte este instinto de ligação aos pais e essa necessidade tão grande de se sentir aceite por eles.

Então se a criança não consegue satisfazer esses instintos, se tantas vezes eles são os causadores desse sofrimento e dessa angústia intensas que a criança sente sempre é vítima desse comportamento agressivo por parte dos pais, o melhor será procurar alguma forma de minimizar essa dor, tentando ignorar esses instintos.

Se isto acontecer com alguma frequência, o que vai acontecer é que será tão difícil à criança lidar com este sentimento que o melhor será proteger-se dele procurando não sentir esse vínculo com os seus pais, ou seja, tentando o mais possível ignorar esse instinto básico que lhe diz que deveria querer agradar aos pais e sentir-se aceite por eles. Isto quer dizer que, no futuro, a tendência será para que a criança se porte ainda pior. Mas, o pior de tudo, é que quer dizer que a criança será forçada a aprender a ignorar os seus instintos e os seus sentimentos mais básicos com medo de ser magoada e de se tornar demasiado vulnerável. E aqui cresce então o típico adulto que bate nos filhos e que repete que também apanhou muito e isso não lhe fez mal nenhum.

Uma das razões que leva os pais a bater nos filhos é o facto de sentirem que precisam de os controlar mas, ao porem em causa o instinto de vinculação das crianças, as palmadas repetidas têm o efeito exactamente contrário. 

Na cabeça destes amigos estava também a questão: então como é que controlas o teu filho se nunca lhe bateste? 

Para responder a isto, em primeiro lugar é preciso abandonar esta ideia de que as crianças precisam de ser controladas. Uma criança precisa de ser aceite, precisa de ter uma boa ligação com o pai ou com a mãe e, se isso acontecer, nas coisas importantes, a criança irá deixar-se facilmente guiar. Porque, se ela ligação existir, se for sólida, se não for constantemente posta em causa, a criança sabe que pode confiar nos seus pais e confiar nos pais implica que, nas decisões importantes, a palavra destes conta muito. Confiar nos seus pais não implica necessariamente que a criança esteja pronta para desligar a televisão quando lho pedimos, ou que esteja pronta para sair de casa exactamente na hora em que achamos que deveria sair e não significa que a criança obedeça cegamente a todas as nossas ordens. Até porque uma criança que confia nos pais e que se sente acolhida, protegida, aceite e segura também é uma criança com mais espaço para manifestar as suas preferências que nem sempre correspondem às nossas. Mas, uma criança que confia nos seus pais é uma criança que, nos momentos importantes, sabe que são estes que têm a última palavra e, nos momentos em que se sinta de algum modo posta em risco, sabe que pode contar com eles para lhe mostrarem a direcção a seguir. 

E, quando os pais confiam na criança, também sabem que esse instinto está presente. Quando os pais confiam na criança e deixam que a sua natureza floresça podem encontrar uma criança que até resiste em muitas coisas mas encontram também uma criança que se torna fácil de orientar quando é mesmo preciso fazê-lo e de educar porque é uma criança que se entrega e que deixa o seu instinto funcionar e que também confia nos pais.

Uma criança a quem os pais batem sempre que lhe querem mostrar que não pode fazer algo, ao fim de algum tempo até pode deixar de ter esse comportamento mas, o mais certo, é que apareçam outros ainda mais graves porque a criança deixou de se sentir segura e acolhida pelos pais e se deixou de se sentir segura então é muito fácil que deixe de confiar nos pais. E deixar de confiar nos pais é, por um lado, deixar de os aceitar como guias ou orientadores mas também é deixar de confiar em si própria e nos seus instintos. E uma criança que deixa de confiar nos seus instintos é uma criança com muito mais tendência para fazer coisas erradas. Porque é uma criança que perdeu a sua bússola, é uma criança que deixou de procurar referências nos adultos e que não tem capacidade para as encontrar em si própria. 

Então nenhuma criança ou adolescente se porta mal por ter apanhado pouco. Mas há muitas crianças e adolescentes que se portam mal justamente porque apanharam demais e, cada uma dessas palmadas, deixou uma marca na sua capacidade de criar vínculos saudáveis e de confiança e na sua capacidade de se sentir bem, seguro e feliz consigo mesmo. E cada uma dessas marcas é mais um passo na direcção de um comportamento menos ajustado, mais desadequado e sobretudo, cada uma dessas marcas é mais um passo no caminho de um coração que sofre e que, muitas vezes, sofre tanto que precisa de se desligar de si próprio para não ter de lidar com essa dor diariamente. E quando nos desligamos de nós também nos desligamos dos outros e aí nada mais importa, deixamos de querer agradar a quem quer que seja. E uma criança que já perdeu todo o desejo de agradar é uma criança que já ninguém conseguirá controlar. Mesmo que até sejamos capazes de arranjar uma maneira de eliminar um determinado comportamento, se não formos capazes de encontrar o caminho para o coração das crianças, então não haverá maneira de os fazermos verdadeiramente seguir nenhum tipo de orientação nossa. 

Então quando achamos que uma criança se porta mal vezes demais, em primeiro lugar, precisamos de olhar para a ligação que temos com ela. Precisamos de perceber se ela se sente segura connosco, como diz Gordon Neufeld, psicólogo cujo trabalho admiro, precisamos de saber se ela se sente convidada a existir na nossa presença. E é tão simples ou tão complicado como isto: a única forma que temos de influenciar o comportamento de uma criança é certificando-nos de que ela nos quer agradar e que ela nos aceita como guias e, para isso, temos que ter a certeza de que esse vínculo ainda está intacto. Não adianta querer corrigir comportamentos sem nos focarmos no contexto em que eles acontecem: a relação. 

E é esta relação, a relação que temos com os nossos filhos e que eles têm connosco que deverá estar sempre na base de tudo e que deverá ser sempre o foco central da nossa preocupação. Se eu um dia tiver vontade de bater no meu marido uma das coisas que provavelmente me impedirá de o fazer será justamente essa preocupação com a relação. Porque se eu lhe batesse sei que esta seria fortemente afectada, como é óbvio. Então é nisto que também precisamos de pensar sempre que batemos nos nossos filhos: mais do que pensar se isso irá eliminar ou não aquele comportamento (e a maior parte das vezes não elimina, pelo menos, não à primeira) deveremos pensar no que é que isso fará à relação. 

E, se já batemos nos nossos filhos alguma vez, é sempre tempo de olhar para trás e perceber se isso alterou alguma coisa, se alguma coisa mudou dentro deles para connosco ou para com eles próprios. Se for esse o caso também é sempre tempo de falar sobre isso, de pedir desculpa e dizer que não sabíamos fazer melhor. 
Nunca é tarde para mudarmos a forma como nos portamos com os nossos filhos e nunca é tarde para reparar as relações. 

Isto é válido para todas as vezes que batemos mas também para todas as vezes que gritámos ou que nos descontrolámos e dissemos coisas que não queríamos ter dito. As crianças não precisam de pais perfeitos, que não gritam e não perdem o controlo mas, quando isso acontece, precisam muito de saber que não foi por culpa delas que isso aconteceu. Quando nos zangamos mais do que gostaríamos é importante que os nossos filhos saibam que não são eles que estão errados mas que fomos nós que não fomos capazes de nos controlar. Isto faz toda a diferença. 
E assim as criança também aprendem que, apesar de todos os conflitos, é possível reparar as relações uma lição que também pode ser valiosa para os seus relacionamentos futuros. 

Não bater numa criança não quer dizer que temos de aceitar todos os seus comportamentos, não quer dizer que, por vezes, não tenhamos de lhes impor certas coisas mas, significa que quando o fazemos assumimos toda a responsabilidade pelo nosso comportamento e não os fazemos sentir que foi só por culpa deles que perdemos o controlo. 

E isto não quer dizer que temos de fingir que gostamos de tudo o que eles fazem mas é importante mostrar-lhes que, quando não gostamos de algo, não os estamos a por a eles em causa. Não gostar de um comportamento é muito diferente de não gostar de uma criança. Acontece que os nossos filhos nem sempre sabem ou sentem isso. Por isso, sempre que os queremos corrigir é muito importante que façamos primeiro esta distinção para nós próprios e depois que encontremos forma de o por em prática.

Então, não bater não quer dizer que não podemos disciplinar ou educar mas quer dizer que temos consciência de que o nosso papel de orientadores dos nossos filhos é demasiado importante para ser posto em causa por causa de uma palmada. 

Gordon Neufeld, no seu trabalho, fala também muito da importância de não castigar as crianças com os chamados time-out's em que a criança fica durante um tempo, supostamente a pensar naquilo que fez. Porque, da mesma forma que uma palmada, o que este tipo de castigos fazem é usar a necessidade que a criança tem de se sentir próxima de nós para a atingir de algum modo. Acontece que, como este psicólogo explica, quando fazemos isto estamos a atingir a criança no seu ponto mais vulnerável: a sua necessidade de de sentir ligada a nós. E, quando o fazemos repetidamente, tal como acontece com uma criança que está sempre a apanhar a única forma que a criança tem de lidar com essa dor profunda que abala todos os seus instintos mais básicos é tentando ignorar, desligar esses instintos. E, mais uma vez ficamos com uma criança que se distancia cada vez mais de nós e de si mesma e que se torna cada vez mais difícil de educar ou orientar. 

Então como se educa sem castigos ou sem palmadas? 

Fazendo exactamente o contrário do que estes dois actos provocam: fortalecendo a ligação e convidando a criança a sentir-se segura connosco. Quando as crianças estão constantemente a fazer coisas que nos provocam não estão à procura de limites, como tantas vezes se diz, no sentido de perceberem o que podem ou não fazer. Quando uma criança faz repetidamente coisas que nos provocam e que mexem connosco significa que estamos perante uma criança que, pelo menos naquele momento, não se está a sentir acolhida. Uma criança que, pelo menos naquele momento, não se está a sentir muito ligada a nós. E, por isso a criança precisa de nos provocar porque os seus instintos lhe dizem que essa ligação é essencial e porque a única forma que ela está a ser capaz de encontrar naquele momento de preencher esses instintos e de nos sentir mais presentes é quando nos zangamos com ela. Porque, nessa altura, pelo menos toda a nossa atenção se volta para a criança e ela pode sentir que, ainda que pense que há algo de errado consigo, pelo menos nós importamos-nos com ela, tanto que até nos descontrolamos por sua causa.

Nestes casos não precisamos de aceitar o comportamento da criança mas precisamos mesmo de encontrar formas de lhe mostrar que a aceitamos a ela, que estamos presentes, sem que ele precise de procurar estratégias para sentir essa presença. Precisamos de lhe mostrar que, para usar mais uma expressão de Neufeld, ela pode descansar no nosso amor. Só assim a criança poderá seguir a sua natureza e confiar o suficiente em nós para se deixar guiar e orientar sem precisar de nos provocar.

E quando damos mais atenção a uma criança que se portou mal não quer dizer que estamos a premiar esse comportamento, mas quer dizer que confiamos na criança, que reconhecemos a sua necessidade de nos ter por perto, de nos sentir e que confiamos nos seus instintos. Estamos a dizer-lhe que confiamos nela e isso é o melhor presente que podemos dar a uma criança. Porque se nós confiamos nela ela pode confiar em si própria e uma criança que confia em si própria é uma criança que, mais facilmente, sabe fazer as escolhas certas. E só uma criança que se sente acolhida e segura é que poderá ter a confiança necessária para perceber que errou e que poderá ter também a segurança necessária para tentar um novo comportamento.


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Palestra - Défice de Atenção e Hiperactividade

Deixo aqui os vídeos da palestra que dei no Jardim de Infância do Prior Velho, a partir de uma  iniciativa de alguns pais e educadores, para falar de Défice de Atenção e Hiperactividade. Uma visão das causas, das características e de como lidar com esta limitação.







quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Fantasmas nas nossas camas - Pais que dormem com os filhos

Há pouco tempo li uma entrevista de uma conhecida especialista do sono que criticava o facto de, segundo ela, haver casos de adultos com trinta anos a dormir com os pais. E, segundo a própria, isso começava, é claro com o problema dos pais não os terem ensinado a dormir sozinhos em crianças.

Então há aqui várias coisa que merecem ser questionadas. Em primeiro lugar, a velha crença de que precisamos de ensinar as crianças a dormir. Aqui estou plenamente de acordo com o pediatra Carlos Gonzalez quando afirma que não se ensina ninguém a dormir. Tudo que podemos fazer é criar as condições ideais para que uma criança durma e essas condições podem variar um pouco mas há uma que será fundamental em todos os casos: segurança. Porque dormir é uma espécie de abandono. Para dormir precisamos de ser capazes de abandonar o mundo, sabendo que ele estará seguro e o voltaremos a encontrar quando acordarmos mas, acima de tudo, precisamos de nos abandonar a nós. Ninguém decide adormecer, ninguém controla racionalmente o sono. Se assim fosse não teríamos tantos problemas de insónias. Dormir é simplesmente algo que deixamos que aconteça e, para que isso aconteça, precisamos de estar tranquilos e seguros. Muitos adultos têm insónias justamente por falta de segurança: porque não conseguem parar de pensar nos problemas do trabalho, ou nas contas para pagar, ou na discussão que tiveram com o marido ou mulher nesse dia.

Porque para dormir precisamos acima de tudo de confiar: precisamos de confiar que o mundo estará cá de manhã quando acordarmos e que tudo irá estar bem e precisamos de confiar que não nos acontecerá nada de mal enquanto estivermos nesse estado de inconsciência que é o sono e que implica alguma vulnerabilidade, até mesmo do ponto de vista físico. Qualquer animal, para dormir, procura um sítio seguro e qualquer mamífero procura sítios seguros para as suas crias dormirem, porque sabem instintivamente que dormir é um estado vulnerável.
E, de um ponto de vista mais fisiológico, para dormir precisamos de desligar o nosso sistema de alerta, precisamos de ser capazes de desligar o sistema de resposta ao stress que se activa sempre que nos sentimos perante uma potencial ameaça e que nos impede de dormir, excepto quando já estamos num estado de total exaustão, porque dormir seria ficarmos vulneráveis aos perigos.

Então, enquanto pais a única coisa que podemos fazer para que os nossos filhos durmam é criar um ambiente seguro. E essa segurança pode ser diferente de criança para criança. Os bebés precisam de mais contacto físico mas, por vezes esse contacto pode não chegar. Alguns bebés precisam também de movimento e isso não está errado. Muitos pais se questionam o que estarão a fazer de mal porque os bebés, para além de precisarem de colo para adormecer, também precisam de ser embalados. Isto é natural, o embalo recria as condições do útero onde o bebé se sentia tão bem e, por outro lado, o embalo activa mesmo determinadas partes do cérebro que detectam o movimento e que, só assim, podem produzir uma sensação de relaxamento e tranquilidade, desligando o tal sistema de alarme. Por algum motivo um movimento típico das crianças autistas ou com outros problemas de desenvolvimento é aquele movimento do corpo para trás e para a frente, como se se estivessem a embalar a si próprias. Isto acontece porque a criança encontra neste mecanismo algum tipo de controlo dos seus estados de stress e uma forma de reduzir um pouco a sua tensão. Este movimento também se via muito nas de crianças institucionalizadas a quem não era permitido nenhum tipo de contacto físico.

Talvez este mecanismo seja fruto da herança genética que partilhamos com outros mamíferos que andam a maior parte do tempo agarrados às suas mães, ou talvez seja herança dos nossos próprios antepassados que também estavam muito mais em movimento, porque andavam muito mais ao colo do que nós. O que é certo é que, o facto de ser universal que o movimento acalma os bebés significa que isto não pode estar errado. Logo também não será errado dar a um bebé aquilo que ele precisa. E poderá haver dias em que isto faz mais falta do que noutros, ou crianças que precisam mais desse movimento do que outras porque não somos todos iguais e não nos sentimos sempre da mesma forma.

Por outro lado também há crianças que precisam de mais contacto físico do que outras e crianças que continuam a precisar dele por vários motivos. Então, se a criança, precisa deste contacto o que é que ganharemos em tirar-lho? Apenas mais insegurança.

Outra coisa em que também é preciso pensar quando falamos de pais que dormem com os filhos é que, apesar de tudo, existe uma diferença grande entre os pais que dormem com os filhos por opção e aqueles que o fazem porque sentem que não têm outra alternativa.

Em tempos falava de co-sleeping com uma colega que trabalha num serviço de pedopsiquiatria e ela dizia-me que, nesse serviço, todas as crianças dormiam com os pais. Isto é um argumento muitas vezes usado pelos médicos que lidam com muitas famílias disfuncionais e que constatam que esta é uma realidade dessas famílias. Mas, aqui, precisamos de pensar que a partilha de cama dessas crianças com os pais não tem necessariamente de ser a culpada dos problemas da criança: antes pelo contrário, o que acontece é que, nestas famílias, existem outros problemas que esta partilha de cama pode ajudar a minimizar. Por um lado se a criança tem algum problema de relacionamento ou de desenvolvimento é natural que isto lhe cause alguma ansiedade e alguma insegurança, então também é natural que essa criança não queira ficar sozinha de noite, um momento de maior vulnerabilidade. E, por isso, o mais natural é que procure o conforto do corpo dos pais, para se sentir mais segura e protegida. Por outro lado, se os pais também sentem que há algo que não está certo com a criança, se sentem que a sua relação com ela não funciona bem também podem querer dormir com a criança como forma de se sentirem um pouco mais tranquilos em relação a isso. Sim, porque os adultos, por vezes, também precisam desse contacto físico para se sentirem seguros.

E, depois os efeitos da intenção com que se partilha a cama com uma criança também são muito diferentes. É diferente o caso de um pai que partilha a cama com o filho porque sente que esta é a única forma de conseguir descansar ou um pai que partilha a cama com o filho por opção e porque sente que esta é uma forma positiva de relacionar com a criança. No primeiro caso o que acontece geralmente é o sentimento de culpa e de medo. Na verdade as famílias em que os pais dormem com os filhos são muito mais comuns do que aquilo que se pensa mas, o que acontece, é que justamente por causa desta culpa e deste medo associados à vergonha, as pessoas acabam muitas vezes por esconder este comportamento.

Então é muito importante que se desmitifique esta ideia de que a partilha de cama é culpada de coisas muitos graves no desenvolvimento das crianças. E é fundamental que os pais percam o medo de dormir com os filhos.

Muitas vezes os pais de crianças mais crescidas perguntam-me se acho que ainda podem dormir com os filhos, dizem-me que os filhos não querem dormir sozinhos e fazem-no, quase sempre, com este misto de culpa e de vergonha de quem acha que fez alguma coisa de errada. A resposta que dou normalmente nesses casos é que, se a criança precisa realmente daquele contacto será muito mais prejudicial negá-lo do que dar-lhe simplesmente aquilo de que ela precisa - livres de culpa e de vergonhas - até que um dia ela deixe de precisar.

É verdade que um bebé precisa mais de contacto físico e da nossa presença do que uma criança mais velha. Também é verdade que será natural que uma criança mais velha consiga mais facilmente adormecer sozinha que um bebé. Mas o facto de isto ser o mais esperado não quer dizer que tenha de ser forçado. Todas as crianças têm necessidades diferentes. Há uns dias ouvi uma frase do educador do meu filho com que me identifiquei e que faz todo o sentido aqui, a propósito de outra coisa, ele dizia que não era apologista de autonomias forçadas. E realmente não se pode mesmo forçar a autonomia de uma criança. Ainda por cima as crianças são muito mais atentas aos sentimentos e às expressões não verbais mais subtis do que os adultos, isto significa que, uma criança que precisa de dormir com os pais que se sentem culpados de o fazer, sente essa culpa e acaba por interiorizar essa vergonha. Um pai que acredita que há algo de errado com o seu filho por não conseguir dormir sozinho, acaba por transmitir ao filho essa visão fazendo com que, por sua vez, esse filho acabe por interiorizar que há algo de errado consigo. Por sua vez isso acaba por gerar ainda mais insegurança, ansiedade e vergonha e, mais uma vez, procurar o conforto do corpo dos pais pode ser justamente uma maneira de minimizar o desconforto provocado por esses sentimentos.

Então, a única solução, será confiar nos nossos filhos. Saber que não é negando as suas necessidades que estas algum dia irão desaparecer.

Mais uma questão em que este artigo me deixou a pensar foi esta: e porque será que queremos assim tanto que estas necessidades desapareçam? Porquê esta necessidade de querermos afastar os nossos filhos de nós? Porquê este medo da dependência e estes fantasmas da autonomia que assombram tantas casas por aí? 


Ao ler este artigo lembrei-me da abertura de um livro do Kabat-Zinn - Everyday Blessings - que descreve a noite em que um dos filhos voltou a casa depois de ter passado a sua primeira temporada na faculdade e os pais já estavam deitados. Kabat-Zinn descreve de forma comovente a maneira como o filho foi ter com eles ao quarto e se deitou, na cama dos pais, ao comprido, em cima deles e abraçando os dois ao mesmo tempo. Nesse livro, comovente e inspirador, ele descreve esse como um dos momentos mais ricos e significativos na sua vida de pai. E fala da felicidade de sentir aquele corpo, daquele jovem adulto - que ele diz que, em bebé, carregou nos seus braços durante todo o tempo que lhe foi possível -  e da felicidade de sentir que existia ainda essa intimidade entre os dois e de sentir que esse reencontro o deixava a ele tão feliz como aos pais. Confesso que esta  imagem do filho crescido deitado em cima dos pais que estavam na cama me comoveu e marcou desde o dia em que a li e pensei que gostaria muito de ter essa relação com o meu filho, um dia, quando ele for crescido.  E, quando li este artigo foi uma das imagens que me veio à memória e que me fez perguntar que tipo de relação é que queremos ter com os nossos filhos afinal? Uma em que eles sintam que os pais estão tão distantes e afastados que mal podem tocar-lhes ou outra em que, mesmo adultos, sintam que é possível ter a proximidade e o conforto de um abraço daqueles que só damos às pessoas mesmo especiais para nós. Porque é através do corpo que damos e recebemos afecto. É através do corpo que estabelecemos relações e dormir com alguém ou simplesmente estar um pouco na cama de alguém pode ser uma maneira muito íntima de expressar esse afecto. Então, se queremos ter uma relação verdadeiramente próxima e significativa com os nossos filhos, porquê negar-lhes esse contacto?

Porque é que, para tantas pessoas, é tão chocante pensar num adulto de trinta anos a entrar na cama dos pais?

Os Fantasmas da Psicanálise 

Na minha opinião isto são ideias que vêm dos fantasmas deixados pelas teorias psicanalíticas mais antiquadas. As ideias defendidas por Freud, em relação ao édipo e a toda a excessiva sexualização da infância que este descrevia. Há algum tempo li uma entrevista de um conhecido psiquiatra, Daniel Sampaio, que dizia que as crianças que dormem com os pais acabam por exibir comportamentos sexuais precoces. Então, mesmo quando não é isto que os médicos dizem, na verdade é isto que pensam: que os pais que deixam as crianças dormir consigo, ou que as mães que dão de mamar até tarde acabam por fazer com que a criança crie algum tipo de trauma no campo da sexualidade que irá impedir o seu desenvolvimento normal e natural.

Acontece que a psicanálise - que tantos especialistas tomam como certa -  é apenas uma visão do ser humano, não é a única, não é a melhor e, em muitas coisas, nem sequer considero que seja a mais certa ou a mais útil. É uma visão do ser humano criada por outro ser humano que, na altura, se baseou nas suas próprias observações ou seja, nem sequer, podemos dizer que tenha uma base muito científica. E, se há muitas coisas que tiveram muito mérito nestas teorias - como o conceito de inconsciente que ninguém nega e que realmente foi um contributo importante para estruturar a nossa visão da consciência - existem também outras coisas que podem não fazer tanto sentido e que, na verdade nem sequer são muito úteis quando falamos de crianças e de educação. Freud tinha uma visão muito negra do ser humano, para Freud o ser humano tinha uma natureza má e egoísta que a sociedade precisava de corrigir através da educação. E, por isso, as crianças precisavam de ser domadas e educadas para não ficarem apenas a funcionar com base no princípio do prazer. Segundo Freud se as crianças não fossem educadas de uma forma relativamente rígida e com muitos limites estar tornar-se-iam uma espécie de animais insaciáveis e passariam a orientar todos os seus esforços na busca do prazer.

Freud tinha também uma preocupação excessiva com a sexualidade na infância. Se as suas teorias tiveram o mérito de reconhecer as crianças não são seres totalmente assexuados como até então se pensava, também caíram no excesso de resumir todo o desenvolvimento infantil a uma fase do desenvolvimento sexual. E, atrás disto vêm as teorias do édipo que, se por um lado também têm algum fundo de verdade, na medida em que é natural que a criança use o progenitor do sexo oposto como uma espécie de aprendizagem para lidar com esse sexo, também acho que é exagerada no sentido de acreditar e defender que a criança tem fantasias de natureza sexual com esse progenitor e que, todos os comportamentos que encorajem a proximidade física estão a dar azo a essas fantasias. E aqui acabamos por cair no excesso de fazer com as mães tenham medo de dar de mamar aos filhos ou de dormir com eles porque podem estar a contribuir de algum modo para essas fantasias e a alimentar o famoso édipo na criança. Gordon Neufeld é um psicólogo canadiano que passou trinta ou quarenta anos da sua vida a estudar o desenvolvimento infantil e a tentar perceber os vários modelos existentes e com base nisso criou um modelo do desenvolvimento que se estrutura em torno do conceito de apego e que me parece muito mais sensato e completo e bem organizado e estruturado do que o de Freud e é ele próprio que afirma que esta visão do Èdipo de que Freud falava é apenas uma má interpretação da natureza profunda do vínculo que as crianças estabelecem com os pais. Porque a partir de uma certa idade, quando tudo corre bem no seu desenvolvimento, é natural que as crianças comecem a verbalizar que querem ficar com os pais para sempre e a forma mais natural nas nossas sociedades de alguém ficar junto e declarar esse amor é o casamento, por isso, quando percebem isto, muitas vezes elas começam a dizer que querem casar com a mãe ou com o pai e geralmente escolhem o progenitor do sexo oposto porque ainda é esse o modelo de casamento que prevalece, mesmo nos nossos dias.
Então não podemos associar estes comportamentos naturais e instintivos apenas à sexualidade, porque é muito limitativo fazê-lo. Afinal se Freud, por um lado, veio libertar a mente de vários dos seus contemporâneos para quem o sexo era um tabu e veio permitir-lhes reconhecer que este era uma parte muito mais presente e muito mais importante da vida do que até então era aceite, por outro lado, hoje em dia, muitas vezes caímos no erro da sexualização excessiva. E, na verdade, isto revela até um comportamento quase esquizofrénico da nossa sociedade que vive tanto com o sexo que está presente em tantas coisas  hoje em dia - até para vender carros - e que tenta promover cada vez uma sexualidade livre e liberta de tabus mas que, ao mesmo tempo, fica cheia de medo de estar a incentivar nas crianças comportamentos perigosos nesse campo. Quando, convenhamos, uma criança que dorme com o pai ou a mãe, uma criança que mama até tarde está apenas a fazer aquilo que é biologicamente natural e os pais que cedem a esse instinto estão também a fazer apenas aquilo que a sua consciência lhes pede e, a verdade é que, a negação desse contacto físico numa altura em que a criança precisa dele é justamente o caminho mais seguro para uma sexualidade que poderá não ser muito saudável. Porque uma criança que cresce com a segurança de poder contar com a presença física dos pais quando precisa dela é uma que cresce bem e em paz com o seu corpo e isso será um dos ingredientes mais importantes para uma sexualidade saudável e feliz.

A psicanálise foi uma grande influência na psicologia, foi das primeiras teorias coerentes sobre o funcionamento humano e foi também a base das primeiras intervenções psicoterapêuticas no ocidente. Talvez por isso, ainda hoje em dia, tem uma grande influência. A psicanálise desenvolveu-se muito também no meio médico, Freud era médico neurologista e, durante os primeiros tempos do aparecimento desta teoria apenas os médicos podiam fazer psicanálise. Não sei se será esta a razão pela qual nas faculdades de medicina me parece que esta é a base de todas as cadeiras viradas para as questões psicológicas e do desenvolvimento infantil e, muito provavelmente, será por isso também que tantos médicos e pediatras ainda ajudam a levar estes fantasmas para dentro de tantas casas.
A verdade é que Freud deu um ênfase excessivo às questões da sexualidade infantil o que, por um lado, poderá ter tido o mérito de quebrar alguns tabus mas, por outro, veio criar muitos fantasmas totalmente inúteis e desnecessários.

Rogers e Bowlby - uma visão mais positiva 

Acontece que, depois de Freud, surgiram muitas outras teorias acerca do desenvolvimento humano. Uma das que com mais de identifico foi desenvolvida por Carl Rogers, o pai da psicologia Humanista e que tem uma visão um pouco oposta à de Freud: para este psicólogo, que faleceu em 1987 - tal como já defendia Rousseau, filósofo do século XVIII - o homem tem uma natureza intrinsecamente boa e precisa apenas de encontrar as condições ideais para que possa desenvolver todo o seu potencial. Uma dessas condições é aquilo a que chamou a aceitação positiva incondicional que as crianças precisam de sentir por parte dos seus pais. Segundo Rogers esta aceitação era o ambiente base de que todas as crianças necessitavam para serem capazes de desenvolver todas as suas capacidades e para viverem de acordo com a sua natureza.

Isto enquadra-se um pouco melhor na teoria de John Bowlby que desenvolveu o conceito de apego (ver artigo sobre este tema), um marco orientador e fundamental na psicologia do desenvolvimento. Na verdade Bowlby também tinha formação em psicanálise mas ele próprio fez algumas alterações no modelo psicanalítico original defendido por Freud, passando a defender muito mais a importância do estabelecimento de um vínculo seguro com a mãe na formação de toda a personalidade futura da criança. Observações essas que aconteceram com base no seu trabalho com crianças institucionalizadas e também na leitura e observações que foi fazendo até de estudos do comportamento animal, algo que também o influenciou bastante.

Acontece que, as teorias de Rogers e de Bowlby, para além de serem mais recentes que as de Freud, estão muito mais em sintonia com todas as descobertas recentes que a psicologia vai fazendo - principalmente no campo das neurociências - acerca do desenvolvimento infantil. Além de que Bowlby apoiou-se bem mais na ciência e no trabalho de outros investigadores do que Freud, desenvolvendo uma teoria que, na minha opinião, é bastante mais fundamentada.

Então é pena que estes fantasmas da psicanálise ainda se façam ouvir tanto e é pena que assombrem ainda tantas casas levando tantos pais a terem medo de fazer coisas que são e sempre foram perfeitamente naturais. E é pena que tantos profissionais de saúde e tantos supostos especialistas de desenvolvimento infantil não consigam livrar-se dos seus próprios medos e dos seus próprios fantasmas quando falam com os pais e com as crianças que, supostamente, deveriam ajudar.

E tenho mesmo muita pena que, em nome destes fantasmas que já vêm de outros séculos, haja tantos pais com medo de dar colo, de dar mama, com medo de por os filhos na cama consigo. Tenho mesmo muita pena que haja tantos pais que se assustam com os medos que estes especialistas espalham ao ponto de deixarem de ouvir o seu coração e de seguirem o seu instinto que, sem sombra de dúvidas, lhes dirá que podem confiar nos seus filhos, que os seus filhos são bons e não são monstros manipuladores a quem precisam de dizer não constantemente. Tenho mesmo muita pena que haja tantos pais que tiveram eles próprios tanta falta de colo e contacto a fazerem os filhos passar pelo mesmo em nome de uma suposta autonomia que, às vezes, parece tão importante que se sobrepõe a tudo o resto.

Então precisamos mesmo de começar a tirar estes fantasmas das nossas cabeças e das nossas camas e começar a fazer aquilo que simplesmente é mais natural para nós e para os nossos filhos. Precisamos de perder o medo e de seguir o instinto e de a acreditar nos nossos filhos e naquilo que eles nos pedem.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Yoga e ansiedade nas crianças

Muitos pais falam comigo preocupados com os comportamentos ansiosos que vêem nos seus filhos. Porque, infelizmente, são cada vez mais os casos de crianças que sofrem com a tensão em que vivem quase diariamente e são cada vez mais os comportamentos que o demonstram como, por exemplo, dores de cabeça constantes como acontece com algumas crianças que conheço.

E, a maior parte das vezes, estes pais que chegam até mim que, na maior parte dos casos, são pessoas informadas, preocupadas e atentas já ouviram dizer que o yoga pode ser uma boa solução e muitas vezes esta é mesmo a recomendação do médico de família ou do pediatra que segue a criança. Como, além de psicóloga também sou professora de yoga e também já dei aulas de yoga a crianças, então muitas vezes estes pais vêm falar comigo na esperança de encontrarem no yoga uma solução para a ansiedade dos filhos. Mas  verdade é que fico sempre com sentimentos ambivalentes nestes casos, que vou tentar explicar porque surgem.

Benefícios do Yoga para crianças


É verdade que uma prática de yoga pode ter vários benefícios para uma criança. Por um lado, do ponto de vista físico, é importante que as crianças ganhem uma maior consciência do corpo e que aprendam o que podem fazer para o manterem saudável ao mesmo que podem também aprender a ter algum prazer com isso. Também é verdade que as crianças passam cada vez mais tempo sentadas e têm cada vez menos oportunidades de mexer o corpo e de entrar em contacto com ele e de explorar os seus limites, pelo que as aulas de yoga podem ser uma boa altura para o fazerem. Uma vantagem do yoga em relação a outros desportos é o facto de não ter a vertente competitiva que está presente nos outros e que pode ser uma fonte de tensão e de ansiedade para as crianças que, cada vez mais, já estão sujeitas a tantas pressões para serem capazes e para serem as melhores em tantas áreas da sua vida. O yoga pode ser também uma boa forma da criança entrar mais em contacto com as suas emoções e de aprender a adquirir algumas estratégias e ferramentas que lhe permitam geri-las da melhor forma. Através de alguns exercícios de respiração, de relaxamento e de concentração a criança pode aprender a libertar alguma tensão, a estar mais em contacto com o seu mundo interno a ser mais capaz de gerir os seus estados. O yoga pode também ajudar na capacidade de concentração levando a criança a perceber que é possível direccionar a sua atenção e a não ficar tão à mercê das distracções. Se o professor for capaz de transmitir à criança uma atitude de aceitação e de respeito pelo próprio corpo isto pode também ter um papel importante na auto-estima da criança e na criação de uma auto-imagem positiva. Todos estes benefícios têm vindo a ser comprovados por algumas investigações que vão sendo feitas nesta área.

No entanto não acho que o yoga deva ser encarado como a primeira solução para lidar com a ansiedade e insegurança nas crianças. Até porque, as crianças mais ansiosas, são justamente aquelas que terão mais dificuldade em retirar verdadeiros benefícios de uma aula de yoga.


As crianças vivem ainda muito em relação. Os adultos também mas, nas crianças, isto está ainda mais presente. Na infância os relacionamentos que formamos com as pessoas significativas são a fonte mais poderosa de experiências e a que mais contribui para moldar o nosso cérebro e a nossa forma de lidar com o mundo e connosco próprios. As crianças nascem totalmente predispostas para estabelecer relações significativas com as pessoas que cuidam de si. E nascem também com uma tendência inata para confiar nessas pessoas e para verem o mundo através daquilo que elas lhes mostram. Assim, as crianças são autênticos espelhos da forma dos seus pais estarem no mundo. Uma criança procura nos seus pais referências para a forma como se deve comportar, para a forma como deve agir, para a forma como deve lidar com as emoções e sentimentos. 

Os bebés quando nascem passam os primeiros meses num estado de fusão emocional com a mãe, isto quer dizer que, para além de precisarem muito da sua presença e da sua disponibilidade quase constante também acabam por ser um bom reflexo das suas emoções e daquilo que a mãe vai sentido. Se a mãe está ansiosa, por exemplo, os bebés demonstram muito rapidamente essa ansiedade passando a ter um comportamento mais agitado e com mais choro. Observações feitas com mães deprimidas mostraram que os bebés dessas mães apresentavam eles próprios um comportamento semelhante ao da depressão: mostravam muito mais expressões de desconforto de mau-estar do que expressões positivas, tinham episódios de choro mais frequentes do que os filhos de mães não deprimidas e tinham uma maior tendência para se tornarem bebés que mostravam muito pouca vontade de interagir. Isto demonstra que os bebés aprendem com as mães como devem olhar para o mundo e também como olhar para si próprios. Também do ponto de vista neurológico há estudos que mostram que o organismo do bebé tem tendência para se regular através do contacto com o organismo da mãe. Por exemplo, se o bebé está a chorar é muito mais fácil acalmá-lo se a mãe estiver com ele no colo e se mantiver ela própria calma. É como se o organismo mais maduro da mãe mostrasse ao bebé como pode passar de um estado de tensão e mal-estar para um outro estado diferente, de equilíbrio.

Por outro lado, a forma como respondemos aos nossos filhos também vai moldando o seu organismo. Por exemplo, sabe-se que os bebés que são repetidamente expostos a situações de stress - como nos casos em que são deixados a chorar sozinhos – acabam por ter os seus organismos inundados de cortisol, o que faz com o seu hipocampo perca a sensibilidade a esta hormona e deixe de ser capaz de avisar o cérebro que já foi produzida em excesso, o que quer dizer que, o hipotálamo se torna incapaz de desligar a produção de cortisol e a criança passa a viver com a resposta de stress ligada quase de forma permanente. Isto significa que esta será uma criança que terá sempre muita dificuldade em lidar com os desafios. Porque o seu organismo está já num estado permanente de sobrecarga que acaba por provocar um desgaste e fazer com que lhe sobre muito pouca energia extra para lidar com desafios.

Sobretudo durante os primeiros dois anos de vida, o cérebro das crianças está em constante formação. Nesta altura são perdidas e criadas milhares de ligações neuronais. É como se a criança, durante estes dois anos, estivesse a tentar perceber em que tipo de mundo irá viver e tentasse adaptar-se o melhor possível a este. Isto quer dizer que através das experiências que os pais proporcionam ás crianças, ela vai moldando o seu  organismo e o seu cérebro de forma a criar determinados padrões. E estas experiências incluem não só a forma como os pais respondem às suas necessidades mas também a forma como vê os seus próprios pais a lidar com as emoções. As crianças aprendem mais por imitação do que pelo que ouvem e, sobretudo nos primeiros tempos de vida, elas são peritas a sentir mesmo o que não foi dito. Nos dois primeiros anos a criança usa principalmente o lado direito do seu cérebro que está ligado ás emoções e, só a partir dos dois anos de vida, com o desenvolvimento da linguagem é que a criança começa a ser capaz de usar o lado esquerdo que lhe permite racionalizar, analisar e interpretar de forma  mais elaborada o que sente. Isto quer dizer que, nestes primeiros dois anos de vida, criança absorve muita coisa e faz muitas aprendizagens apenas através daquilo que sente com os pais.



Então, quando penso em crianças ansiosas, inseguras ou com alguma dificuldade em lidar com as situações da vida, é inevitável pensar que isso estará, de algum modo ligado ás experiências que viveu com os seus pais. E, se é verdade que os primeiros dois anos de vida são determinantes no que toca a essa moldagem que vai acontecendo, também é verdade que, durante toda a infância continua a existir alguma permeabilidade que permite à criança alterar esses padrões que foram criados. Também é verdade que esta capacidade de alterar esses padrões se mantém até na vida adulta mas, acontece que, na infância, esses padrões ainda não estão tão consolidados o que facilita essa alteração.

Uma das formas mais eficazes de alterarmos os nossos padrões de funcionamento é através das relações que estabelecemos com os outros e criam determinadas experiências dentro de nós, que nos fazem segregar hormonas e neuropéptidos – substâncias que segregamos em função daquilo que sentimos e que têm o poder de influenciar e de alterar a nossa fisiologia. E, se isto é verdade ao longo de toda a vida é ainda mais verdade durante a infância: uma altura em que estamos mais receptivos, mais predispostos a estabelecer relações e deixarmos-nos moldar por elas. Na meditação do tipo mindfulness, por exemplo, que tem vindo a ser comprovada como uma excelente forma de quebrarmos determinados padrões e de alterarmos o nosso funcionamento mesmo ao nível cerebral, o que acontece é justamente o facto de nos tornarmos capazes de estar verdadeiramente em relação connosco próprios e é isso que pode fazer toda a diferença na forma como encaramos a vida.

Então, isto quer dizer que, antes de decidirmos que uma criança ansiosa tem um problema e que precisamos de encontrar estratégias para a ajudar a lidar com ele, podemos pensar que ela está apenas a fazer aquilo que aprendeu connosco ao longo dos seus anos de vida e que, por isso mesmo, uma forma muito eficaz de a ajudar a lidar com a sua ansiedade é aprendermos a lidar com a nossa.

Sem culpas, porque cada pai ou mãe faz exactamente o melhor que sabe fazer com os seus filhos e sem culpas porque apenas podemos dar aos nossos filhos aquilo que aprendemos a dar a nós próprios. Então, se queremos verdadeiramente quebrar o ciclo e ajudar os nossos filhos a lidarem da melhor forma com as suas emoções, precisamos primeiro de aprender a lidar com as nossas. Por isto, dou comigo muitas vezes a dizer aos pais que, em vez, de porem os seus filhos a praticar yoga deviam pensar em ser eles próprios a praticar. Porque, honestamente, se é verdade que as crianças ansiosas ou inseguras podem encontrar no yoga algumas ferramentas que lhes permitam lidar melhor com essa ansiedade, também é verdade que essas crianças aprenderam a sê-lo por causa de todas experiências que viveram com os pais. Então, acredito que a melhor forma de eliminar de vez essa insegurança ou ansiedade é modificar essas experiências.

Muitas vezes, justamente por causa dos nossos receios ou ansiedades acabamos por acreditar que são as pessoas de fora que podem ajudar os nossos filhos  quando a melhor ajuda é nós simplesmente estarmos dispostos a estar presentes, verdadeiramente presentes na relação que temos com eles. Então, muitas vezes os pais fazem o esforço de levar o filho a algum lado para fazer aulas de yoga, incluindo mais uma actividade nas suas agendas já tão preenchidas e atarefadas quando esse tempo seria muito mais bem empregue se o passassem com a criança, criando espaço e oportunidade para estarem verdadeiramente com ela.


A nossa presença, inteira, completa de corpo e coração é o melhor presente que podemos dar a uma criança. E, quando nos tornamos capazes de lhe dar essa presença de forma regular, com que ela possa aprender a contar, estamos a criar-lhe a possibilidade de crescer no verdadeiro sentido do termo. Essa presença dos pais tem um efeito terapêutico muito mais profundo e completo do que aquele que qualquer aula de yoga ou qualquer outra relação lhe pode proporcionar. Uma criança precisa, mais do que tudo de sentir a presença e a aceitação incondicional dos seus pais. É a falta dessa presença - que acontece, a maior parte das vezes, por causa das nossas próprias ansiedades - que está na base de todas as inseguranças com que os nossos filhos lidam. Então, antes de procurarmos no exterior a correcção e a solução para esses medos ou dificuldades que os nossos filhos enfrentam, acredito que faremos muito melhor se as procurarmos em nós mesmos. E isto implica uma grande responsabilidade, sim, é verdade. Mas é uma responsabilidade sem culpa. É uma responsabilidade apenas de nos tornarmos conscientes do nosso poder enquanto pais ou mães de uma criança mas uma responsabilidade onde não entram culpas porque, enquanto pais, também já fomos filhos e fazemos apenas o melhor que nos foi possível aprender com os nossos pais. E sem culpas também porque é essencial que saibamos que é sempre tempo de mudar aquilo que ensinamos e transmitimos aos nossos filhos. Basta tomarmos consciência de que é tempo de lidar com as nossas feridas, é tempo de quebrar o ciclo e basta tomarmos consciência de que os nossos filhos estão sempre prontos, disponíveis para nos receber e para aceitar o que temos para lhes dar, sobretudo quando conseguem sentir que estamos realmente dispostos a tentar fazer diferente.