“A este respeito os efeitos da separação da mãe podem ser comparados aos
dos efeitos de fumar ou de radiações. Apesar dos efeitos das doses pequenas
parecerem insignificantes, eles são cumulativos. A dose mais segura é uma dose zero.” John
Bowlby (1973) – Attachment and Loss.
Volume 2 – Separation: Anxiety and Anger.
Esta
frase, escrita por Bowlby, no seu livro que se tornou, há muito tempo, um
clássico da
Psicologia, refere-se a um estudo* feito com macacos bebés que eram
separados das suas mães por períodos que variavam entre os dois dias e as três
semanas. Estes estudos, feitos por vários investigadores e com mais do que uma
espécie de macacos, confirmaram a ideia de Bowlby de que a presença da mãe é de
facto uma condição essencial para o bem-estar e para o bom desenvolvimento de
qualquer primata. Estes macaquinhos, mesmo quando continuavam no seu meio
ambiente, com os outros macacos e a única coisa que faltava era a mãe (que era
retirada desse ambiente durante alguns dias ou semanas) mostravam claros sinais
de que essa falta os tinha perturbado. Durante as primeiras horas da ausência
da mãe estes macacos choravam e gritavam como se chamassem por ela, depois,
acabavam por ficar aparentemente mais calmos mas mostravam um comportamento
muito mais apático e deprimido. Quando a mãe voltava, durante os primeiros
dias, estes mostravam-se muito mais necessitados da sua presença, passando
quase a totalidade do seu dia a tentar manter o contacto físico e a proximidade
com esta e mostrando-se muito mais alerta e vigilantes com todo o tipo de
acontecimento que pudesse indiciar que a mãe iria desaparecer outra vez. Mas o
dado mais importante talvez, e ao qual a frase citada se refere, é que,
passados alguns dias ou até semanas, mesmo quando já parecia que tudo tinha
voltado ao normal, estes macacos continuavam a ter um comportamento diferente
daqueles macacos que nunca tinham sido separados das suas mães. Só que este
comportamento só se via em situações de desafio ou de stress: quando eram
colocados objectos estranhos na jaula, por exemplo, estes macacos mostravam-se
muito mais receosos do que os outros e tinham muito menos iniciativa de
explorar esses objectos. E, quando havia algo fora do normal nas suas rotinas,
estes macacos mostravam-se muito mais receosos, inseguros, necessitados da
presença da mãe e também com muito menos vontade de explorar ou de correr algum
tipo de riscos, quando comparados com os outros que nunca tinham sofrido com a
ausência das suas mães.
Bowlby
acreditava que estas observações eram válidas também para os humanos. Na
verdade ele descreve também muitas observações que foram feitas em que crianças
pequenas precisavam ser afastadas da mãe, geralmente porque esta estava doente
ou ia para o hospital para ter outro filho (coisa que nos anos 50, 60, podia
demorar vários dias) e as crianças ficavam numa instituição ou com famílias de
acolhimento. Nos casos em que as crianças iam para instituições, a experiência
era sempre mais traumática, principalmente se a criança fosse sozinha, sem nenhum
irmão. Aquilo que se verificava era um comportamento em tudo idêntico ao dos
macacos: as crianças começavam por chorar muito, depois apresentavam um
comportamento apático e deprimido. Quando voltavam a estar com a mãe o
comportamento podia oscilar entre uma preocupação intensa com manterem-se perto
dela a todo o custo, e uma vigilância constante de tudo o que pudesse indicar
que esta se iria voltar a ausentar, até um comportamento mais ambivalente em
que a criança parecia já não procurar a mãe e não querer a sua presença. Na
verdade, este comportamento mais ambivalente era mais provável quanto maior
fosse o tempo desta ausência e se a criança tivesse entre um e três anos. Segundo
Bowlby, a partir dos três anos, dava-se uma alteração grande no comportamento
da criança que parecia já muito mais capaz de suportar separações curtas com
menos sofrimento.
O que faltou
nesta observação das crianças humanas foi uma observação mais detalhada de como
esta ausência as afectou mesmo passadas algumas semanas de ter acontecido. Mas,
de acordo com o que é possível saber hoje em dia, através da psicofisiologia,
tudo indica que estas ausências possam ter o mesmo efeito nas crias humanas e
nos macacos, tornando-as menos resistentes ao stress e menos resilientes.
O sistema de resposta ao stress
Sue Gerhardt, psicoterapeuta, explica que quando
um bebé é repetidamente exposto a situações de stress – e para Bowlby a
ausência da figura materna era das situações mais stressantes para um bebé -
sabe-se que o seu sistema de resposta ao stress começa a libertar grandes
quantidades de cortisol. O que acontece é que este cortisol permanentemente a
flutuar no sistema em grandes quantidades acaba por danificar o hipocampo,
fazendo com que os receptores de cortisol se desliguem e com que este se torne menos
sensível e capaz de informar o hipotálamo que já se produziu cortisol
suficiente. Isto quer dizer que esta resposta de alarme acaba por ficar
permanentenmente ligada o que significa que a criança passará a viver num
estado de tensão quase constante em que será muito mais difícil lidar com
qualquer desafio em que qualquer situação nova se tornará muito mais
assustadora, tal como acontecia com os macaquinhos que se mostravam muito mais
receosos e inseguros para explorar o ambiente em situações novas.
O comportamento da mãe depois da reunião
A
única coisa que estes investigadores encontraram que fazia alguma diferença na
intensidade das mudanças que aconteciam nos macacos era o comportamento da mãe
após a reunião de ambos: se a mãe rejeitasse a cria e a sua necessidade
constante de conforto e proximidade, esta cria mostrava-se muito mais receosa.
Nos casos em que a mãe se mostrava tolerante e receptiva a manter o contacto
com a cria, estas continuavam a ter algumas alterações na sua capacidade de
lidar com os desafios mas eram menos intensas.
Então, a lição
a retirar daqui é que de facto a presença constante da mãe é essencial para o
bom desenvolvimento de um bebé mas, se por algum motivo, esta tiver mesmo que
ser interrompida, é muito importante a mãe estar disponível para reparar esse
dano e para dar ao seu filho toda a segurança que ele pode ter perdido através
de muito contato físico e de uma compreensão e aceitação das alterações de
comportamento que este pode apresentar.
Hoje em dia, muitas vezes, as obrigações da
vida moderna fazem com que precisemos de nos ausentar muitas vezes, por vezes,
essas ausências repetem-se diariamente quando o bebé é deixado numa creche ou
infantário. Então é muito importante que sejamos capazes de reparar as marcas
que essas ausências vão deixando e a forma de o fazermos é simplesmente
escutando os nossos filhos, olhando para eles e deixando que nos mostrem de que é precisam para seja possível reparar a ligação. O elo que une uma mãe ao seu filho é muito forte mas, apesar de ser inquebrável, pode ficar fragilizado por separações prolongadas ou muito repetidas. Então a forma de repararmos esse elo é procurarmos mostrar que estamos totalmente disponíveis quando voltamos a estar juntos. E, com bebés e crianças muito pequeninas, a melhor forma de o mostrar é através de muito contacto físico que é essencial para o seu bem-estar.
Por vezes os pais não percebem
porque é que o filho parece estar tão bem na escola e em casa chora muito mais
ou faz tem comportamentos que parecem regressivos. Mas é muito natural que isto
aconteça porque a criança, quando percebe que não tem alternativa e que a mãe não
vai aparecer tão cedo acaba por adoptar um comportamento que parece mais
conformado mas que não quer dizer que esteja alegre ou feliz. Isto não quer dizer que a criança esteja muito bem na escola e mal
quando chega a casa, quer simplesmente dizer que, na escola, a criança percebe
que não vale a pena chorar ou protestar porque a mãe não vai voltar. E, quando a criança volta finalmente a estar com a mãe, por vezes, pode ser difícil processar todas essas emoções que a ausência gerou e então surgem comportamentos que os pais nem sempre conseguem compreender.
Outras vezes também pode acontecer que, depois de uma ausência mais prolongada a criança mostre um comportamento agressivo para com a mãe. Bowlby via esta como uma consequência natural dessa ausência: a zanga da criança era a sua forma instintiva de fazer com que a sua figura de apego não voltasse a repetir essa ausência como se, ao castigá-la com esse comportamento agressivo quisesse impedi-la de voltar a ausentar-se.
Outras vezes também pode acontecer que, depois de uma ausência mais prolongada a criança mostre um comportamento agressivo para com a mãe. Bowlby via esta como uma consequência natural dessa ausência: a zanga da criança era a sua forma instintiva de fazer com que a sua figura de apego não voltasse a repetir essa ausência como se, ao castigá-la com esse comportamento agressivo quisesse impedi-la de voltar a ausentar-se.
O mais importante é termos noção de que não há nada de natural na forma como vivemos a vida hoje em dia, longe dos nossos filhos, deixando-os ao cuidado de estranhos tantas horas seguidas. E, por isso mesmo, não é de estranhar que, muitas vezes, eles tenham comportamentos que também não nos parecem naturais ou que vemos como estranhos. O que é preciso é sermos capazes de nos sintonizar com essas pequenas feridas e estarmos totalmente disponíveis para as sarar. E a única forma de o fazemos é oferecendo-lhes a nossa presença e o nosso coração, totalmente, sem reservas, sempre que eles precisarem e sempre que estivermos juntos.
*Fico sempre num dilema quando cito estudos feitos com animais: por um lado não gosto de os citar como se fossem algo normal e aceitável, porque não acho que tenhamos o direito de usar e criar animais em cativeiro, como neste caso, apenas para serem estudados e receio que ao citar este tipo de estudos esteja de alguma forma a contribuir para a sua normalização. Por outro lado, é verdade que já foram feitos e deram um contributo importante para a psicologia e para o desenvolvimento de algumas teorias.
*Fico sempre num dilema quando cito estudos feitos com animais: por um lado não gosto de os citar como se fossem algo normal e aceitável, porque não acho que tenhamos o direito de usar e criar animais em cativeiro, como neste caso, apenas para serem estudados e receio que ao citar este tipo de estudos esteja de alguma forma a contribuir para a sua normalização. Por outro lado, é verdade que já foram feitos e deram um contributo importante para a psicologia e para o desenvolvimento de algumas teorias.