Aquilo que está a ser pedido à maioria de nós neste momento deixa-nos numa espécie de paradoxo fisiológico: por um lado é-nos incutido um sentimento de medo - que aliás a comunicação social tem feito um bom trabalho de manter com a sua contagem diária de mortos e infectados - medo de ficar doente, de ver os nossos entes queridos doentes ou de causar doença nos outros mas medo também da cura com toda a desestruturação que ela está a provocar nas nossas vidas; por outro lado é-nos pedido que não façamos nada com esse medo e que nos limitemos a ficar em casa, o mais quietos possível. Isto deixa-nos um pouco sem saída do ponto de vista fisiológico porque, sempre que o nosso sistema de alarme é activado, o que acontece quando sentimos medo ou quando existe esta sensação de que há uma ameaça presente de forma constante temos duas hipóteses: ou activamos a resposta de luta-ou-fuga, através do nosso sistema nervoso simpático ou activamos a resposta de congelamento, comandada pelo nervo vago dorsal. Acontece que, a primeira resposta, a mais adaptativa e natural para lidar com as ameaças, aquela que partilhamos com todos os mamíferos é a de luta ou fuga. Mas, neste momento, não podemos lutar nem fugir por isso se este é o nosso mecanismo de resposta principal é bem provável que nos sintamos muito frustrados, zangados, revoltados e com um certo sentimento de desorientação ou de agitação permanente porque não temos como fazer aquilo que o nosso organismo nos está a pedir.
Mas quando a resposta de luta ou fuga se mantém activa demasiado tempo sem que isso produza nenhum resultado, há uma probabilidade de que passemos a activar a resposta de congelamento. Isto acontece sobretudo quando na nossa história precisámos de recorrer muitas vezes a este mecanismo, que acaba por tornar-se o nosso primeiro meio de resposta. Este é o caso de pessoas com história de trauma profundo na infância. Esta resposta activa um mecanismo de defesa que temos em comum com os répteis que se limitam a fingir-se de mortos quando uma presa os ataca até que a ameaça desapareça. Mas nós não somos répteis por isso esta resposta tem um custo muito elevado para os seres humanos que não podem usar este mecanismo por muito tempo, já que o seu organismo precisa de manter níveis de oxigénio e temperatura mais constantes. Por isso este mecanismo só é activado em situações extremas e tem um custo muito grande para o nosso organismo. Uma das suas consequências, do ponto de vista psicológico, é um sentimento de impotência, daquilo a que se chama a desesperança aprendida: a sensação de que nada do que façamos importa ou faz diferença no mundo e isto vem associado a sentimentos de tristeza profunda ou de dissociação - que vem muitas vezes associada a uma sensação de vazio, ou de que não estamos bem aqui, no nosso corpo, uma incapacidade grande de estarmos presentes com a nossa experiência em cada momento, um sentimento de que precisamos de fugir e, se não o podemos fazer em corpo, tentamos fazê-lo em mente. É o que relatam muitas pessoas que sofreram maus tratos profundos quando dizem que o corpo estava ali mas a cabeça já não. Esta é uma defesa adaptativa na medida em que nos permite sobreviver, mas esta sobrevivência vem com um custo muito elevado: a perda do prazer na vida, o medo de lidar com as emoções, a necessidade de fecharmos certas partes de nós mesmos e a dificuldade de criarmos ligações seguras e significativas que nos preencham de verdade.
A forma como usamos estes mecanismos de resposta não depende da nossa vontade, isto acontece de forma automática e inconsciente e a maioria das vezes nem nos damos conta de que estamos a activá-los.
Mas quando a resposta de luta ou fuga se mantém activa demasiado tempo sem que isso produza nenhum resultado, há uma probabilidade de que passemos a activar a resposta de congelamento. Isto acontece sobretudo quando na nossa história precisámos de recorrer muitas vezes a este mecanismo, que acaba por tornar-se o nosso primeiro meio de resposta. Este é o caso de pessoas com história de trauma profundo na infância. Esta resposta activa um mecanismo de defesa que temos em comum com os répteis que se limitam a fingir-se de mortos quando uma presa os ataca até que a ameaça desapareça. Mas nós não somos répteis por isso esta resposta tem um custo muito elevado para os seres humanos que não podem usar este mecanismo por muito tempo, já que o seu organismo precisa de manter níveis de oxigénio e temperatura mais constantes. Por isso este mecanismo só é activado em situações extremas e tem um custo muito grande para o nosso organismo. Uma das suas consequências, do ponto de vista psicológico, é um sentimento de impotência, daquilo a que se chama a desesperança aprendida: a sensação de que nada do que façamos importa ou faz diferença no mundo e isto vem associado a sentimentos de tristeza profunda ou de dissociação - que vem muitas vezes associada a uma sensação de vazio, ou de que não estamos bem aqui, no nosso corpo, uma incapacidade grande de estarmos presentes com a nossa experiência em cada momento, um sentimento de que precisamos de fugir e, se não o podemos fazer em corpo, tentamos fazê-lo em mente. É o que relatam muitas pessoas que sofreram maus tratos profundos quando dizem que o corpo estava ali mas a cabeça já não. Esta é uma defesa adaptativa na medida em que nos permite sobreviver, mas esta sobrevivência vem com um custo muito elevado: a perda do prazer na vida, o medo de lidar com as emoções, a necessidade de fecharmos certas partes de nós mesmos e a dificuldade de criarmos ligações seguras e significativas que nos preencham de verdade.
A forma como usamos estes mecanismos de resposta não depende da nossa vontade, isto acontece de forma automática e inconsciente e a maioria das vezes nem nos damos conta de que estamos a activá-los.
Acontece que a forma principal de desactivarmos o nosso estado de alarme é através da co-regulação. A co-regulação é mesmo a estratégia principal de sobrevivência da nossa espécie. E, neste momento, também nos está a ser pedido que nos distanciemos dos outros.
Mas o nosso sistema nervoso está programado para se regular através dos relacionamentos. Precisamos de ver as outras pessoas, de olhar nos olhos delas e de as tocar também para nos sentirmos seguros. É verdade que o mundo virtual de hoje facilita um pouco as ligações, mesmo nesta altura de isolamento, mas também é verdade que podemos cair facilmente no perigo de achar que elas substituem tudo e isso não é verdade. Mesmo numa videochamada falta-nos muita informação não verbal importante que influencia a forma como comunicamos e como nos sentimos. E a forma como lidamos com isso depende do nosso perfil.
Existe um grupo de pessoas a que podemos chamar reactivas, alguns autores falam de pessoas sensíveis ou no caso das crianças, há quem fale das crianças orquídeas, que são pessoas em que de certa forma o sistema nervoso tem mais dificuldade em excluir os estímulos internos e externos. Estas pessoas processam constantemente um maior número de informações e geralmente de forma mais intensa. Então este grupo que se estima que será cerca de 20% da população, será provavelmente aquele que tem maior dificuldade com este tipo de comunicação. Isto porque, por um lado estão mais habituadas a receber e a processar uma série de informações subtis que faltam nas videochamadas e sentindo essa ausência fica-lhes mais difícil comunicar, por outro lado porque ao processarem mais estímulos do meio ambiente também lhes é mais difícil desligarem-se do sítio onde estão que terá estímulos muito diferentes daqueles que a outra pessoa experimenta o que pode contribuir para uma certa des-sincronia na conversa. Porque nas conversas importantes aquilo que acontece é que criamos uma certa sincronia entre as pessoas, uma sincronia do ponto de vista fisiológico que pode ser observada exteriormente nos gestos que é comum serem parecidos, nas expressões faciais em que uma pessoa espelha a emoção da outra ou na postura corporal que também adopta certas semelhanças quando essa sincronia acontece. Claro que é possível conseguir também alguma sincronia com uma videochamada, menos com um telefonema porque nos falta informação importante quando não vemos o rosto de alguém, mas a verdade é que pode ser um pouco mais difícil. E a verdade também é que isto não tem o mesmo grau de facilidade ou dificuldade para todas as pessoas o que pode ter a ver com algumas características pessoais mas também com a nossa história. Para uma pessoa que não está muito habituada a ser ouvida e acolhida de verdade e que, por isso mesmo, tem sempre uma atitude mais defensiva com os outros a comunicação online torna-se mais difícil porque há sempre um medo inconsciente de que o outro não seja verdadeiramente capaz de acolher a nossa dor e se esse medo também se manifesta mesmo na presença física das outras pessoas, é ainda mais provável que ele tome conta da nossa comunicação quando essa presença não existe. Porque quando já há alguma tendência para nos sentirmos sozinhos e incompreendidos, mesmo na presença dos outros, é natural que isto se intensifique quando nem sequer temos essa presença, como se o nosso corpo confirmasse que essa solidão é real.
Para pessoas com apego do tipo ambivalente, pessoas que na infância tiveram mães que nem sempre foram capazes de responder às suas necessidades esse medo de não se ser acolhido ou compreendido é uma constante, ainda que nem sempre tenham consciência disto. Estas pessoas têm na sua história uma experiência de sentir que os outros não sabem ou não conseguem ou não querem dar resposta às suas necessidades, por isso quando falam com alguém, inconscientemente, também esperam que as outras pessoas não sejam capazes de preencher verdadeiramente as suas necessidades. E é ainda mais fácil que isto se manifeste quando essa comunicação se faz através de um ecrã. É também nestas pessoas que esta experiência de isolamento pode estar mais associada a estados de ansiedade e agitação que vêm do reviver dessas experiências de infância em que se sentiram em perigo por não verem as suas necessidades bem acolhidas ou preenchidas. Porque para uma criança não há ameaça maior do que sentir que os seus pais podem não ser capazes de as proteger ou de preencher as suas necessidades de afecto e de reconhecimento. Isto é tão assustador que acaba por ser mais fácil a criança interiorizar que é ela que tem o problema ou os defeitos que não permitem que os outros gostem de si e, por isso, neste caso a experiência de isolamento pode acentuar ainda mais isso, porque, por muito que de um ponto de vista racional se saiba que as outras pessoas não nos procuram porque não podem, de um ponto de vista mais inconsciente isto vem confirmar o medo de que elas simplesmente não queiram estar connosco ou que não se importem com as nossas necessidades e não queiram saber dos nossos medos.
As pessoas caracterizadas por um apego do tipo evitante são pessoas que têm uma certa tendência para desvalorizar as emoções, porque na sua infância estas nunca foram bem acolhidas ou valorizadas. Por isso nestes casos há muitas vezes uma tendência excessiva para racionalizar e, nestes casos, pode ser muito fácil cair na ilusão de que a comunicação virtual substitui perfeitamente a real porque é mais provável que nem haja consciência desse vazio que existe pela incapacidade de se entrar em contacto com as próprias emoções. Nestas pessoas o isolamento poderá estar mais associado a um sentimento de incapacidade e de tristeza profunda como se confirmasse aquilo que elas, no fundo sempre souberam: que estão sozinhas porque ninguém gosta verdadeiramente delas, porque não são dignas de amor. Nestes casos é mais provável que surja também o tal sentimento de desesperança aprendida, de que nada do que façamos importa.
Por fim, para as pessoas do tipo desorganizado, pessoas que sofreram traumas profundos na infância, a comunicação online pode ser ainda mais desorientadora por causa dos paradoxos com que as confronta.
Então, na verdade as pessoas que podem usufruir melhor deste tipo de comunicação são justamente as que menos precisam, porque são pessoas mais seguras, com melhores experiências de acolhimento e reconhecimento que, por isso mesmo, também desenvolveram mais capacidades de auto-regulação.
Ao escrever isto quero apenas chamar a atenção para o facto de que nos está a ser pedido algo realmente difícil e que é natural que isso tenha custos elevados. E uma das formas importantes de preservarmos a nossa saúde mental começa por sermos capazes de acolher aquilo que estamos a sentir, passa por sermos capazes de nomear as nossas emoções e também por sermos capazes de dar um significado aquilo que estamos a viver.
Acredito que, por um lado, seria mais fácil, menos confuso e desorientador se nos pedissem para agir e não apenas para ficar parados à espera que o perigo passe. Se nos pedissem para agir de forma concreta, reforçando o apoio às vítimas com algum tipo de voluntariado, por exemplo, ou de outras formas que pudessem ajudar-nos a dar algum uso ao estado de alarme que estamos todos a sentir. Não posso ter a certeza de que isto seria o mais eficaz no combate ao vírus, nem sei exactamente em que moldes o poderíamos fazer mas sei que poderia ser mais fácil do ponto de vista emocional para muitas pessoas
Mas talvez o mais importante neste momento seja mesmo darmos voz ao sentimento de desorientação que é muito natural que várias pessoas estejam neste momento a sentir e perceber que ele tem uma razão fisiológica para existir. E saber que precisamos de o encarar e de libertar toda a tristeza que vem com todas as frustrações desta nova realidade em vez de tentarmos disfarçá-la ou ignorá-la com as mil e uma actividades tentadoras que chegam aos nossos e-mails e telemóveis todos os dias. Precisamos de fazer as pazes com essa tristeza e de saber que, neste momento, ela é mesmo o mais natural perante todas as perdas que estamos a vivenciar: de liberdade, de relacionamentos, de dinheiro e de saúde. Porque enquanto não encararmos e nomearmos esta tristeza também será muito mais difícil encontrar alguma coisa de positivo nisto tudo e dar um significado a tudo o que estamos a viver.
E também é preciso que tenhamos consciência de que, se estas perdas se mantiverem por um tempo demasiado longo é muito provável que, a partir de certa altura, elas superem os ganhos que podemos obter com esta situação. Porque a saúde mental é uma parte inseparável da saúde física e ficarmos isolados durante demasiado tempo também pode matar-nos de muitas formas diferentes.
Existe um grupo de pessoas a que podemos chamar reactivas, alguns autores falam de pessoas sensíveis ou no caso das crianças, há quem fale das crianças orquídeas, que são pessoas em que de certa forma o sistema nervoso tem mais dificuldade em excluir os estímulos internos e externos. Estas pessoas processam constantemente um maior número de informações e geralmente de forma mais intensa. Então este grupo que se estima que será cerca de 20% da população, será provavelmente aquele que tem maior dificuldade com este tipo de comunicação. Isto porque, por um lado estão mais habituadas a receber e a processar uma série de informações subtis que faltam nas videochamadas e sentindo essa ausência fica-lhes mais difícil comunicar, por outro lado porque ao processarem mais estímulos do meio ambiente também lhes é mais difícil desligarem-se do sítio onde estão que terá estímulos muito diferentes daqueles que a outra pessoa experimenta o que pode contribuir para uma certa des-sincronia na conversa. Porque nas conversas importantes aquilo que acontece é que criamos uma certa sincronia entre as pessoas, uma sincronia do ponto de vista fisiológico que pode ser observada exteriormente nos gestos que é comum serem parecidos, nas expressões faciais em que uma pessoa espelha a emoção da outra ou na postura corporal que também adopta certas semelhanças quando essa sincronia acontece. Claro que é possível conseguir também alguma sincronia com uma videochamada, menos com um telefonema porque nos falta informação importante quando não vemos o rosto de alguém, mas a verdade é que pode ser um pouco mais difícil. E a verdade também é que isto não tem o mesmo grau de facilidade ou dificuldade para todas as pessoas o que pode ter a ver com algumas características pessoais mas também com a nossa história. Para uma pessoa que não está muito habituada a ser ouvida e acolhida de verdade e que, por isso mesmo, tem sempre uma atitude mais defensiva com os outros a comunicação online torna-se mais difícil porque há sempre um medo inconsciente de que o outro não seja verdadeiramente capaz de acolher a nossa dor e se esse medo também se manifesta mesmo na presença física das outras pessoas, é ainda mais provável que ele tome conta da nossa comunicação quando essa presença não existe. Porque quando já há alguma tendência para nos sentirmos sozinhos e incompreendidos, mesmo na presença dos outros, é natural que isto se intensifique quando nem sequer temos essa presença, como se o nosso corpo confirmasse que essa solidão é real.
Para pessoas com apego do tipo ambivalente, pessoas que na infância tiveram mães que nem sempre foram capazes de responder às suas necessidades esse medo de não se ser acolhido ou compreendido é uma constante, ainda que nem sempre tenham consciência disto. Estas pessoas têm na sua história uma experiência de sentir que os outros não sabem ou não conseguem ou não querem dar resposta às suas necessidades, por isso quando falam com alguém, inconscientemente, também esperam que as outras pessoas não sejam capazes de preencher verdadeiramente as suas necessidades. E é ainda mais fácil que isto se manifeste quando essa comunicação se faz através de um ecrã. É também nestas pessoas que esta experiência de isolamento pode estar mais associada a estados de ansiedade e agitação que vêm do reviver dessas experiências de infância em que se sentiram em perigo por não verem as suas necessidades bem acolhidas ou preenchidas. Porque para uma criança não há ameaça maior do que sentir que os seus pais podem não ser capazes de as proteger ou de preencher as suas necessidades de afecto e de reconhecimento. Isto é tão assustador que acaba por ser mais fácil a criança interiorizar que é ela que tem o problema ou os defeitos que não permitem que os outros gostem de si e, por isso, neste caso a experiência de isolamento pode acentuar ainda mais isso, porque, por muito que de um ponto de vista racional se saiba que as outras pessoas não nos procuram porque não podem, de um ponto de vista mais inconsciente isto vem confirmar o medo de que elas simplesmente não queiram estar connosco ou que não se importem com as nossas necessidades e não queiram saber dos nossos medos.
As pessoas caracterizadas por um apego do tipo evitante são pessoas que têm uma certa tendência para desvalorizar as emoções, porque na sua infância estas nunca foram bem acolhidas ou valorizadas. Por isso nestes casos há muitas vezes uma tendência excessiva para racionalizar e, nestes casos, pode ser muito fácil cair na ilusão de que a comunicação virtual substitui perfeitamente a real porque é mais provável que nem haja consciência desse vazio que existe pela incapacidade de se entrar em contacto com as próprias emoções. Nestas pessoas o isolamento poderá estar mais associado a um sentimento de incapacidade e de tristeza profunda como se confirmasse aquilo que elas, no fundo sempre souberam: que estão sozinhas porque ninguém gosta verdadeiramente delas, porque não são dignas de amor. Nestes casos é mais provável que surja também o tal sentimento de desesperança aprendida, de que nada do que façamos importa.
Por fim, para as pessoas do tipo desorganizado, pessoas que sofreram traumas profundos na infância, a comunicação online pode ser ainda mais desorientadora por causa dos paradoxos com que as confronta.
Então, na verdade as pessoas que podem usufruir melhor deste tipo de comunicação são justamente as que menos precisam, porque são pessoas mais seguras, com melhores experiências de acolhimento e reconhecimento que, por isso mesmo, também desenvolveram mais capacidades de auto-regulação.
Ao escrever isto quero apenas chamar a atenção para o facto de que nos está a ser pedido algo realmente difícil e que é natural que isso tenha custos elevados. E uma das formas importantes de preservarmos a nossa saúde mental começa por sermos capazes de acolher aquilo que estamos a sentir, passa por sermos capazes de nomear as nossas emoções e também por sermos capazes de dar um significado aquilo que estamos a viver.
Acredito que, por um lado, seria mais fácil, menos confuso e desorientador se nos pedissem para agir e não apenas para ficar parados à espera que o perigo passe. Se nos pedissem para agir de forma concreta, reforçando o apoio às vítimas com algum tipo de voluntariado, por exemplo, ou de outras formas que pudessem ajudar-nos a dar algum uso ao estado de alarme que estamos todos a sentir. Não posso ter a certeza de que isto seria o mais eficaz no combate ao vírus, nem sei exactamente em que moldes o poderíamos fazer mas sei que poderia ser mais fácil do ponto de vista emocional para muitas pessoas
Mas talvez o mais importante neste momento seja mesmo darmos voz ao sentimento de desorientação que é muito natural que várias pessoas estejam neste momento a sentir e perceber que ele tem uma razão fisiológica para existir. E saber que precisamos de o encarar e de libertar toda a tristeza que vem com todas as frustrações desta nova realidade em vez de tentarmos disfarçá-la ou ignorá-la com as mil e uma actividades tentadoras que chegam aos nossos e-mails e telemóveis todos os dias. Precisamos de fazer as pazes com essa tristeza e de saber que, neste momento, ela é mesmo o mais natural perante todas as perdas que estamos a vivenciar: de liberdade, de relacionamentos, de dinheiro e de saúde. Porque enquanto não encararmos e nomearmos esta tristeza também será muito mais difícil encontrar alguma coisa de positivo nisto tudo e dar um significado a tudo o que estamos a viver.
E também é preciso que tenhamos consciência de que, se estas perdas se mantiverem por um tempo demasiado longo é muito provável que, a partir de certa altura, elas superem os ganhos que podemos obter com esta situação. Porque a saúde mental é uma parte inseparável da saúde física e ficarmos isolados durante demasiado tempo também pode matar-nos de muitas formas diferentes.
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